SOS Amarante

(*) Dagoberto Carvalho Jr.

Falar de Amarante é reviver bons momentos de minha vida e seu próprio início como “patrimoniólogo” – diz-se assim em Portugal dos que se dedicam, profissionalmente, ao estudo e defesa do patrimônio histórico e/ou artístico -, quando contratado pela CLAP (Companhia Latino-americana de Planejamento), em 1976, trabalhei ao lado do mestre Odilon Nunes (amarantino dos maiores), como pesquisador, no primeiro e mais completo projeto de restauração de monumentos que o Piauí já vira: o “Programa de Cidades Históricas e Colônias do Nordeste”, dos Ministérios da Educação e do Planejamento. O programa incluiu as cidades de Oeiras, Parnaíba, Piracuruca, Amarante e as portas da igreja teresinense de São Benedito. Odilon trabalhou em sua segunda casa, o Arquivo Público Estadual – Casa Anísio Brito. Fiz as pesquisas de campo que me ensejaram o contato pessoal direto com os guardiães da memória das cidades, com os velhos livros das igrejas e dos cartórios, com a geografia urbana a registrar e restaurar. Com o povo e com a terra, deixando aflorar atávicas afinidades de que sempre desconfiei a ponto de fazer delas, já teluricamente, minhas outras “cidades (saramaguianas) da memória”.


Não sei onde andam, hoje, as notas de viagem que sobraram dos textos que escrevi para a CLAP e que o IPHAN há de ter, muito bem guardadas. Algumas, decerto, na Revista Presença, outras, na do Instituto Histórico de Oeiras, outras na Revista da Academia Piauiense de Letras que já me “hospedava” ao tempo de Tito Filho. Todas, na lembrança do médico-históriador andante.


De Amarante, poeticamente emoldurada pelo soneto do parnasiano-simbolista Antonio Francisco da Costa e Silva, não ficou apenas a impressão de que sua “terra é um céu, se há um céu sobre a terra”, mas a certeza de que a harmonia arquitetônica da Avenida Desembargador Amaral – magistralmente concebida entre a colina e o rio – e o bucolismo da Vila Nova, com sua matriz de pouca história, devem ter sido, para a geração do poeta, a antevisão do paraíso que só ele soube cantar.

Cheguei depois, muito depois, mas a tempo de conhecer e aprender tudo (quase tudo) da terra com D. Nasi Castro. Grande professora que, só então, soube familiar (tia) e madrinha de minha “quase” madrinha Clara Neiva, mulher e cúmplice literária do confrade e amigo / irmão M. Paulo Nunes. Elas, do Amarante de São Gonçalo; ele, da vizinha São Gonçalo da Regeneração. Santo e topônimos portugueses, no Médio Parnaíba, deixados pela devoção do governador oeirano-setecentista Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. Haja afinidades nesta “volta (euclidiana, de Euclides da Cunha, mesmo) do passado” que, o que pretende de fato, é chamar a atenção dos piauienses – povo e governo – para a importância da preservação e defesa do patrimônio cultural amarantino; apelando para o manto protetor do “Projeto Monumenta”, criado pelo Governo Federal para salvar cidades ou monumentos e ambiências da importância paisagística de Amarante.


Terá sido a Desembargador Amaral - no que pese ser oitocentista a definição da malha urbana da cidade e, desse tempo, sua boa arquitetura, marcada pelas famosas plantas em “U” das residências conjugadas às lojas de família, ou em “L”, a estas reservadas as esquinas de muitas portas – a melhor avenida do Piauí provincial. Até azulejos de Liverpool vieram para as fachadas de suas casas nobres, quando capital da região e terceiro maior porto fluvial do Estado; honrosa condição em que chegou à República e ao século XX.


A memória escrita e construída da terra de Dona Nasi pode e deve ser respeitada.

(*)Dagoberto Carvalho Jr . é membro da Academia Piauiense de Letras