ENTREVISTADO:

Manoel de Barros

Rosidelma Fraga - exclusivo para Entre-textos

 

 1 - João Cabral de Melo Neto elegeu o crítico Antônio Carlos Secchin como o maior estudioso de sua poesia. Para o senhor, claro que respeitando todos os que estudam e amam MB, teria algum trabalho ou pesquisador de sua poesia que destacaria?

 

MANOEL DE BARROS: Não sei de nenhum crítico que se dedique e se honre de ser estudioso da minha obra. Sei de alguns e conhecidos que escreveram sobre a poesia de Manoel de Barros. Cito, entre outros Berda Waldman da Unicamp, Lúcia Castelo Branco, a nossa Goiandira, Antonio Houais, Millor Fernandes, Fausto Wolf, Jorge Larrosa, Miguel Sanches, e outros tantos, mas nenhum eu elegeria como o maior estudioso da minha poesia.

 

2 - Aos 70 anos de produção poética ou de vadiagem com palavras, como o autor Manoel de Barros se sente hoje e o que mais o senhor almeja alcançar?

MANOEL DE BARROS: Acho que já fiz o pra que vim; A fonte não secou ainda. Sonho escrever mais um livro de poesia. Não garanto nada.

 

3 - Penso que MB nunca trabalhou porque talvez se Drummond tivesse dado um cargo de secretário para o senhor não teria produzido tanto. Se dependesse de apoio do Estado para publicar seus livros, pensa que o poeta MB teria crescido tanto?

MANOEL DE BARROS: É certo que não fui funcionário público. Mas fui fazendeiro pecuarista muitos anos para sobreviver. Mas quando pude comprar meu ócio, comprei. Só no ócio pude voltar à poesia.

 

4 - O senhor já participou de algum concurso literário que tenha perdido como o Guimarães Rosa?

MANOEL DE BARROS: Já participei de muitos. Ganhei quase todo. Não tenho nenhum orgulho disso.

 

5 - Já pensou em organizar suas obras em dois volumes como fez João Cabral? Não seria uma maneira de o público leitor ter acesso a toda sua produção poética de fácil manuseio?

MANOEL DE BARROS: A editora Record está organizando minhas obras completas. Estou na espera. Há tropeços porque editei alguns livros em outras editoras. Há tropeços, há interesses. Mas, ao que sei, tudo sairá em um só volume.

 

6 - Para MB quais as vantagens e desvantagens de ser uma pessoa tímida? Será que o tímido nasce com aptidões superiores e que ninguém consegue enxergar?

MANOEL DE BARROS: Pode ter sido desvantagem. Porque nunca tive coragem de procurar por críticos. Só fui reconhecido aos 75 anos. Foi o Millôr que me viu e espalhou.

 

7- Além de poeta regionalista ou pantaneiro, que outras classificações o senhor não gosta que façam do poeta ou de sua obra?

MANOEL DE BARROS: Sempre achei que poesia consiste em modificar a língua. Depois li isso em todos os lingüistas e estudiosos da prosa e da poesia. Aí estão Flaubert, Riserbast, digo, Rimbaud, Vieira, Guimarães Rosa, e etc. A perenidade deles está na linguagem. São perenes porque cavaram com o estileto do estilo uma especial maneira de escrever. Para mim, portanto poeta é um ser de linguagem e não de paisagem-vegetal ou humana.

 

8 - Para mim, são quatro os melhores poetas brasileiros: João Cabral, Carlos Drummond, Murilo Mendes e Manoel de Barros. E para Manoel de Barros, destacaria algum poeta brasileiro? Por quê?

MANOEL DE BARROS: Para meu gosto os melhores poetas brasileiros são Manuel Bandeira, Cabral, Augusto dos Anjos e Drummond.

 

9 - João Cabral escreveu O auto de natal em Pernambuco por encomenda de Maria Clara Machado. O poeta MB conseguiria escrever um livro infantil sob encomenda de editores, jornalistas, críticos (por ex: como o menino que carregava água na peneira)?

