Subúrbios cariocas
Por Cunha e Silva Filho Em: 13/04/2010, às 14H57
Cunha e Silva Filho
Há uma diferença enorme, em vários sentidos, entre o subúrbio e a zona sul carioca. Já morei nos dois ambientes, inclusive no centro do Rio, mais no subúrbio do que na zona sul, porque nesta última foi por pouquíssimo espaço de tempo. Hoje moro na zona norte, de que faz parte o meu bairro, a Tijuca, antigo bairro, em certas ruas, ainda com resquícios dos velhos tempos aristocráticos do Império.Gosto do meu atual bairro, mas, de quando em vez, me bate uma saudade do subúrbio, tão forte foi a impressão que me deixou em anos de residência lá. Meus filhos nele se criaram e cresceram. Nele trabalhei por longos anos em escolas públicas, extrapolando até os limites da cidade do Rio de Janeiro quando trabalhei também em Caxias por mais de uma década.
Falei, leitor, da saudade que daqueles tempos suburbanos sinto. Passando, por exemplo, de carro com amigos por algumas ruas que se situam em ambas as margens da Estrada de Ferro Central do Brasil, ou das ruas que ladeiam a Estrada de Ferro Leopoldina - estou usando as velhas denominações dessas vias férreas -, especialmente quando passo, nos bairros de Engenho de Dentro, Engenho Novo, Méier( bairro onde viveu a vida todo o mordacíssimo e famoso crítico Agripino Grieco (1888-1973),Todos os Santos, Encantado (bairros da antiga Central do Brasil) logo me vem à mente a figura do escritor Lima Barreto (1881-1922), na sua época o melhor intérprete, na fase do chamado Pré-Modernismo brasileiro, da vida suburbana carioca. Na fase do Modernismo, teríamos Marques Rebelo (1907-1973) como interprete privilegiado da vida suburbana carioca, assim como, na fase inicial dos nosso primeiros ficcionistas de ambiência carioca, tivemos Manuel Antônio de Almeida.(1831-1861)
Olhando para aquelas casas velhas, algumas centenárias, algumas com datas na fachada, cada qual com diferentes formas de construção e de arquitetura, fico imaginando o tempo que passou, as pessoas que naquelas vetustas moradias viveram, cada uma com seus problemas, com as suas aflições e suas – por que não? - pequenas ou grandes alegrias. Fixo meu olhar num palacete, à altura de Engenho Novo. Quem lá viveu, quem lá vive agora? O palacete fica localizado numa parte alta de terreno. É belo, imponente, branco, impõe respeito, tem um pórtico, jardim, Tenho vontade de vê-lo por dentro. Me basta, contudo, só olhá-lo de fora. Por que mexer com a sua história, os seus muitos moradores ao longo de décadas.
Fiquemos com a nossa imaginação, com as nossas fantasias de vê-lo sob mil faces e máscaras. Inclusive, porque seria mal interpretado caso batesse à porta dele e tentasse arrancar algumas informações sobre ele e seus passados residentes. Além do mais, nem mesmo sei se está habitado. Há tantos anos o vejo naquele mesmo lugar, naquela mesma aparência, naquele mesmo estado. Chega a ser um ponto de referência para mim.
Mas, vontade me dá às vezes de chegar até uma rua do subúrbio, pode ser em Madureira, Bento Ribeiro, Deodoro, Oswaldo Cruz, Cascadura, Vila da Penha (onde morei por muito tempo, conforme já disse), Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Irajá, ou embrenhar-me pelas ruas velhas da Leopoldina e descer de ônibus pelos bairros Bonsucesso, Olaria, Penha Circular, Penha (onde, lá no alto do penhasco há a linda Igreja da Penha. Sim descer como um ser anônimo, andando só por andar e vendo cada detalhe das ruas e do casario velho.
O subúrbio é um tanto esquecido das autoridades, pois ele não faz parte do circuito do turismo carioca. Basta dizer que cariocas há da zona sul que nunca foram ao subúrbio e pouco ligam para o que seja essa parte ponderável da cidade do Rio de Janeiro, onde a vida ainda se mostra mais simples, mais à vontade, onde há hábitos diferentes de viver a vida. Não quero omitir que, no subúrbio, haja também boas casas, apartamentos refinados, bons prédios. Até nele podemos encontrar uma classe média mais exigente, que se veste bem e tem vida confortável. Mas, no grosso, o subúrbio continua o mesmo. No tempo de Lima Barreto, que era suburbano de Todos os Santos, era definido por ele como o “refúgio dos fracassados”, citação que, há muitos anos já fiz numa crônica sobre o mesmo tema. Claro que Lima hoje se surpreenderia com as mudanças inúmeras ocorridas nessa parte da vida carioca, segundo já ressaltei na mencionada crônica.
Qualquer dia desse, pego um ônibus e paro num desses bairros que tanto me ensinam da vida carioca, dos seus habitantes, dos tipos populares, dos seus vagabundos, dos seus mendigos, dos seus bêbados, dos seus loucos, da sua pobreza, de velhas caras que conheci ainda jovens. Não se quer afirmar que todos ali se conheçam. Não, não é assim tanto. Vivemos por vezes anos e anos e não conhecemos muita gente que mora não tão afastada de nós.
Uma verdade seja dita, o subúrbio nada tem a ver com a zona sul carioca, com sua sofisticação, suas garotas de Ipanema, seus bares requintados, seus apartamentos de luxo, seus hotéis de cinco ou mais estrelas, seu sotaque mais chiado, suas praias, suas butiques finas, seus cinemas, teatros, suas livrarias burguesas, seu lado high society, seus intelectuais highbrow, alguns mais que burgueses, suas bancas de jornais exibindo jornais e revistas em outras línguas,suas população mais bem cuidada, sua segurança maior. A realidade é outra ali e há outra diferença: seus habitantes são mais distantes entre si.. A vida é mais trepidante, há mais solidão talvez. Há menos calor humano talvez. Por isso, no subúrbio posso confessar - me sinto mais livre, mais solto. Por isso também me dá essa vontade inexprimível de, a qualquer hora, dia, não sei, descer pelas ruas de um bairro do subúrbio carioca e encontrar nas suas ruas esquecidas e tristes uma pouco da eternidade do passado.