Saudação ao novel acadêmico Aci Campelo

Por Francy Monte

Francisco Ací Campelo Gomes, nasceu...não vou por aí, não é bem assim que quero começar a falar do novel acadêmico, de Ací Campelo. Não posso esquecer que tudo começou com seus pais, Lívio Campelo e Joana Gomes, nascidos em Pedro II, terra da opala, de clima serrano, de gente ordeira, numa época em que nem se sonhava que um dia ela seria conhecida como terra do festival de inverno, da arte, da cultura, de vozes e acordes musicais. Foi num tempo bem diferente que o casal, fugindo da seca de 42, foi se refugiar em Vitorino Freire no maranhão. E, por força da sua profissão de trabalhador itinerante, (caixeiro viajante, comerciante, comprava arroz e algodão no maranhão para vender no Piauí), passou por várias cidades, mas sempre teve Teresina como porto seguro da família. Curiosamente, ou por força da ocasião, o casal teve filhos nascidos em cidades diferentes. Assaí, em Lago do Rodrigo; Assis, em Teresina; Ací, em Lago da Pedra e Lorena, em Vitorino Freire. Sempre fiel ao amor por Dona Joana, mesmo com tantas andanças por este mundo de meu Deus, alvo de tentações de saia, nunca se rendeu a escapulidas, não lembrando nem um pouco do Seu Quequé, figura estereótipo de quem, à época, trabalhava nesse ramo, personagem tão bem representado por Ney Latorraca num seriado global.

Dos municípios de Vitorino Freire e Altamira do Maranhão, seu Lívio foi vereador competente e combativo.

Foi em Altamira que Ací Campelo viveu boa parte da sua infância. 10 anos de muita brincadeira, daquelas que hoje essa meninada computadorizada nem sonha de existir. Tudo que uma criança do interior tinha a seu alcance para ser feliz. Uma liberdade vivida ou com o carimbo de permissão do pai, ou com a cumplicidade protecionista da mãe. Tempo em que bastava o olhar dos pais para que os filhos entendessem o que podiam ou não fazer. Cedo se aprendia quais os direitos, quais os deveres a serem seguidos. Respeitar e obedecer aos pais eram doutrinas e questão de boa educação.

Mas foi com seus 10 anos de Altamira que Ací chegou a Teresina. A família teve que se mudar para a capital piauiense, em 1965, porque o governo dos militares estava prendendo todos os políticos contrários à sua doutrina e Seu Lívio Campelo, não se deixando botar o cabresto da ditadura, foi cassado pela revolução em 1964 e... sumiu. Foi se esconder dos “home”. Só deu a cara depois de dois anos. Chegou adoentado. Antes do aparecimento de Seu Lívio, Dona Joana assumiu a educação dos filhos, tendo como primeira moradia uma casa situada no Bairro Piçarra. Foi ali que menino ainda teve o seu primeiro contato com a telona. Cine São Raimundo, o famoso Baganinha. Ficou vislumbrado. Olhos arregalados para ver Tarzan, Rin Tin Tin e outros heróis que não cansava de imitá-los nas brincadeiras com seus colegas de aventuras. As gargalhadas ficavam por conta de Zé trindade, Oscarito, Ankito e Grande Otelo. As chanchadas da Atlântida enchiam de palhaçadas a tela grande esparramando alegria nas faces dos cinéfilos apaixonados, provocando risos incontidos, daqueles de tirar o fôlego. Alegria maior só nos circos com seus palhaços maravilhosos. Depois passou a assistir filmes no Teatro 4 de Setembro e no Rex. Gostava de vender e trocar revistas em quadrinhos na Praça Pedro II.