MANOEL DE BARROS: Não seria capaz de escrever nada por encomenda. Nunca escrevi nem um verso por encomenda. O que não sair de mim me fere.

 

10 - Tem algum prefácio de sua obra que o senhor destacaria? Um que mais gostou? Por quê?

MANOEL DE BARROS: Há um prefácio que mais gosto, é o do escritor espanhol Jorge Larrosa para uma antologia de poemas meus que tem o nome de: Todo lo que no invento es falso. A edição é bilíngüe. Trata-se de uma tradução de 150 páginas. É de um livro editado em Málaga na Espanha. Acho que só os estudos da nossa Goiandira poderia se comparar com esse de Jorge Larrosa.

 

11 - João Cabral disse que Uma faca só lâmina foi a sua idéia fixa. O Senhor tem, além das palavras, outra idéia fixa para escrever?

MANOEL DE BARROS: Não tenho idéia fixa. Tenho desejo de esmiuçar a alma de Bernardo o meu Outro: O melhor de mim Sou ele!

 

12 - Com os 70 anos de boa poesia e de tanta glória poética o que o poeta Manoel de Barros tem a dizer a todos que um dia repudiaram sua poesia?

MANOEL DE BARROS: É difícil ser sincero sobre isso. Não sou diferente dos outros. Não gosto de quem me repudia ou repudia minha poesia.

 

13 - Dizem que poetas só são homenageados com nomes de Instituição, Casa de Cultura, Bibliotecas, etc, depois que vão morar com Deus no paraíso. Que homenagem o senhor gostaria de receber em vida e que tipo de homenagem não gostaria de receber postumamente?

MANOEL DE BARROS: Queria ficar em paz na Eternidade. Aqui onde vivo não tenho nada a reclamar. Sei que muitos não gostam da minha poesia. A culpa é minha.

 

14 - No meu recente estudo na UFG, juntamente com a professora Goiandira de Fátima, pretendo provar alguns temas recorrentes na poética intertextual de Cabral, Barros e do africano Corsino Fortes, que na minha leitura, bebeu muito na poesia manoelina. Além de todo o sucesso do poeta Manoel de Barros, como o senhor se sente ao saber que assim como o Sr aprendeu com Rimbaud, há poetas do Brasil e outros países que aprendem com o poeta Barros?

MANOEL DE BARROS: Acho que fico feliz de saber que alguém possa gostar da minha poesia a ponto de se influenciar por ela. De meu conhecimento só sei desse poeta Corsino Fortes. Falo uma pura verdade, coisa que é raro em mim.

 

15 - Como o senhor vê a intertextualidade na lírica brasileira contemporânea?

MANOEL DE BARROS: É dispare.

 

16 - Dizer que um poeta bebeu em outro poeta empobrece o segundo poeta? Por exemplo, se eu digo que Corsino Fortes relê Manoel de Barros ou esse relê Cabral que relê Drummond e Mendes? Qual é a sua opinião?

MANOEL DE BARROS: De minha parte acho que a muita leitura não empobrece o texto de ninguém. Leio Vieira há 60 anos e gosto mais de Vieira.

 

17 - O senhor vê alguma continuidade da poesia moderna brasileira na lírica contemporânea?

MANOEL DE BARROS: Continuidade, não vejo.

 

18 - Quando o senhor escreve, já pensou no sujeito lírico, ou ele é apenas um desdobramento da própria lírica através da linguagem, dos objetos, das coisas?

MANOEL DE BARROS: Meu sujeito lírico sou eu toda vida, toda hora, todo verso.

 

19- A escritora Hilda Dutra Magalhães em sua obra História da literatura mato-grossense mencionou que a poética de Barros é telúrica e surrealista. O Senhor considera essa afirmação verídica ou sua poética possui uma caracterização isolada do surrealismo propriamente dito?

