[Raimundo Carrero]

Flaubert e Maupassant tiveram uma vida não só de amigos, mas sobretudo de estudiosos. E testemunharam a grandeza um do outro, acompanhando o amadurecimento intelectual e a técnica. Num pequeno ensaio – seria mesmo um ensaio? – que escreveu sobre essa amizade, Maupassant coloca em questão o grave problema do estilo, que todos nós lemos como algo uniforme.  Harmonioso e preciso para todas as situações. Não é bem assim. 


      Maupassant escreve em “Gustave Flaubert”, tradução de Betty Joyce, Campinas, SP, Pontes, 1990: “Com efeito, chama-se geralmente estilo uma forma particular de frase própria a cada escritor, tal qual um molde uniforme em que ele molda todas as coisas que quer exprimir.  Deste modo há o estilo de Pedro, o estilo de Paulo e o estilo de Jacques”. 


     E completa com algo ainda hoje revolucionário: “Flaubert não tem seu estilo, mas tem o estilo, ou melhor, as expressões e a composição que ele emprega para formular um pensamento qualquer, são sempre aquelas que convêm absolutamente a esse pensamento, uma vez que seu temperamento se manifesta pela precisão e não pela singularidade da palavra”. No entanto, sempre se confundiu a precisão com a singularidade. A precisão, de que trata aqui Maupassant, não é a palavra justa de uma frase ou de um verso; é, na verdade, a palavra justa da situação através do personagem. Portanto, o estilo é do personagem ou da situação, e não da mão de ferro do escritor, do autor que, aliás, deve desaparecer para dar vida ao personagem.


     “Portanto – acrescenta Maupassant – Flaubert é  antes de tudo um artista, isto é, um autor impessoal”. Ou seja, não tem o mesmo texto nos seus livros. Flaubert de “Madame Bovary” não é o mesmo Flaubert de “Educação sentimental”, o Flaubert de “Educação sentimental” não é o mesmo Flaubert de “A tentação de Santo Antônio”. Os seus personagens assumem um caráter próprio não só como personagens, mas como, por assim dizer, autores do próprio estilo – embora a expressão pareça incorreta. Seja como for, a diferença é profunda. Charles de “Madame Bovary”, não é o mesmo, através do estilo, Frédéric, de “Educação sentimental”. No primeiro, o estilo parece atrapalhado e confuso, com um narrador falando em “nós”, no segundo há uma pontuação por assim dizer clássica, em virtude do próprio comportamento romântico e linear de Frédéric. Ambos se distanciam na forma e no conteúdo.


     Não é sem razão que Maupassant diz: “Flaubert é o escritor da arte difícil, simples e complicada”. Isso mesmo: simples com sofisticação. Ou mais exatamente: simplicidade com sofisticação.  Pode ser lido, facilmente, por um amante de Madame Bovary, e será profundamente admirado pelo leitor mais inteligente e mais intelectual. Ema estará sempre na memória dos leitores esperançosos de um gesto de amor, e será a mesma, excitante e extravagante, nos braços de um frio intelectual de gabinete. 
 

      Pelo estilo e pelo fazer. É claro.