Poetizar um tema abstrato como saudade e lembrança parece cair no prosaico de todos os amantes. Mas a saudade, essa minha amiga persistente de todos os dias, geme como açoite do berço africano e está agora jorrando chamas. Daria tudo para exterminá-la, para extirpá-la com uma faca de dois gumes. Não obstante, ela insiste ao sapatear no tapete de minha alma e suplica para ficar em mim. E sinto, nessa ausência tua, que a tua falta é o teu estar sempiterno em mim, é o toque de teus cabelos, a suavidade de tua barba, a doçura poética de teus lábios e o teu sussurro às 22 horas e 27 minutos. Olho o telefone que nunca toca, procuro as páginas apagadas pelo impulso e pela minha incredulidade e ceticismo. Sinto falta até da paraguaia automática do relógio falando as horas. Durmo enfim. Sou mortal. Dia seguinte, vou ao trabalho como instauração da vida cotidiana e trivial. Ouço Unforgatable quando fico sozinha na sensação de que não o perdi. Invento mil amores e tantos amantes na busca de exterminá-lo, de apagar a história que agora fica guardada no retrato da parede. Deleto os textos, deleto a música de J. Lennon que cantas e tocas. Rasgo a tua fotografia que mandei revelar para estar no criado-mudo. Apago tudo. Abro A barca dos amantes e leio em caixa alta: TUDO QUE MOVE É SAGRADO E REMOVE AS MONTANHAS COM TODO CUIDADO, MEU AMOR ENQUANTO A CHAMA ARDER TODO DIA TE VER PASSAR TUDO VIVER AO TEU LADO COM O ARCO DA PROMESSA NO AZUL PINTADO PRA DURAR. Entretanto, é tarde para dizer. A vida cuidou de tecer outros caminhos. Então eu volto para minha vida cotidiana e trivial e, a única alternativa que tenho em mãos é sonhar com o outro lado da vida, pois lá, quem sabe, tu estarás vestido de anjo a dizer-me as palavras que ficaram em mim: “Nós ficaremos juntos, assim como eu tenho certeza de que o sol nasce e se põe todos os dias”. E nessa sagração de mover a ausência-presença, eu irei à outra vida que nem mesmo se qual é a cidade, mas sairei aleatoriamente por aí a procurá-lo. Nesta, eu tenho-te somente na saudade jorrando chamas.

 Rosidelma Fraga – 22 de Agosto de 2014.