[Raimundo Carrero]

Desde que foi lançado em 2005 pela Editora Agir, do Rio de Janeiro, “Os segredos da ficção” tem sido um dos livros mais procurados por aprendizes de criação do texto em prosa nas livrarias do Brasil. Dividido em três grandes painéis  - “A voz narrativa”, “O processo criador” e “A construção do personagem” –, o volume procura estudar passo a passo a criação de  um romance, de uma novela ou de um conto, indicando caminhos e sugestões

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     Em princípio, Carrero adverte que procurou se apoiar nos escritores  e, não nos teóricos, porque os primeiros estabelecem uma familiaridade maior com a criação de histórias e de enredos. Nada contra os teóricos. É claro. Sempre teve – e continua tendo por eles – um grande respeito e admiração, mas os verdadeiros criadores conhecem com mais intimidade os caminhos e as dificuldades. Mas é necessário destacar um fato relevante: o livro não tem dogmas nem certezas absolutas, deve ser lido e consultado para o estudo, com os exercícios, para que o aprendiz também se familiarize com a construção íntima de uma obra. 


     Nada de imposições, nada de conceitos definitivos: é impossível transformar a criação num trabalho burocrático. O criador deve ter o máximo de liberdade, sem deixar de conhecer como os clássicos e os consagrados encontraram os seus caminhos. Sobretudo Flaubert, que representa a ruptura definitiva entre a prosa clássica – cheia de discursos e debates em torno de outras ciências – e a identidade da ficção. Ou seja, Flaubert retirou da prosa a questão do conteúdo e criou os conceitos que impulsionam o romance, por exemplo. Por isso criou a expressão de o “romance sobre nada”. 


     Isso quer dizer: a ficção tem as suas próprias regras – que também nem chegam a ser regras no sentido imediato e definitivo -, assim como o poema A prosa de ficção, a partir daí, tem uma estética própria, não precisa de outros conteúdos.  O nada significa, claramente, ausência de estudos de teologia, psicologia, comportamento social, daí em diante. O melhor exemplo disso é “Um coração simples”, que pode ser lido no Brasil através da tradução exemplar de Milton Hatoun e Samuel Titan Jr (Companhia das Letras, São Paulo, 2006). Os acontecimentos e suas reflexões não são importantes para a novela, basta a vida simples e despojada de Felicidade. Basta a técnica.


     Abre-se, ainda, uma discussão sobre o narrador.   Quem seria enfim o narrador? De um lado aquele que conta a história e não exatamente o autor, que é responsável pelo relato; e o leitor. Leitor é narrador? Sim, na medida em que harmoniza a história até o último ponto, costura a narrativa, une os capítulos, preenche as elipses, conhece a intimidade do personagem, intepreta.  Aí tem início um debate muito curioso em torno do narrador, com um capítulo inteiro também em outro livro didático de Raimundo Carrero: “A preparação do escritor” (Editora Iluminuras, 2008, São Paulo). Um estudo curioso, que começa com a afirmação de Mario Vargas Llosa: “O narrador é o personagem mais importante criado pelo escritor”.


     “Os segredos da ficção”, enfim, pretende colocar o autor iniciante diante do seu próprio destino. Diante dos seus desafios e diante de suas dificuldades. Por isso, no final do volume encontra-se uma bibliografia comentada, que remete o estudioso aos seus dilemas criativos, analisando um a um os escritores citados, desde os clássicos e consagrados aos autores mais recentes, sobretudo do Brasil, indicando obras e promovendo sugestões. 
 

     Um livro imperdível