Baia de Guanabara
Baia de Guanabara

Cunha e Silva Filho

Com um dos meus filhos e a minha esposa, fui ontem ao Centro da Cidade Maravilhosa. Confesso, de início, que a antonomásia para designar o Rio de Janeiro como um todo está enfraquecida. Não por culpa da bela urbe, mas por causa de muitas razões  a maléfica e criminosa pandemia da Covid-19, o fechamento de inúmeras lojas,  livrarias, excelente sebos, empresas diversas, bancos, empobrecimento das pessoas, fome, desemprego, criminalidade,  aumento de mendigos e da vagabundagem. Em plena sexta-feira, parecia um feriado. A tristeza tomou conta de mim.

Entramos no Edifício Central, altíssimo, que conheci, pela primeira vez, aos dezoito anos. Luxuoso na época, com os elevadores potentes e novinhos e com os ascensoristas nas suas devidas funções, seguranças de terno a indicar-nos que elevadores deveríamos tomar, com tudo, enfim, em perfeita ordem. Era um prazer subir às alturas. De lá de cima, via uma cidade belíssima, sobretudo do lado da Baía da Guanabra.

Ontem, não, o que vi era uma cidade triste e relativamente deserta. Com as mudanças e deslocamentos dos ônibus e o surgimmento dos bondinhos elétricos, delícia dos turistas e habitantes cariocas, não mais me deparei com a visão passada de uma Avenida elegante, feérica, num vaivém de gente, repleta de pessoas apressadas, mormente na hora do rush e bem vestidas, dinâmicas, com sotaques diferentes, businessmen, belas livrarias, o JB ainda funcionando na Avenida, bancos estrangeiros, muitas lojas elegantes. Isso tudo não mais existe agora. Tudo envelheceu e passou a nos exibir uma vista bem modesta, envelhecida aos meus olhos tristes.

É claro que os grandes prédios históricos ainda se encontram de pé: o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal e alguns outros prédios bem velhuscos. Entretanto, sem a beleza ao longe no final da Avenida Rio Branco com aquele prédio muito vetusto Palácio Monroe, que deveria ter sido tombado, no qual, no passado, funcionava o Senado Federal, porém foi inclementemente derrubado, durante a construção do metrô. Que lastima! Isso não aconteceria em cidades adiantadas como Viena, Londres, Madrid, Roma, Lisboa, Paris, entre outras.

Um dos objetivo da minha ida ao Centro do Rio foi visitar a Igreja de Santa Luzia, marcar data de missa de ação de graça. Templo religioso antiquíssimo, com sua arquitetura ainda bem conservada, sólida, a despeito das borrascas dos tempos "idos e vividos". Gosto imenso de entrar em igrejas católicas. Gosto do silêncio desses templos, do clima trescalando uma dimensão sagrada que neles percebo ao observar, com a atenção de um flâneur benjaminiano, seus altares, suas paredes muito envelhecidas, seus púlpitos, suas decorações seculares, seus traços barrocos.

Não nos demoramos na Igreja.Saímos dela, sempre a pé, em direção a outros prédios de arquitetura mais nova, como o do Ministério da Fazenda com as suas colunas robustas à prova do tempo. Passamos por trás do também antigo Ministério do Trabalho. Fiquei pensando comigo: "Puxa! O Juscelino, criador de Brasília, gastou rios de dinheiro mudando a capital do país para Brasília," aproveitando o azo para criticar também o erro palmar dele de não haver construído estradas de ferro em vez de perigosoas rodovias enriquecedoras da indústria automobilística nacional, ao contrário de nações mais cuidadosas nesse aspecto de desenvolvimento, como os EUA e alguns países europeus. Aqueles skyscrapers luxuosíssimos do governo federal custaram os olhos da cara do povo brasileiro! Quanta suntuosidade de cada edifício luxuoso num país de famintos! Somos uma nação de políticas públicas hiperbólicas!

O passeio ao Centro me inspirou esta crônica, chamuscada de saudades do que foi melhor, a fim de se manter a chama de uma cidade, uma metrópole que, um dia, foi, na verdade, uma "Cidade Maravilhosa". Hoje, ao contrário, só deserto, medo de assaltos e ausência da velha beleza carioca.