“SEMÍRAMIS”, DE CAMILO CHAVES: LITERATURA EXÓTICA

    Miguel Carqueija



“Toda a gente tem o que merece, mesmo quando não merece o que tem.”

(Charles Eric Maine, “Projeto: Animal”)



    O que terá levado um escritor brasileiro a produzir um romance histórico com 350 páginas bem recheadas de letras, focalizando uma figura entre histórica e lendária, que se crê ter vivido no Oriente Médio há mais de 2.800 anos? Isto se ela puder ser identificada como Samura-mat, mãe do Rei Adad-Nirari e construtora, conforme a tradição, de uma das maravilhas do mundo antigo, os desaparecidos Jardins Suspensos de Babilônia (outra versão os dá como obra de Hamurabi). Entretanto há outras hipóteses sobre Semíramis, não faltando acusações de diabolismo por parte de protestantes fundamentalistas.
    Camilo Chaves (1884-1955) foi um líder kardecista e publicou este livro no ano em que morreu. Em 1955 saiu a quarta edição, pela LAKE (Livraria Allan Kardec Editora), que é a que me chegou às mãos.
    Com certeza essa história — de resto, muito fantasiosa (afinal falta documentação histórica sobre Semíramis) — transmite nas entrelinhas — e em certos trechos, bem explicitamente — as crenças religiosas do autor. Não vejo mal nisso, desde que haja elegância. Na visão do romance Semíramis é filha do judeu Simas, que foi grão-sacerdote do rei do Egito, e ela própria uma iniciada nos mistérios daquela religião, como uma pupila das deusas Istar e Derceto. Quando sobe ao poder um faraó inimigo de Simas este é obrigado a fugir do país com a filha, vão parar na Síria e, de reviravolta em reviravolta, Semíramis acabará se tornando rainha de Assíria, Babilônia, Suméria e Acádia.
    Até certo ponto Chaves endeusa a soberana. Ela é vista como uma predestinada, uma escolhida, que pela bondade e tolerância revolucionou os costumes da época: nas diversas guerras que sustentou e venceu, em vez de exterminar, escravizar e espezinhar os vencidos ela os anistiava, até conservando reis em seus tronos, granjeando dessa maneira amigos e aliados e o amor dos diversos povos. Por conta de alguns erros, porém, não poderá perpetuar os avanços morais que implantou.
    Utilizando um estilo próximo ao de Júlio Verne, Camilo Chaves conseguiu produzir um romance monumental, que prende a atenção, e que o coloca no rol dos literatos brasileiros mais interessantes, tais como Malba Tahan, Cecília Meireles, Maria José Dupré, Thales Andrade, Humberto de Campos, Paulo Setúbal, Francisco Marins e Jeronymo Monteiro. Diferente, portanto, dos nossos “autores de antologia escolar”.
    Por vezes o texto de “Semíramis” ressente-se dos diálogos empolados, um pouco à José de Alencar, mas a linguagem é riquíssima e de certa forma instrutiva. Chaves também lembra Alexandre Dumas, autor que dava vida á História. E se formos pesquisar sobre Semíramis encontraremos dados tão contraditórios que ficaremos sem saber se tal personagem realmente existiu — a mesma dúvida que paira sobre o Rei Arthur.
    Com certeza, o romance é uma ficção histórica.


Rio de Janeiro, 20 e 21 de novembro de 2013; 10 de julho de 2014.