MANOEL DE BARROS: No meu caso, fui levado a uma linguagem que obedece às desordens da fala infantil e desobedece às normas gramaticais. Não sei se sou surrealista e telúrico. Pelas raízes devo ser telúrico. Fui criado no chão feito lagarto, formiga. Portanto, meu texto contém chão. Chão e Letras.

 

20 - João Cabral publicou seu primeiro livro Pedra do Sono em 1942. Cronologicamente, foi após o Senhor. Será que ele chegou a ler sua obra (embora afirme ser influenciado por Drummond e Murilo Mendes no tocante ao surreal), ou o Senhor foi influenciado por ele posteriormente? E com Augusto dos Anjos, o que o Senhor tem a dizer?

MANOEL DE BARROS: Tenho certeza que Cabral não me leu antes de compor Pedra do Sono. E Augusto dos Anjos me seduz, mas sua linguagem eu não alcanço. O que li antes de Cabral e outros foi Gil Vicente, Vieira e toda a literatura quinhentista da língua portuguesa.

 

21 - Se há ou não há Barros em Cabral ou vice-versa, qual é a relação semântica e simbólica da PEDRA em Barros e Melo Neto?

MANOEL DE BARROS: Quanto à palavra PEDRA, em mim ela é apenas letral. Serve para dar equilíbrio semântico às frases. Em João Cabral pode ser pelo ritmo e economia frasal... Sobre PEDRA, conheço e uso a palavra para dar concretude aos versos. Em João Cabral deve ser pelo ritmo. Agora ando seduzido para escrever nas pedras como os homens das cavernas. Quero fazer uma poesia rupestre. Acho que lá está a infância da língua.

 

22 - Diga-me, o Senhor já leu Pedra do Sono? Quais livros de Cabral o Senhor Já leu?

MANOEL DE BARROS: Já li "Pedra do Sono" sim. E tenho todos os livros do Cabral. De todos que li, gosto mais de O Cão sem Plumas.

 

23 - Li alguns versos do Livro das Ignorãças e pude constatar que o Senhor mistura o belo com o grotesco como em "para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber: / ... que um rio que flui entre dois lagartos carrega mais ternura que um jacinto...". Da mesma forma João Cabral utilizou "flor e fezes", Augusto dos Anjos, "Versos íntimos e escarros". Pode ter uma relação similar nisso? Ou é apenas coisa de pesquisador?

MANOEL DE BARROS: Os paradoxos são a minha poesia. Sair do comum é muito importante para a poesia. Bem, e não sei responder essa relação... eu tenho com as palavras é um relacionamento erótico. Algumas já até abriram o roupão para mim.

 

24 - Estou estudando o Livro sobre o nada e ao ler os versos "Bugrinha batia com uma vara no corpo do sapo e ele virava pedra/ Ela era acrescentada de garças concluídas...", pude notar uma "deslinearidade" lírica, pois quem era acrescentada de garças concluídas, Bugrinha ou a pedra?

MANOEL DE BARROS: Confesso que não sei explicar poesia. Sei que um verso é bom para sua oralidade harmônica e por suas significações imagéticas. Também não sei o que seja uma "garça concluída". Sei que a expressão canta.

 

25 - Diga-me o que o Senhor pode ver nesses versos de João Cabral: "Dentro da perda da memória/uma mulher azul estava deitada/ Que escondia entre os braços desses pássaros friíssimos/ Que a lua sopra alta noite/nos ombros nus do retrato/ E do retrato nasciam flores (...) clarinetes (...) seios...?".

MANOEL DE BARROS: Clarice Lispector dizia que viver não tem lógica. Poesia tem menos lógica do que viver. Poesia é fenômeno de linguagem e não de idéias. A linguagem de Cabral é econômica até ser pedra.

 

26 - O Senhor já mencionou em entrevistas que suas obras não deveriam ser cobradas em exames de vestibulares. Sendo assim, o Senhor escreve sem pensar no leitor do ensino médio, pensa no público de modo geral, ou tem um caráter específico?

