Elmar Carvalho

 
Ao que tudo indica, o homem parece ser o único animal que sente prazer em matar outro ser vivo. Tanto isso é verdade, que uma caçada é considerada diversão ou esporte. Mesmo na civilizada Inglaterra existe a tradicional caça às raposas, em que pessoas que se dizem nobres e fidalgas se comprazem em abater esses animais. Ainda na orgulhosa Europa, mais precisamente na Espanha, são praticadas as touradas, de grande apelo popular; esse chamado esporte ou mesmo arte, na prática, não passa de maus tratos e morte aos touros, a servir de diversão e meio de vida a muitos.
 
Dizem que nos rodeios nacionais, embora não haja abate do touro, também torturam o animal, pois é usado um artefato que faz o bicho saltar loucamente, até conseguir derrubar o peão que o monta. Portanto, o homem é um animal desumano que se diverte em matar ou fazer sofrer um outro animal, ou pelo menos se compraz em assistir a esses espetáculos rudes e grotescos. Não o chamo de animalesco, para não diminuir os outros animais, que, quando matam outro bicho, o fazem apenas em quantidade suficiente para saciar sua fome. Quase fico feliz quando a caça se volta contra o caçador, quando o touro consegue aplicar uma chifrada no toureador, quase diria torturador.
 
Julgo de bom alvitre transcrever o que já disse sobre esse tema, em meu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras: “O homem, que cria animais para abatê-los, poderia ao menos evitar torturá-los, ou, ao menos, maltratá-los o mínimo possível. Recordo-me de que certa vez, perto de um mercado, vi um magarefe divertindo-se a dar machadadas na cabeça de um tenro e cândido cordeiro. Ria ao vê-lo estremecer com os golpes. Gostaria que esse carneiro, símbolo da mansidão, que sequer berrou ou esperneou, a exemplo da jumenta de Balaão, tivesse perguntado àquele homem bruto sobre por que o torturava. Ainda hoje me arrependo de não ter interpelado aquele homem rude e ignaro, embora correndo o risco de ele voltar contra mim o seu machado cruel.”
 
Algumas pessoas, que afirmam gostar de pássaros e de seu belo e alegre canto, criam aves em gaiola. Isso é uma grande tortura, pois, pelo simples fato de ter asas, um passarinho foi criado para voar, e portanto, vale dizer, para a liberdade. Tortura maior fazem com o assum-preto: furam-lhe os olhos, para ele assim cantar melhor, como diz a bela e melancólica melodia de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Não tem a prisão da gaiola, mas fica numa prisão ainda mais hedionda, que é a cegueira, que lhe impede de voar, de escalar os espaços azuis do céu e verde da mata.
 
Cego, sem poder fazer outras coisas, o pássaro negro dana-se a cantar, e canta mais e melhor. Mas o seu canto é de dor, é de desespero e horror, e não de alegria, como o das outras aves, que têm por limite a amplidão celeste. Por isso mesmo, o rei do baião disse que para essa ave seria mil vezes melhor a sina de uma gaiola, desde que o céu ela pudesse olhar. Será se quem faz uma perversidade dessa com uma pobre ave canora, que nenhum mal lhe fez, nem poderia fazer, não tem algo de sadismo, de loucura ou de psicopatia? Eis aí um enigma que não desejo desvendar.