Silvino Santos, pioneiro do cine-documentário no Amazonas

Por Flávio Araújo Lima Bittencourt - técnico do IPHAN

Em 1969 realizou-se o I Festival Norte do Cinema Brasileiro. Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, foi considerado o melhor filme. Na sessão de encerramento, um senhor de 82 anos, desconhecido pelos artistas que estavam em Manaus, subiu ao palco do cinema Odeon para receber um trófeu.

Silvino Santos, o pioneiro do cine-documentário no Amazonas, estava sendo homenageado. Depois de longos anos de esquecimento, finalmente o grande fotógrafo e genial pioneiro do cinema passava a ser conhecido pelo jovem público brasileiro.

Silvino Simões Santos Silva nasceu em Sernache de Bomjardim, pequena cidade portuguesa. Filho de Antônio Simões Santos Silva, um professor de música e de Vírginia Silva, Silvino Santos, ainda muito jovem, partiu para tentar a vida na lendária Amazônia. Chegando a Belém do Pará foi trabalhar no comércio. Aprendeu a fotografar nesta época e, já demonstrando enorme talento, foi descoberto por um dos mais poderosos seringalistas da Amazônia Peruana, o Sr. Júlio Cezar Araña.

Araña era responsável pela Peruvian Amazon Co. e queria sensibilizar os acionistas ingleses, que estavam indignados pelas acusações de Hardenburg, um missionário americano. Hardenburg afirmava que, no rio Putumayo, Aranã escravizava e assassinava indígenas. Este foi defender-se no Tribunal dos Comuns em Londres e percebeu que havia uma novidade sensacional que poderia servir como veículo de propaganda. Era o cinematógrafo.

Araña financiou a viagem de Silvino a Paris. As usinas dos irmãos Pathé e os laboratórios dos Lumière eram diariamente freqüentados pelo rapaz que precisava de películas resistentes ao calor tropical.

Retornando ao rio Putumayo, onde se havia estabelecido, Silvino rodou o filme que mostrava os seringais de Araña (1912).

Em 1913, casou-se com Anna Maria Schermuly, descendente de alemães, que estava sendo tutelada por Araña.

Em 1914, o filme rodado no Peru ia ser copiado nos Estados Unidos, mas submergiu, pois o navio onde se encontravam os negativos foi colocado a pique na I Guerra Mundial.

Silvino Santos se estabeleceu em Manaus e seu segundo filme também se perdeu. Em 1918, o comerciante Manoel Gonçalves resolveu fundar a Amazônia Cine Film e foi realizada a película documental Amazonas, o Maior Rio do Mundo. O empresário Avelino Cardoso participava do empreendimento. O noivo de sua filha, Propércio Saraiva, a título de copiar o filme em Londres, desapareceu com os originais deixando o cineasta em difícil situacão financeira. A firma se dissolveu e o material cinematográfico foi arrematado pelo Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo. Silvino iria conhecer o sucesso.

Em 1921 filmou No Paiz das Amazonas, filme de rara beleza fotográfica, exibido no Cinema Pathé do Boulevard des Italiens, em Paris, e nos principais centros da Europa. O lançamento comercial no Rio de Janeiro, se deu em 02 de abril de 1923 no cinema Palais.

O Jornal O Paiz comentou: “Chama-se No Paiz das Amazonas e é uma estupenda licão de coisas. Paisagens, maravilhas phisicas, riquezas naturaes, progressos economicos, typos, costumes, cidades, tudo se projecta nessa empolgante pellicula, que o Sr. Presidente da República teve ensejo de admirar, com todos os Ministros de Estado, no Palácio do Cattete e a que não poupou honrosos encomios”.

Esse filme foi produzido incialmente para ser exibido na Exposicão Comemorativa do Centenário da Independência. No Rio de laneiro, Silvino filmou a Exposicão, na qual seu filme fez enorme sucesso, e rodou o documentário Terra Encantada, focalizando os mais variados aspectos da Capital Federal.

Em 1924/25 realizou No Rasto do EI-Dorado, documentação cinematográfica da Expedicão Alexander Hamilton Rice, outro sucesso estrondoso.

Produziu ainda Terra Portuguesa, focalizando aspectos de Portugal, onde permaneceu de 1925 a 1927 com a família Araújo. Trabalhou até o fim de sua vida na firma do Comendador Araújo. Teve um casal de filhos, Guilherme (1914) e Lilia (1916).

Quando já não mais produzia longa-metragens, Silvino fazia “shorts” para serem exibidos na Fábrica de Cerveja e Gelo de Miranda Corrêa e Cia. Era um ambiente refinado onde a sociedade amazonense ia se admirar na tela do cinematógrafo.

Em 1970, os cineastas Roberto Kahané, Domingos Demasi Filho e Paulo Sérgio Muniz realizaram o curta-metragem Silvino Santos, o Fim de um Pioneiro.

Silvino Santos faleceu em Manaus a 14 de maio de 1970. Anna Maria faleceu em 1979.

Em novembro e dezembro de 1981, realizou-se, na Galeria de Arte Afrânio de Castro em Manaus, uma exposição fotográfica comemorativa dos 95 anos de nascimento do cineasta.

Como se vê, o cinema, arte de suporte material tecnológico, não foi introduzido no Amazonas sem a dose de poesia e criatividade característica das produções dos grandes artistas de nosso século.

FILMOGRAFIA

1912 - Filme rodado no Rio Putumayo
1918 - Amazonas, O Maior Rio do Mundo
1921 - No Paiz das Amazonas
1922 - Documentação cinematográfica da Exposição da Independência
1923 - Terra Encantada
1924 - Documentação cinematográfica da Intervenção Federal no Estado do Amazonas, no episódio do golpe de Ribeiro Júnior
1924/25 - No Rasto do El-Dorado
1925/27 - Terra Portuguesa

BIBLIOGRAFIA

ALENCAR, Miriam. Silvino Santos no Rastro das Amazonas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 ago. 1970.
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RANGEL, Carlos. Um Herói à Antiga. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, nº 50, 1969.
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SOUZA, Márcio. A Expressão Amazonense. São Paulo, Alfa-Ômega, 1977.
STEVENS, Albert W. Exploring the Valley of the Amazon in a Hidroplane. The National Geographic Magazine, nº 4, 1926