Suplemento Dominical do JB

Por Francigelda Ribeiro - especial para Entretextos

Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil presenciou um momento de grande efervescência no que tange às produções artísticas em suas diversas formas de manifestação. Conforme Elizabeth Lorenzotti, em Suplemento literário, que falta ele faz!, trata-se de um período marcado por um tom democrático e desenvolvimentista, viabilizando uma fértil produção na qual “surgiram suplementos literários em quase todos os grandes jornais diários” (LORENZOTTI, 2007, p.10). Veículos como os suplementos evidenciaram as condições culturais da época em projeções analíticas que contemplavam, a um tempo, tradição e inovação.

De acordo com Alzira Alves de Abreu (1996), durante essas décadas, presenciou-se o auge dos suplementos literários, mormente, daqueles publicados pelos jornais cariocas. Em meados dos anos de 1950, surgiu o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB), que circulou entre junho de 1956 e dezembro de 1961, constituindo um espaço privilegiado no âmbito cultural brasileiro. No caso específico do SDJB, vale ressaltar dados que estiveram na base de sua origem, para efeito de uma compreensão mais ampla de tal periódico. O Jornal do Brasil (JB) – que teve seu fechamento anunciado em 14 de julho de 2010 – foi fundado em 1891. Em 1918, foi comprado pelo conde Ernesto Pereira, fase na qual se priorizam os classificados. Com a morte do conde, em 1954, a condessa Pereira Carneiro assumiu o comando do jornal. 
 
O poeta Reynaldo Jardim, que tinha um programa cultural na rádio do JB, foi convidado a redigir, no jornal impresso, uma coluna tratando de livros e autores contemporâneos. Desse modo, principiou o que viria a se tornar o SDJB, que – segundo Cristiane Costa, em Pena de aluguel (2005) – foi o ponto de partida para que o JB deixasse de ser um jornal de pequenos anúncios e passasse a ser o jornal mais influente nas décadas de 1960 e 1970.
 
De acordo com o ficcionista e colaborador do SDJB, Assis Brasil, no início do trabalho só existia como seção fixa uma “página feminina”, feita por Dona Heloísa, sobrinha da Condessa Pereira Carneiro [...]. Creio que o Suplemento fora criado como uma “amenidade” de um jornal que se caracterizara por anunciar empregos. Reynaldo Jardim é que o foi mudando aos poucos, criando seções e chamando novos colaboradores (BRASIL, 1975, p. 73-74).
 
Em fevereiro de 1957, Amílcar de Castro passou a trabalhar no JB, realizando uma inconfundível e inovadora reforma gráfica nas páginas do jornal. A esse respeito, Ana de Gusmão Mannarino esclarece, em Amilcar de Castro e a página neoconcreta, que 
 
No SDJB, a importância dada à experimentação visual é ainda mais evidente. É o espaço no qual as principais características do projeto foram acentuadas, e onde as mudanças aconteceram de modo mais acelerado. Por se tratar de um suplemento literário semanal, era-lhes permitido assumir mais riscos. Assim, nele foram apresentadas, pela primeira vez, muitas das soluções gráficas adotadas posteriormente no caderno do jornal (MANNARINO, 2006, p.53).
 
Para além da inovadora estrutura gráfico-visual, no SDJB foi promovida uma revisão dos grandes acontecimentos culturais. Em seus cadernos, foram divulgados os mais importantes eventos do cenário nacional e internacional, no que diz respeito às artes plásticas, ao teatro, à música, à dança, à filosofia, à literatura etc.. Comentando as vanguardas artísticas, os colaboradores fizeram do SDJB uma grande referência e significativa página da história intelectual do país. Nesse sentido, é importante destacar que o Suplemento se tornou centro de discussão da poesia concreta. No caderno de 23 de junho de 1957, em primeira mão, foi divulgada a manchete Cisão no movimento da poesia concreta. Do lado esquerdo da página, foi publicado o texto Poesia concreta: poesia intuitiva, assinado por Ferreira Gullar, Oliveira Bastos e Reynaldo Jardim, que se contrapunham ao texto publicado do lado direito, Da fenomenologia da composição à matemática da composição, assinado por Haroldo de Campos. Sobreposta às duas matérias, uma nota esclarecia que os manifestos ali divulgados demarcariam os campos diversos nos quais, de ali em diante, iriam se situar os poetas paulistas e cariocas dentro da experiência da poesia concreta e que a cisão se devia ao fato de que os poetas do Rio de Janeiro (neoconcretos, termo criado, posteriormente, por Ferreira Gullar) se opunham à estrutura matemática e objetiva da poesia concreta defendida pelos paulistas. 
 
A respeito da importância do SDJB para a cultura brasileira, o crítico Franklin de Oliveira, declarou que se tratava de um veículo que estava “valendo como um laboratório de cultura nova” (SDJB, 09 de junho de 1957). A qualidade dos debates garantia a relevância do Suplemento que avançava com importantes contribuições, tais como: a página de Mário Faustino, Poesia-Experiência, criada desde 23 de setembro de 1956; o trabalho de Ferreira Gullar na página Artes plásticas, a partir de 5 de maio de 1957; a página Ficção Nacional, que Assis Brasil criou em 29 de setembro de 1957; a coluna Teatro, assinada por Barbara Heliodora a partir de 30 de março de 1958, dentre muitos outros.
 
As manifestações literárias ganharam alto índice de vitalidade ao longo das páginas do SDJB. Confirmando ou negando valores literários estabelecidos, os críticos, audaciosamente, expunham análises consistentes acerca do fenômeno literário, resultando em um panorama histórico-crítico de reflexões e juízos de valor. Pelo SDJB, passou uma significativa geração de críticos, dentre eles Haroldo Bruno, Adolfo Casais Monteiro, Mário Faustino, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Cecília Prada, José Carlos Oliveira, Judith Grossmann, José Guilherme Merquior, Assis Brasil e muitos outros. Dos citados, consta a peculiaridade de terem sido todos autores-críticos. 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
ABREU, Alzira Alves (org.). A imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos anos 50. Rio de Janeiro: Getúlio Vargas, 1996.
BRASIL, Assis. A nova literatura: a crítica. Rio de janeiro: Companhia Editora Americana, 1975a.
LORENZOTTI, Elizabeth. Suplemento literário, que falta ele faz!: 1956 – 1974 do artístico ao jornalístico – vida e morte de um caderno cultural. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
MANNARINO, Ana de Gusmão. Amilcar de Castro e a página neoconcreta. Rio de Janeiro: PUC, 2006. 147 f. Dissertação de Mestrado, Departamento de História do Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006. 
SUPLEMENTO DOMINICAL DO JORNAL DO BRASIL. In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, de 1956 a 1961. DVD