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  SEM MEMÓRIA: REMEMORANDO ANDRÉ CARNEIRO

Miguel Carqueija

 

 

            André Carneiro (1922-2014) em sua longa vida tornou-se um importante nome das letras nacionais e, inclusive, um ícone da nossa ficção científica, talvez o mais respeitado de todos. Entre suas obras contam-se “Diário da nave perdida”, “O homem que adivinhava”, “Piscina livre” e “Amorquia” entre outras, além de participação em diversas antologias.

            Há, porém, uma obra menor de Carneiro (não em qualidade), que corre o risco de ficar esquecida — e seu título aliás, ironias à parte, é “Sem memória” — por ter sido publicada em livro de bolso e edição amadora, com tiragem limitada. A noveleta em questão saiu em 2005 como o volume 5 da segunda série da Coleção Fantástica, que Cesar Silva editou durante alguns anos (ele também é o prefaciador do livro).

            “Sem memória” é uma história insólita de mistério, girando em torno de certo Teodoro Silva — um homem que vive uma situação ambígua, pois não conhece o seu passado, de alguma forma ligado a coisas perigosas e cruéis. O clima transmitido pela prosa de André Carneiro é delicioso, já colocando de saída o mistério e o suspense;

            “Ele suspeitava que tivesse um irmão gêmeo. Agora estava só, há muito tempo. Desconhecia sua origem e sentia medo de investigá-la, embora tivesse tentado muitas vezes sem sucesso. Informação óbvia e clara para os outros, o passado, para ele, era desconhecido.”

            Lá estão, na estranha vida de Teodoro, elementos perturbadores: a memória fugidia de coisas do passado, a ausência de família conhecida, a mulher misteriosa que o conhece mas o chama de “Armando”, o emprego aparentemente comum mas que lhe confia missões secretas e suspeitas.

            O que esconde, afinal, a vida de Teodoro Silva?

            Enviado para um “serviço externo” na Argentina, logo ele está, quase automaticamente, agindo como espião ou agente secreto, tomando precauções para não ser seguido, como se, numa outra vida esquecida em seu passado, ele estivesse acostumado com essas coisas. Outros elementos típicos do jogo de espionagem comparecem: dinheiro, fugas, armas pesadas.

            Contudo, o que prevalece nesta novela instigante é a sensação de inutilidade dos esforços, da impossibilidade de abarcar o sistema ou conhecer uma verdade que é constantemente escamoteada, como se a amnésia do protagonista respondesse apenas por uma parte do mistério. O desfecho, de puro nihilismo, lembra-me a forma patética como o cineasta Roger Corman fechou a sua obra-prima “Prophect” (1998), quando o personagem principal faz a si mesmo esta patética pergunta:

            “Quanto tempo falta para nós pirarmos?”

 

Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 2014.