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[Carlos Castelo]

Minhas companhias de cabeceira do momento são três livros de crônicas. Dois da ótima coleção Melhores Crônicas, da Global. A saber, Artur Azevedo e Álvaro Moreyra. O terceiro é 132 Crônicas: Cascos & Carícias e Outros Escritos, de Hilda Hilst.

São escritores bastante díspares. Mas gosto de fazer esse mélange, justamente para perceber melhor os tons e maneiras de cada um. Azevedo, por exemplo, é um misto de testemunha do Rio de Janeiro do fim de século XIX e crítico teatral. Junto com Machado de Assis que, como ele, teve grande presença na imprensa, criou quase um documento de época através de seus escritos.

Moreyra, muitos anos adiante, foi um influenciador. E de gente como Mário Quintana – que mostrou o que aprendeu com o mestre em seu Caderno H – e de Sérgio Porto. Sim, Stanislaw Ponte Preta, o pai de Tia Zulmira e tantas outras personagens, bebeu igualmente dessa água. O lirismo de Moreyra, seu fino humor, por vezes escrito em quase pílulas, é atualíssimo. Seu feitio de linguagem não poderia deixar de motivar muitos escribas.

Já Hilst traz sua produção entre 1992 e 1995 nesse livro que é um misto de comentário do cotidiano, reflexões sobre a situação política do Brasil (caótica, mais uma vez), e a costumeira iconoclastia, sempre perpassando por toda a obra da poeta.

A mistura de tais ingredientes acabou me levando à uma síntese. Percebendo os modos de operar tão distintos nos três cronistas, em momentos tão dessemelhantes, a primeira sensação foi a de que nosso país, de fato, é o celeiro do gênero. Portugal conta com um António Manuel Pina, já citado aqui. A Argentina tem no livro Águas Fortes Portenhas, de Roberto Arlt, um monumento à crônica.  A Espanha possui lá o seu Julio Camba. Todavia, não há nação em que a crônica seja tão cultivável como entre nós. Se fruta fosse, seria a jabuticaba, geradora de maravilhosos prazeres e subprodutos.

Logo me veio o segundo momento da epifania: por que, no respeitável prêmio Oceanos 2022, dos 65 livros semifinalistas, só tivemos cinco de crônicas? Não seria hora de colocar a categoria em seu devido lugar?

Como não sou candidato a presidente da república, tenho uma proposta. Que alguma editora, fundação, centro cultural, feira do livro etc., crie uma premiação exclusivamente para crônicas. Que convoque os melhores nomes entre os que a produzem e/ou a critiquem e constitua um júri representativo.

Importante é que também se incentive os vencedores, além de publicando seus materiais, os recompensando em espécie. Nada de concursos que dão diplomas, medalhinhas e posts com fotos dos vitoriosos no Instagram. É preciso acabar com a ideia de que artista e capital não andam juntos. Aliás, um sem o outro nem sequer andam, quanto mais redigem. Assim teríamos, além de um certame condizente com nossa vocação folhetinesca, um laurel que poderia nos revelar novos Azevedos, Moreyras e Hilsts.

A iniciativa ainda seria, sem dúvida, um primeiro impulso para a Cultura nacional sair do poço onde foi mergulhada.

(Publicado no Estadão)