Cunha e Silva Filho

 


                         Não concebo consistência alguma entre enviados da ONU e de seu Conselho de Segurança para mediarem os angustiantes conflitos entre o ( des)governo sírio e os indevidamente denominados rebeldes. De rebeldes nada têm de um prisma de reivindicações justas e motivos de enfrentar o ditador Bashar al-Assad. 
                        Esses grupos que formam a oposição contra o governo ilegítimo e opressor não podem ser rotulados simplesmente de rebeldes, porquanto, no mínimo, o que podem representar é a indignação, o choro dos ofendidos e o luto da sociedade civil que, infelizmente, dividida está contra os crimes do ditador. Rebeldes, se assim fossem entendidos pelos observadores sérios e isentos, teriam uma conotação de grupos guerrilheiros, de terroristas, de desordeiros da pátria que se pusessem em armas frente a um governo legítimo e aprovado pela maioria do povo, não aquele que ali está, imposto pela força de sucessões ilícitas, com votos fraudados e partido regulado pelo arbítrio  de tiranos fantasiados de governante. Ao chamar a oposição de terroristas que aspiram às liberdades democráticas e de condições dignas de vida para sua população, o ditador de plantão está se utilizando das mesmas estratégias do sanguinário e psicopata, Nero,conhecido pela sua crueldade e loucura, que cometeu duas abomináveis crimes: o primeiro matar a própria mãe; o segundo, igualmente horripilante, foi mandar incendiar Roma e pôr a culpa nos desprotegidos e perseguidos cristãos.
                    Não devemos subestimar o Conselho de Segurança da ONU que, bem ou mal, tem se portado segundo os seus rituais diplomáticos em defesa de nações em conflitos diversos, i.e., procurando, pelo caminho da negociação, uma saída para os crimes inomináveis cometidos pelo governo sírios, não somente no caso da Síria mas de outros países pelo mundo afora.
                    Acertada foi a ida de Kofi Annan à Síria, corretos foram os outros concursos de delegações como observadores do desenrolar do conflito sírio no sentido de dirimir as desavenças entre a oposição e a ditadura através de uma solução que não descambe para uma guerra civil. Entretanto, se observadores e líderes de negociação por várias vezes têm procurado alguma via de resolver grande parte da questão síria , não podemos nem mesmo afirmar que o país praticamente não se encontre em situação concreta de guerra civil. As vítimas fatais já achegaram a cifras altíssimas O trágico é que as matanças não são apenas entre homens armados contra soldados armados até os dentes, de vez que o exército sírio é uma instituição organizada, bem equipada e treinada, mas crimes ignóbeis contra inocentes, crianças, velhos atacados nas próprias residências. Ou seja, são crimes de natureza genocida. 
                  Cidades importantes estão sendo destruídas, suas construções nas suas diversidades de funções e serviços, estão sendo bombardeadas. Como pode haver vida normal, em cidades que devem ter a sua rotina continuada no trabalho, em casa, na rua, nos edifícios, no lazer?
                 Um novo enviado desta a vez à Síria é um brasileiro, Paulo Sérgio Pinheiro, que se incumbirá de investigar o massacre de Houla. Ele antecipou alguns pontos de vista que, a meu ver, pouco trarão de soluções imediatas. Noto que, na entrevista que ele concedeu ao Globo (02/06/2012) como presidente da mencionada comissão de investigação, suas palavras me soaram algo realistas e sem objetividade prática exigida pela urgência da delicada questão síria. Até pressenti nele um tom algo indulgente, pouco animado quanto às metas visadas na sua missão.

                 Ao declarar que “solução militar” não serve para terminar o conflito, descartou logo essa possibilidade de intervenção que, segundo ele, iria mais acirrar os ânimos belicistas de parte a parte. Para ele, evitar a morte de duzentas mil pessoas, caso o país partisse para a guerra civil, seria muito melhor do que a quantidade de mortos até agora, ou seja, em torno de dez mil . Não vejo assim. A morte de uma pessoa é tão perniciosa  quanto  a de muitas. E mais, de grão em grão a galinha enche o papo. Se o conflito em tom menor se prolonga muito, num certo tempo milhares de vítimas já serão ceifadas. Mas, meu Deus, se tantas tentativas de entendimento com as lideranças do governo já foram feitas, se acordos de cessar-fogo foram interrompidos e desrespeitados pelo governo que, assim , perdeu credibilidade, o que o representante brasileiro espera? Que a pax caia das nuvens? Que os beligerantes acabem por se entenderem e se darem as mãos ?
              Se a diplomacia da ONU, suponhamos, não lograr pôr fim ao confronto armado em que a inferioridade bélica da oposição é gritante e extremamente vulnerável, seria lícito deixarmos os revoltados, os adversários do ditador jogados às feras de Nero, com toda uma população amordaçada pelas ações fratricidas de Bashar al-Assad que demonstra estar acima das leis internacionais e dos limites e convenções que povos em guerra devem respeitar? O atual nível de carnificina choca o mundo civilizado e amante da democracia e dos povos não submissos a tiranias. Só a China, Cuba, Rússia, Coreia do Norte, o Afeganistão, o Irã, por motivos obviamente geopolíticos e econômicos, não parecem ter o sentimento humanitário em face da barbárie.
              Se o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro só – quero crer – vê alguma solução por meios de negociação, então, estará chovendo no molhado, porquanto o ditador indica firmeza de não determinar um imediato cessar-fogo. Para o representante brasileiro “o exercito da Síria não é como o da Líbia...” Ora, se minimizou o exército da Líbia, isto equivale a uma ironia. Se assim o é, mais razões temos para jogarmos pesado com um país com mais poder de fogo sobre a sua a sociedade e, portanto, digno de ser barrado pelas forças internacionais. A união destas fará frente às prepotências de um tirano fora da lei. 
             Os EUA, não obstante tenham sido responsáveis por outras graves ilegalidades internacionais, hajam  vista na Guerra do Golfo, no Iraque e na Líbia, para citar alguns exemplos, ainda dispõem de liderança e grande poder dissuasório militar, junto com os países-membros da ONU e da OTAN,  e , por conseguinte, estão em condições de depor Bashar al-Assad. Hillary Clinton, Secretária de Estado dos Estados Unidos, já deu há pouco seu recado:  “O ditador deve deixar o governo.” Eu acrescentaria, não basta deixar, porém ser responsabilizado por todas as mazelas que fez a Síria sofrer nos  últimos quinze meses.  Para esse ditador  não pode haver a mínima ideia de perdão ou anistia. Entre parênteses: a tevê agora mesmo comentou que até os observadores foram alvos hoje e o Secretário Geral das Nações Unidas, o sul-coreano Ban Ki-moon, afirma a ilegitimidade do governo sírio. Protelações são inócuas diante da indiferença dos tiranos. Ele não está livre das sanções do Tribunal Penal Internacional. Motivos para julgamentos ele os tem e muitos.