Storytelling e eleição
Em: 02/11/2014, às 09H17
Storytelling, em inglês, corresponde, ainda que imperfeitamente, a “literatura de ficção”. Storytelling, na concepção contemporânea que segue fundamentalmente Joseph Campbell, em “O Herói de Mil Faces”, é contar uma estória que tenha um herói, ou uma heroína, que enfrenta opositores e ameaças, até a realização do que procurava e era a razão da sua luta.
Em algumas narrativas de ficção, parece não haver imediatamente a estrutura de storytelling. O uso de flashbacks e a prática de se narrar a partir da intervenção de mais de um narrador, por exemplo, dão a impressão de não se ter o modelo mitológico de Campbell. Todavia, a estrutura da jornada do herói está lá; todo ser humano, desde as cavernas, gosta, entende e se mobiliza emocionalmente por ela.
Sob a ótica de storytelling, podem-se estudar as três campanhas para a presidência de 2014, no Brasil. Digo campanhas, no plural, porque houve três narrativas concorrentes: a da Dilma, a da Marina e a do Aécio. Cada uma com uma estória posta em disputa com as demais, dentro do estilo das novelas da Globo, em que o roteiro muda, moldado pelo gosto da audiência a ser cativada e pelo que ocorre nos canais competidores. As três estórias, em contraste com o turbilhão de idas e vindas dramáticas que é feito na TV, eram roteiros simplíssimos, em que o protagonismo de uma só pessoa é evidente do início ao fim.
Tratava-se de três contações que tinham por base os mesmos fatos e personagens disponíveis no passado político-histórico do Brasil. De diferente, havia os protagonismos da Dilma, ou da Marina, ou do Aécio. Cada qual a heroína ou o herói da sua estória, com os seus antagonistas vis e enganadores (os dois outros), os seus mentores e seus vilões eventuais. O que variava eram as versões dos fatos, a escolha da relação causal entre atos do protagonista e resultados, os cortes de edição; tudo para cativar o coração do “leitor” e eleitor. O desejado era que nos tornássemos capturados ou cooptados por dada jornada heroica, vestidos na pele da atriz (ou ator) protagonista, até o final feliz. O nosso ato de “confirmar” o voto, na urna, nos daria o pódio, onde estaríamos junto ao protagonista e dentro da estória que escolhêssemos, no delírio da contação ouvida, vista e sentida no nosso corpo e na nossa alma.
Em suma: o sucesso em política e, especialmente, nos processos eleitorais para cargos executivos, no Brasil e no mundo, está na qualidade comparativa da contação de uma estória. Vence a estória e não o(a) candidato(a). A democracia pauta-se pela literatura de ficção.