MANOEL DE BARROS: Escrevo, gosto de ser lido e amado através de minha poesia. Mas acho que os adolescentes que prestam vestibular são massacrados pelos meus textos. Eu "penso por imagens" (como você já citou). Imagens feitas com palavras são obscuras.

 

27 - É curioso notar que para o Senhor a palavra é a ferramenta fulcral do poeta. Então, qual é a explicação para o verso: "palavras tem que adoecer de mim?".

MANOEL DE BARROS: Palavra tem que adoecer de mim porque eu tenho que estar dentro das palavras para que elas me sejam. Minha doença é uma disfunção lírica.

 

28 - Além do arquissema PEDRA que o Senhor usa, há também o RIO, que é muito utilizado por João Cabral de Melo Neto. Toda a relação com ele seja pela pedra, pelo rio ou pelo grotesco na poesia, tem apenas ligação com a infância do Senhor, ou o poeta é um ser que nasceu para ter precursores e seguidores?

MANOEL DE BARROS: Penso que vale tudo, sobretudo ter a influência no interior. Mas a gente não quer ser precursor. E nem conhece a competência de precursor.

 

29 - No verso "No descomeço era o verbo", o Senhor com o prefixo "des" rompe com o princípio da criação ou a idéia é apenas uma didática para estranhar?

MANOEL DE BARROS: Penso que foi mesmo para intrigar as pessoas que amam o igual.

 

30 - Sei que Adélia Prado admira sua poesia, assim como a maioria dos grandes poetas brasileiros. Estava lendo Bagagem de Adélia e vi que lá ela escreve que o filho de Deus não se pode entender porque "o filho de Deus é verbo e é homem". Desse modo, o Senhor consegue me responder ou fazer uma relação inventiva sobre Verbo bíblico, Verbo manoelino e Verbo adeliano?

MANOEL DE BARROS: Acho, Rosidelma, que o Verbo de Deus é o nosso Verbo: meu, seu, de Adélia Prado. O Verbo de Deus é nosso Verbo.

 

31 - Quando o Senhor escrevia seus poemas, (no início da carreira poética) mesmo sabendo que é modesto e humilde, nunca vinha um pensamento de "brilho" e "fama" na cabeça, não? E aquele orgasmo poético, hein?

MANOEL DE BARROS: Quando publiquei Poemas Concebidos Sem Pecado, achei que alguém falaria dele com assombro. Ninguém falou nada de nada. Então minha ficha caiu. E o sonho de brilho morreu para sempre.

 

32 - Eu penso que escrever versos é uma doença incurável, não apenas um dom. É se completar enquanto sujeito existencial. E quanto a esse "mal", o Senhor já foi de se levantar no meio da noite e escrever ou só faz versos na hora marcada?

MANOEL DE BARROS: Acho que arte é produto de uma disfunção cerebral. Poesia é uma disfunção lírica que sofro e carrego comigo.

 

33 - O Senhor está escrevendo algum livro e tem a idéia de até quando pretende escrever?

MANOEL DE BARROS: Tenho na Editora Record meu último (?) livro: Poemas Rupestres. Não sei se escreverei outros.

 

34 - Diante de todos os versos que consegui ler de Barros, para mim o verso mais sublime na literatura está em "poesia é voar fora da asa". Acredito que esse verso ficará gravado para sempre na minha e na memória de seus leitores, mas em sua opinião, qual é o verso que o Senhor mais gostou até hoje?

MANOEL DE BARROS: O verso que mais gostei foi O entardecer faz parte de haver beleza nos pássaros...

 

35 - Finalizando, como o Senhor define poesia e o que é ser realmente poeta?

MANOEL DE BARROS: Acho que poesia é uma aventura errática. Às vezes a natureza desmancha o ser biológico em poeta. E eu deixo de ser errático para ser errado. Ser poeta não significa ser uma pessoa de grande inteligência, mas ser eternamente sensual.

 Rosidelma Fraga é escritora e professora universitária em Goiania.

[email protected]