NOTA AOS MEUS LEITORES:

O artigo abaixo fará parte do meu livro

"In defence of the world peace and other themes"

(with some texts in French)

Sentidos e finalidades das ditaduras

Cunha e Silva Filho

Para o meu pai, Cunha e Silva (1905-1990)

Sob que pretexto for, não se pode nunca justificar a implantação de um estado não democrático num país, seja aqui no Brasil ou qualquer país. Os regimes de exceção, os regimes de força, as ditaduras da esquerda, da direita, militares ou civis devem ser abominadas pelo cidadão que defende e ama a democracia, não as falsas democracias de fachada, mas aquelas que respeitam as liberdades do individuo, a de livre expressão do pensamento, a de ir e vir, a de poder deslocar-se para outro país sem que seja obrigatória a permissão do ditador de plantão ou ditador por tempo indeterminado.

Uma vez, o ex-presidente Bush pai, no discurso de posse para a Presidência dos EUA, declarou: “O tempo do ditador se acabou.” Isso foi no tempo da Guerra do Golfo (1990-1991), quando o Iraque invadiu o Kwait. As forças de coalizão das Nações Unidas, sob a liderança americana, conseguiram derrotar Saddam Russein. Suas palavras, porém no contexto atual, viraram apenas retórica vazia, visto que as ditaduras continuaram e continuam assombrando os homens em alguns países.

Se o estado discricionário, por via militar, se instala num país qualquer, rompe-se de repente todo o arcabouço jurídico do Estado. Os partidos políticos existentes se esfacelam, os direitos inalienáveis do indivíduo são eliminados.

O país ideologicamente se divide. Os compatriotas deixam as ideias comuns de solidariedade mútua para ingressarem em blocos divisórios a favor ou contra os novos donos do poder. A pátria é ferida em sua unidade de diversidade política.

A ditadura, porém, sabendo que depende da mínima fachada para se manter no poder, conforme ocorreu no Brasil, redesenha uma forma de criar partidos artificialmente e sem força política, como aconteceu no Brasil, de 1964 a 1985, com a criação dos partidos consentidos, MDB e ARENA, esta pró-ditadura militar.

O poder judiciário se torna refém do ditador. O povo, por falta de consciência política, vai chafurdar na monotonia da indiferença acéfala. Os ditador, por vezes, se torna onipotente, senhor do destino da vida ou da morte de seu povo. Afinal, conta com o apoio dos militares que, às vezes, se rebelam através de golpes, quarteladas e de nova tomada de poder manu militaru. A legalidade, outra vez, sofre um golpe mortal. Dificilmente, as ditaduras se eternizam. O seu fim é quase sempre trágico, assim como de seus familiares e de seus asseclas mais próximos. Por exemplo, na Argentina, no Chile.

A Síria, até hoje, está longe ainda da derrocada de um tirano sanguinário e genocida graças ao poderoso Vladmir Putin, hoje todo-poderoso invasor da Ucrânia (país atualmente quase destruído), que defende o ditador Bashar Al-Assad, com armamentos pesados. Ele próprio, Putin, revelou-se, com o tempo, um outro presidente-ditador milionário cercado de autocratas servis aos mandos e desmandos..

Putin, um figura misteriosa, governa, imperialmente, como se fora um Czar pós-moderno. Com o seu vastíssimo poderio bélico ele enfrenta e ameaça o mundo, o Ocidente, que nem pode reagir contra ele, sabendo que, se o fizer, através da OTAN, a Terra será destruída e não haverá pedra sobre pedra, mas um “vasto mundo” ressequido e inutilizado planeta, concretizando a advertência do grande pacifista inglês, o matemático e filósofo Bertand Russell (1872-1970) Putin é um expansionista frio e calculista. Nessa guerra desproporcional contra os ucranianos, faz o que bem entende e ainda encontra defensores de suas ignomínias. São exemplos históricos desses autocratas Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet, Idi Amin, entre outros inimigos da humanidade.

Espero que, neste século 21 - é apenas um esperança ou mesmo uma utopia - não há de ter o mesmo destino nefasto de ditadores. Vislumbro como tendência dos tempos modernos e de altíssima evolução tecnológica um horizonte, cujo brilho é o da esperança de uma nova era de estabilidade de governos sob a égide da paz e da democracia. Auguro que não haverá espaço para novas ondas de tomadas do poder por caminhos antidemocráticos. Por isso, os povos manietados por ditadores não se conformaram com o seu estado de amordaçamento político, de anseios de liberdade, de conquistarem com independência seus objetivos individuais. Daí os protestos, as oposições em armas contra as tiranias ainda, infelizmente, existentes em várias partes do orbe.

As facilidades das comunicações através da Internet, sobretudo das redes sociais de comunicação instantânea e globalizada, terão um largo espaço de barganha para difundirem ideias de liberdade e de autonomia da sociedade civil, de melhor compreensão do que seja o sistema democrático de governo. Não há povo que não almeje a liberdade do pensamento, a liberdade de locomoção, a liberdade de escolher o seu destino, de planejar as suas vidas, de ter a sua utopia, pessoal e intransferível, a liberdade enfim, de produzir obras de arte nos vários setores da criação artística, sem as peias dos produtos artísticos das ditaduras de esquerda ou de direita ou mesmo as oriundas dos setores militares.

Por isso, achei comovente e ao mesmo tempo melancólico o testemunho de um escritor argentino, Juan Guelman, poeta tido hoje como um dos mais importantes poetas de língua espanhola. Guelman deu uma entrevista, que reli agora, ao jornalista Guilherme Freitas, da equipe de Prosa & Verso de O Globo ((14//04/2012) O poeta esteve em Brasília participando da I Bienal Brasil do Livro e da Leitura em Brasília.

Seu depoimento repassado de saudade e de tristeza pelo trágico destino que teve seu filho Marcelo, vítima, com tantas outras, da ditadura argentina, responsável por 30.000 desaparecidos. Triste triplamente porque sua nora grávida de uma menina. Maria Cláudia García, havia também sido assassinada por militares argentinos, mas seus restos mortais ainda não foram localizados, mas Guelman teve informações de que restos mortais encontrados num batalhão uruguaio podem bem ser os da sua nora. O poeta só está aguardando o resultado de “exames” para identificação. A filha que ela teve com Marcelo fora entregue a uma família no Uruguai. O poeta só conseguiu encontrar a neta, após penosas tentativas de localização, vinte e três anos depois do sequestro em 1976.

A grande saga em que se converteu a sua história de pai de um desaparecido consistiu em lutar, com todas as suas forças, no sentido de descobrir o corpo do filho, o que só aconteceu em 1990.Para o pai foi “... como se tivesse recuperado sua memória”, da mesma maneira que o encontro com a sua neta, de nome Macarena, lhe trouxe grande alegria de avô.

Guelman não mais quis retornar para a Argentina. As cicatrizes foram grandes demais e, mesmo com a volta à democracia, não mais se sentiria bem em seu país. Escolheu como lugar definitivo o México, onde continua produzindo poesia. A morte de seu filho amado lhe inspirou um poema longo chamado “Carta aberta.”

O exemplo do Juan Guelman resume o de tantos outros argentinos sofridos e eternamente amargurados, cujo símbolo maior são “as mães da Praça de Maio”, com os seus desaparecidos durante o longo pesadelo que foi o período em que imperavam absolutas as forças antidemocrática, o que demonstra à saciedade o quanto as ditaduras fazem mal à humanidade e o quanto os homens de bem e de pensamento livre, em qualquer parte, devem lutar incessantemente para que o ser humano não perca a vida e a liberdade.(Artigo modificado e atualizado)_