Mais tarde, a família Campelo Gomes foi morar, em 1968, na zona norte, no Mafuá, onde reside fixa até hoje. Estudou nos colégios “Miguel Borges e Helvídio Nunes“, este último, à época, era chamado pelos alunos do Liceu de picolé de abóbora. Curioso e encantado não se cansava de ir apreciar a passagem do trem. O trem passava e com ele levava seus sonhos de adolescente. Depois olhava para os trilhos e pensava na vida que tinha que trilhar pela frente. Para aonde ir e por onde começar ainda era tudo muito confuso para sua cabeça de criança, com ares de menino grande, mas o que não podia era ficar parado.

E continuou a estudar e, já com jeito de rapaz, começou a conviver com poetas, contistas e jornalistas, dentre eles; Menezes e Morais, Domingos Bezerra, João de Lima, Ral, Willame Soares, Afonso Lima, Paulo de Tarso e outros mais. Foi então que recebeu as primeiras influências do mundo da dramaturgia com o Grupo de Teatro Pesquisa, criado por Afonso Lima. Depois veio o Grupo Raízes que com a morte do seu diretor, Elzano Sá, ficou reduzido a três componentes: Lorena Campelo, Lili Martins e Mariano Gomes. Esse trio, sabendo que o Ací escrevia contos e que fora premiado algumas vezes, chamou o contista para uma conversa que resultou na sua aceitação para escrever uma peça para teatro. Em três meses o texto estava pronto. O trio foi mais adiante e disse que ele também iria dirigir a peça. Foi aí que, em 1977, Ací Campelo, por livre e espontânea pressão desses insistentes atores, começou a ser Autor e Diretor de teatro com a peça: Arribação – Drama de Nossa Terra, que ele mesmo diz: “é o retrato do êxodo rural visto do ângulo íntimo de cada personagem. Todos querem ir, mas o temor do desconhecido, o desgarramento da terra e dos entes queridos, enfim, o medo e o pavor, tudo parece impedi-los de concretizarem seus sonhos: partir em busca de riqueza e melhores condições de vida e, quem sabe, da própria liberdade.” Trabalho pioneiro bastante aplaudido no 1º Festival de Teatro Amador do Piauí e que teve com sua primeira montagem 150 apresentações. Outros grupos fizeram outras montagens.

Em 1978, iniciou a vida universitária. Primeiro curso: “Técnicas Agrícolas”, logo abortado. Passou para Educação Artística, logrou êxito. Formou-se em Artes Cênicas e Pós-Graduou-se em História Sócio Cultural, pela UFPI. Autor dos textos: “Pau a Pau”; “Chiquinha”; “Miridan”; “Auto do Corisco”; “Tiradentes – A ópera da Liberdade”; “O Auto da Estrela Guia”; “ A Menina e o Boizinho”; “ O Clube do Pipi”; “Na pegada de Meu Bumba”; “Soy Louco por Ti!”, "Os Salvados", "Arribação Drama de Nossa Terra" Publicou "O Novo Perfil do Teatro Piauiense 1950 a 1990” (1993), "História do Teatro Piauiense". Organizou o Livro a Nova Dramaturgia Piauiense(1989).

Quando lançou o livro “Soy Louco por Ti”, obra que traz nas suas páginas as peças “Os salvados (1980), Nas Pegadas do Meu Bumba (1984) e Soy Louco Por ti (sobre a vida e a obra de Torquato neto, 1991)”, Arimatan Martins assim se pronunciou: “o artista contemporâneo tem a preocupação de colocar o homem no centro de suas atenções. Seus sonhos, suas dúvidas, seus conflitos e questionamentos necessários para o seu crescimento e do mundo em que vive. Ací Campelo, no seu ofício como dramaturgo, deixa claro isso, ele faz justiça com suas próprias mãos, interferindo de forma direta na vida de seus personagens e no mundo imaginário que eles habitam...Mas cabe ao dramaturgo escrever, porque assim fazendo estará dando sua valiosa contribuição aos maravilhosos tesouros espirituais que é a arte.” No canto de uma personagem de “Nas Pegadas do Meu Bumba” pode-se observar toda essa força que emana desse misto de simplicidade e coragem, de humildade e irreverência do seu jeito todo particular de ser e de criar, de defender e amar a vida enquanto arte, a arte enquanto vida. Ouçamos os versos: “Minha força é a tua força, meu querer é o teu conceber, minha garra é a tua garra, meu tecer é o teu viver, minha voz é a tua arma, meu sofrer é o teu silêncio, minha luta é a tua luta, minha calma é a tua alma, minha fé é a tua crença, meu amor é o teu amor”.

