Elmar Carvalho

Fazia horas caminhava pela estrada arenosa, que serpenteava pela floresta, a se desviar de obstáculos, como se fosse um regato à procura do percurso mais fácil. Ao vencer a última curva, deparei-me com o portão monumental do povoado. Na verdade era uma bela obra de arte, um verdadeiro portal, uma espécie de arco do triunfo. Mas não poderia imaginar de quem aquele povoado quase perdido poderia haver triunfado. Não vi guardas, nem soldados, de modo que quem entrou triunfalmente fui eu. Logo reparei que não havia ninguém na larga alameda que começava a partir do pórtico, já referido, com suas colunas esculpidas caprichosamente, com fustes e capitéis muito bem delineados e torneados, sem imperfeições e sem arestas. As grandes árvores da alameda formavam uma espécie de túnel. Eram de diferentes folhagens; algumas pareciam de pinheiros, outras de tabocas, outras pareciam finas filigranas de angico branco. Por entre elas, via pequenas casas coloridas, quase iguais, exceto na cor. Não demorou muito comecei a ver umas grandes gaiolas dependuradas nos galhos. Como não visse uma única pessoa, senti-me à vontade para me dirigir até elas, e verificar se havia algo preso entre suas grossas grades. Havia. A figura parecia saída de algum livro de mitologia; a metade era uma linda mulher de cabeleira ruiva e a outra metade parecia com o corpo de enorme pássaro, de belas plumas, semelhantes às de um pavão. Não me deu nenhuma importância, quase como se não me notasse. Parecia triste, mas de uma tristeza contida, reservada, ensimesmada, voltada para si mesma. Fui verificar as outras gaiolas. Cada criatura tinha a sua beleza própria, única, com as feições do rosto bem diferentes das demais Também as plumagens eram bem diferentes, mas todas lustrosas e muito coloridas, de variadas texturas e padronagens de desenho. Eram sereias, chamemo-las de sereias. Algumas cantavam, com uma voz muito melodiosa e bela, envolvente, atraente, que fascinavam e extasiavam. Ao escutá-las me quedava sem ação, absorto apenas naquele canto encantatório, mas triste, de uma tristeza infinita, que se infiltrava na alma, inebriando-nos a vontade e os sentimentos, anestesiando-nos a vontade. Lutei contra mim mesmo, contra a minha vontade, mas deixei aquele lugar misterioso, mágico, mas de melancolia mortal. Não vi nenhum ser humano. Talvez estivessem ocultos em suas casas; talvez tenham abandonado aquele lugar. Mas quem cuidava das sereias? Quem as alimentava? Quem fazia a higiene das gaiolas? Ou aqueles seres não precisavam de comida? Quem as capturou e prendeu naquelas gaiolas, e por que motivo? Não encontrei ninguém que me pudesse dar as respostas. Depois de muito andar, estugando os passos para fugir do encanto das sereias engaioladas, cheguei a uma pequena cidade. Ao falar do que vira e procurar informações e explicações, notei que olhares desconfiados se voltavam para mim. Olhares perscrutadores e irônicos. Certamente pensavam que eu era apenas mais um desses doidos de estradas, eternos caminhantes, que parecem não ter local de origem e nem de destino.
(*) Texto desentranhado do livro “Arte-Fatos Oníricos e Outros”, que venho publicando no blog http://poetaelmar.blogspot.com