Cunha e Silva Filho

       Ela me deixou sem avisar. Maldade dela! Sempre a encontrava, lá no fundo do longo corredor. Atiçando-me como um canto de sereia para Ulisses. Antes mesmo de morar no bairro, já se encontrava lá. Todos gostavam dela, acredito Era mesmo a personagem central. Por ela ia sempre lá vê-la, falar com ela e com ela me deleitando. Por que me deixou sem ao menos me comunicar, sem uma palavra, um bilhete, um e-mail, um msg ou mesmo um brevíssimo aviso no Zapp?
     Mas não, deixou-me órfão, me magoou muito, me fez sofrer o desespero de uma perda querida. Nunca vou entender nada disso que estou falando ou pensando ou escrevendo. E nem adianta berrar, gritar, reclamar. Não me ouvirão nem me darão justificativa da sua ausência súbita, em forma de ruptura definitiva, sem adeus nem nada. Apenas me deixou desconsolado tamanho era o sentimento de amor que me ligava a ela.
      Tenho, desde então, sentido muito a sua falta. Dor de cotovelo me assalta o peito, o coração, tudo. Olho pra aquele fundo do longo corredor e não a vejo mais. Sumiu como um disco voador. Não se faz isso com alguém que nos ama, que nos procura sempre naquele mesmo lugar disposta a dialogar e trocar carinhos. Quanta saudade já tenho dessa ausência amada!
      Há tempos que tinha contato com ela, uns dezoito anos, no barato. Mas, ela,sozinha, me abandonou sem aviso prévio, segundo já comentei atrás. Não me lembro dia do primeiro encontro, mas me lembro de que era assíduo com o meu encontro. Nem mesmo sei definir o meu amor a ela. Ela conversava comigo, mas sempre sem deixar nenhuma deixa de que também gostava de mim ou pelo menos tinha alguma atenção a mim e à minha frequência de encontros, sobretudo aos sábados.
      Não nego que perdi outras com o coração entrecortado de dor. Oh, como tenho sofrido com essa perdas em lugares de que gosto tanto, como o Centro do Rio! E nessa parte fundamental do Rio, foram muitas, algumas mais velhas, outras velhíssimas, algumas bem estruturadas, belas mesmo.
       Mas as perdi pra sempre e só me resta o lamento, sem poder fazer nada contra quem foi culpado de as afastar de mim sem dó nem piedade. As perdas foram tão duras que me abalaram o  interior pra sempre. Sem volta nem ressurreição. Página virada com fim infeliz. Me pergunto: por que me deixaram assim tão melancólico e sem ânimo? Foi maldade pura contra mim e os meus sentimentos volúveis. Certo que as amei quase por igual, dependendo da duração dos laços amoroso, das afinidades, da intensidade recíproca. Mas como dói a ausência, a solidão, o abandono, o adeus sem aviso !
      Só Deus sabe a dor da perda. Pensei que ela sempre estaria ali me esperando para um novo encontro e pronta a me mostrar bons livros, novidade de publicações, se bem  que eu mesmo gosto de ir ás estantes, sobretudo as de línguas, de literatura, de ensaios. Com ela comprei muitos livros de alta qualidade. ´certo que alguns pesavam no meu bolso de professor.
     Só em vê-la sorrido pra mim, me deixava pra cima. Conversando com ela, as tristezas diminuíam e meu coração batia forte, talvez mesmo muito mais do que o dela, pois amor é, às vezes, uma ambiguidade por toda a vida. Ninguém sabe com certeza se é amado ou se é uma ilusão de ótica. O sentimento navega por mares nunca dantes  navegados.
     Contudo, com essa perda e as anteriores, me vejo mais abatido, casmurro, sem ânimo, nem mesmo com  aquela antiga vontade álacre de ir ao encontro dela. Passo por lá e não a vejo mais. Só saudades, solidão. Sem ela, sem graça. A vida prossegue. Parece-me que foi tudo sonhos da minha frágil imaginação. Li, há muitos anos, num livro de francês, uma frase que tem relação com o que venho relatando: “On ne badine pas avec l’amour.” Não me lembro quem foi o autor da frase. A frase,  todavia, tem suas razões: “Não se brinca com o amor”. Caso alguém o faça, vai se dar mal com o sentimento e a dor, sobretudo da perda ou solidão de um dos dois lados.
    Voltemos a ela. Sim, nesse caso que se deu comigo fui eu quem deu provas de amor maior e dedicação e assiduidade e carinhos e sinceridade. Brinquei com o amor e ele me deixou vazio e na solidão sem fim. Por outro lado há que explicar ao leitor as razões dessa tristeza e solidão: aquele pronome “ela", que empreguei nessa história,  não é o que pensou meu coautor. Eu vinha me referindo, em todo o texto, ao fechamento da Livraria Saraiva no Shopping da Tijuca. O resto V. já sabe. Bom dia, leitor, nesta ensolarada manhã de novembro e com uma leve brisa refrescante soprando no meu rosto, na varanda da minha moradia.