No livro “Dramaturgia Piauiense”, organizado por Ací Campelo, contendo quatro peças de representativos autores do Piauí, o poeta Rubervan Du Nascimento diz que A Menina e o Boizinho “remonta a infância perdida nesses cafundós onde deus e o diabo perderam as botas: velha cachimbeira. Boizinho (gente) fubá. Brinca com o imaginário coletivo, a partir da inclusão no texto de aparições de personagens criativas. Panos nos varais de um tempo queimado pelo fogo das paixões escondidas no caroço de tucumã. Olhares perseguidos pela única e inesquecível luz que jorrava dos corpos recém-nascidos: a inocência. O diálogo velho/novo dos personagens, é sustentado pela rapidez das cenas, entrelaçadas umas às outras, imprimindo uma movimentação de palco, invejável, do começo ao fim. Eterno regresso, pois de agradável leitura”. Vejamos a poesia Varais da Cena – 1 de A Menina e o Boizinho: “Nos varais deste quintal, O sonho e a realidade, Se assim foi ou se tal, Histórias de toda idade. Correr no tempo e enfrentar, Viajar no pensamento, Olhar no olho só piscar, Um pé de vento e de cimento. Coisas que há no caminhar, Só pensar, é só voar, Imaginar no próprio ar, E enfrentar coisas que há”.

Segundo o professor e poeta Dilson Lages Monteiro: "Ací é o que se pode chamar de um intelectual completo - não apenas cria outros mundos; no exercício cotidiano de sua arte faz com que esta transforme e (de)forme os estereótipos da aparência, por meio do teatro que, antes de provocar quaisquer sensações, educa. Ací é, além de tudo, um dos mais valorosos produtores culturais que o Piauí orgulhosamente possui."

Como Presidente da Federação de Teatro amador do Piauí, Diretor do Theatro 4 de Setembro, Membro do Conselho de Cultura do Estado e Diretor de Arte da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, Produtor Cultural e Diretor de Teatro, Membro da União Brasileira de Escritores do Piauí, Ací Campelo fez inúmeros amigos, companheiros de jornada, dentre eles podemos citar: Afonso Lima, Lari Sales, Fábio costa, Carmem Carvalho, sua amada companheira desde 1982, Wilson Costa, Airton Martins, José da Providência, Assaí Campelo, Arimatan Martins e Lili Martins, dentre outros da mesma importância dos aqui lembrados que também contribuíram para que seu trabalho continue sendo aplaudido pela crítica e por todos aqueles que gostam do fazer teatro.      

Faz reverências a grandes figuras do teatro, autores e diretores, aqui referendados nos nomes de Ary Sherlock, Santana e Silva, Ana Maria Rego, Tarciso Prado e Gomes Campos. 

Há tempo que eu venho analisando a nossa academia. Há coisas que precisam ser revistas. Temos um quadro de acadêmicos que toda academia gostaria de ter. Mas nunca temos a frequência que gostaríamos de ter. Sabemos dos afazeres de cada um. Sabemos de suas responsabilidades. Mas, gostaríamos muito que procurassem encontrar um tempo, seja ele qual for, para de vez em quando, dedicarem a nossa ALVAL. Precisamos de presenças. Precisamos ter os acadêmicos em nossas companhias. Sentimos falta de suas palavras, de suas idéias, do sentimento de amizade, das críticas construtivas, dos comentários oportunos, do abraço amigo, do não e do sim, mesmo que não sejam favoráveis, pois acreditamos que é melhor o não sincero do que um sim mentiroso. Queremos presenças, mesmo que sejam temporárias, e não ausências constantes. Temos um compromisso com a sociedade, com a comunidade cultural, com as instituições, com nós mesmos que vestimos o manto da imortalidade acadêmica sabendo que, enquanto meros mortais, em vida somos usuários do manto da responsabilidade de manter viva e atuante a instituição que pedimos voto a voto para sermos seus integrantes.

