Por  Cunha e Silva Filho

As instituições democráticas no país continuam lindas, mas a sua infraestrutura está, em alguns setores, arruinada. Chega mesmo a ser um “caso de polícia”.

Os hospitais públicos, que são criados para atender ao cidadão brasileiro, com raras exceções, estão sucateados no seu funcionamento, na sua serventia, no socorro às pessoas que por eles procuram para aliviar suas mazelas físicas. Prontos-socorros, os serviços básicos e os de maior ou mais elevada complexidade não contam com uma equipe exigida pela demanda de novos pacientes. Não há médicos suficientes para determinadas especialidades. O resultado disso tudo é o caos instalado e o colapso dos serviços que deveriam ser prestadas à população.Em suma, a saúde pública nacional, nos seus fundamentos, está gravemente enferma, tal como os pacientes que a ela recorrem em desespero e agonia. A situação se mostra gravíssima e quase incontornável mesmo. 

Quem tem mais idade compreende o quanto o nosso país retrocedeu no campo da saúde pública nos últimos vinte anos aproximadamente.Na constatação disso tudo, nem é necessário buscarmos complicados quadros estatísticos. A realidade cotidiana está aí às escâncaras para quem quer ver com os olhos nos fatos veiculados pela mídia e na conversa entre as pessoas. 

Quem tem mais experiência de todas as mazelas e percalços por que tem passado esta nação sabe muito bem que os velhos tempos do antigo INPS, hoje chamado INAMPS, eram, com todas as restrições que se lhe possam fazer, melhores e o atendimento aos doentes era de superior qualidade. 

Com a era Collor e os ventos infaustos do neoliberalismo implantado no país, os órgãos de saúde pública foram  praticamente destruídos pela insânia de governos que mantiveram os mesmos objetivos de em parte desestatizarem a nossa saúde pública e outros setores importantes da máquina estatal. 

Com isso, abriu-se um Colosso de Rodes que foi entregue de bandeja às garras afiadíssimas de um sistema de medicina privada, beneficiário privilegiado dessa portentosa mina de dinheiro, na qual se transformou a medicina privada brasileira. Conservou-se, em segmentos mínimos, o sistema antigo e público, que passou a dar assistência médica de forma cada vez mais precária às camadas menos favorecidas da população. Era uma estratégia de controle que servia de anteparo às demandas de massas amorfas de gente sem eira nem beira, mas que, sem alguma proteção do governo, poderia explodir caso não se lhe desse o mínimo de atendimento médico-hospitalar. Valiam como migalhas em forma de saúde pública exigida por lei dos governos federal, estaduais e municipais que, na verdade, são responsáveis por inúmeros óbitos de cidadãos que não dispõem da mínima possibilidade de arcar com o tratamento da medicina privada. 

Criou-se um fosso profundo entre a chamada medicina dos pobres ou miseráveis provida pelo setor público e a medicina dos endinheirados e da classe média que mal se equilibra para fazer frente às altas mensalidades dos planos de saúde. Planos de saúde sempre mais exigentes nas suas restrições de gastos e de seleção de clientes que lhes sejam clinicamente “viáveis” e não lhes causem prejuízo. Daí, chegarem ao ponto de não aceitarem ou de impor dificuldades a pacientes em idade avançada, como se estes fossem descartáveis aos lucros cada vez mais ambiciosos dessa medicina mercantilista.

A medicina brasileira privada é hoje um setor dividido em classes sociais, que vão da baixa classe média até à classe dos milionários desse país de miseráveis de analfabetos absolutos e  analfabetos funcionais. 

Um dirigente de uma entidade representativa da classe médica há poucos dias em entrevista salientou que, no país, não faltam recursos financeiros públicos para oferecerem uma medicina mais humana e de melhor qualidade ao nosso povo.O que falta é a chamada vontade política para equacionar e redimensionar toda a estrutura da medicina pública, como fazem países sérios e comprometidos com o bem -estar da sociedade, como a Espanha,a França,  a Holanda, entre outros. 

O nó górdio da saúde pública brasileira foi o desmantelamento de nossos serviços médicos  a fim  de tão-só atender a uma das reivindicações do empresariado, para o qual quanto mais se deteriorasse a assistência médica pública, tanto mais ele se enriqueceria, pois o “mercado” que se lhe abriu escancaradamente pela avalanche neoliberal era a galinha de ouro dessa gente que se aproveita da medicina de natureza “dinheirista”, para usarmos uma expressão irônica de um médico paranaense, a fim de definir esse comportamento empresarial cujo objetivo maior é a lucratividade no ramo da medicina privada em alta escala e oriunda, segundo já frisei linhas atrás, da guinada da medicina estatal para a medicina privada. 

Nestas circunstâncias, saiu perdendo o povo, a sociedade representada pelas suas camadas menos favorecidas, sempre aflitas diante do descaso crescente de oferta de atendimento à  população enferma e maltratada nos poucos segmentos da medicina pública que está cada vez mais se esfacelando. 
 

Não será com o retorno da CPMF que a saúde pública nacional vai dar sinais de revigoramento. Essa estratégia já provou suficientemente que não deu certo, além de ter sido uma forma de penalizar o povo com um tipo de imposto cuja destinação nunca pareceu ser transparente. 

Enquanto as autoridades do país têm a seu favor os melhores hospitais do país,  médicos experientes e preparados, a população carente e mesmo da classe média baixa, doente, bate às portas de hospitais públicos aos quais faltam médicos de todas as especialidades, enfermeiros e aparelhamento de ponta só ao alcance dos endinheirados. Isso é uma infâmia! 

Não é possível que esse país seja essa decantada democracia de congressistas que, em geral, se tornam políticos profissionais somente para auferirem cada vez mais de salários faraônicos, quando muitos deles, por si sós, já são gente do mundo das altas finanças... 

Os gritos, as lamentações, as agressões verbais de brasileiros pobres que não encontram a proteção do Estado brasileiro para tratamento de suas moléstias, mesmo nos serviços básicos de emergência, são reclamações justas, de fato e de direito, de cidadãos e cidadãs que merecem ser bem atendidos pelos hospitais e postos de saúde, com médicos que usem o seu saber e sua competência aliados a uma visão de uma práxis médica humana e de elevado valor social. Policiais que estejam a serviço dos hospitais públicos não podem ser carrascos de doentes e de acompanhantes de doentes, parentes ou amigos. Ao contrário, seguranças devem é proteger os doentes ainda que estes estejam tensos e indignados com o atendimento hospitalar. 

Urge, portanto, que o Estado brasileiro retome as responsabilidades. de suas funções públicas e detenha o gigantismo em que se transformou a medicina privada em nosso país em detrimento da saúde pública. Esta se torna, desse modo, uma questão de vida ou morte. Que a vida prevaleça!