Ací Campelo desde 1998 se lançou postulante a uma cadeira na Academia de Letras do Vale do longá. Com 10 anos “altamiramente” chegou a Teresina. 2008, com 10 anos, altaneiramente chega a ALVAL. 2009 não conta. É o que se pode chamar de tapete da porta de entrada da imortalidade. Estamos recebendo Ací com todas as honrarias que merece. Sabemos de sua potencialidade, do seu caráter, do seu talento, do seu amor incondicional ao teatro e a tudo que respira arte, da força que emana da sua simplicidade, do seu eu não tão seu, uma vez que criador de personagens personifica-se no jeito de ser de cada uma de suas criaturas. Você está chegando na hora que tinha que chegar. Você que já viajou nas poesias de Paulo Machado, navegou nas composições de Edvaldo Nascimento e de Teófilo Lima, já se encantou ao som das vozes de Gabi e de Rosinha Amorim, com certeza se encontrará nos versos de Hardi Filho quando diz: “Eu simplesmente sou. Não tenho idade. Me curto hiato. Em forma de tritongo me existo. Manso como um velho frade, sempre me acabo e sempre me prolongo. Cometido no sempre reto (ou oblongo?), ao bem e ao mal dou oportunidade: em meu trilho sem volta e muito longo, gera-se a paz, rebenta a tempestade! A vida, a morte, a dita e a contradita, tudo há em mim: por mim tudo transita, como se houvesse estranha ponte pênsil. O que se foi comigo não retorna, eu sou este martelo e esta bigorna, este som, este sangue, este silêncio...”

Atualmente, Ací Campelo é Diretor da Escola Técnica de Teatro Gomes Campos. Uma luta que começou em 1986 ao se formar pela UFPI em Educação Artística – Artes cênicas. Como ele mesmo diz: “uma luta solitária. Para eles é melhor dominar do que dividir saber. Mas, não era por que tínhamos dificuldade tão grande que iríamos desistir”. Um sonho que se realizou quando “as aulas da Escola Técnica de Teatro Gomes Campos começaram com sessenta alunos, nos turnos da tarde e noite, no dia 26 de fevereiro de 2007, sob duras criticas do Sindicato dos Artistas”. Continua Ací: “a Escola ainda não é aquilo que queremos, nem conseguiu, ainda, preencher a lacuna que certamente preencherá no futuro, que é a de dinamizar as artes cênicas piauienses. Lutamos diariamente para colocar o espaço a serviço do artista e da comunidade. Inúmeros grupos de teatro ensaiam seus espetáculos em nosso espaço-laboratório. E tentamos, por todos os meios, adequar seus espaços naquilo que pensamos ser uma Escola, mas ainda está muito longe do que realmente pensamos. Mas isso não depende apenas de nós, é um conjunto de fatores. De uma coisa temos absoluta certeza: continuaremos a trabalhar da mesma forma que sempre trabalhamos para engrandecimento do teatro piauiense.”

Hoje a Academia de Letras do vale do Longá é um teatro de portas abertas para receber no seu palco um grande Autor e Diretor para os aplausos de todos vocês. Obrigado, meu amigo Ací Campelo, por não ter desistido, por ter persistido no sonho da imortalidade acadêmica.       Convido a todos para se unirem a mim, à Dona Joana, a Seu Lívio, lá do Oriente Eterno, em aplausos ao mais novo imortal da ALVAL, Ací Campelo.

 

Francy Monte é poeta, compositor, músico e membro da Academia de Letras do Vale do Longá.