Igreja de Santo Antônio de Pádua, em Jerumenha
Igreja de Santo Antônio de Pádua, em Jerumenha

Reginaldo Miranda*

Desde cedo Francisco Xavier de Brito, ingressou na carreira militar e fez-se aliado da Casa da Torre, participando ativamente de várias campanhas ao lado dos coronéis Francisco Dias d’Ávila e Garcia d’Ávila Pereira, primeiro pelo sertão do rio São Francisco e depois pelo Piauí.

Passou a atuar no sul do Piauí desde o início da era dos mil e setecentos, tendo acompanhado Antônio da Cunha Souto Maior, quando este foi chamado para combater os indígenas rebelados no norte do Piauí e Maranhão. No início do verão de 1707, Souto Maior deixa suas fazendas no centro-sul do Piauí e parte à frente de numerosa tropa para o norte, fundando arraial na margem esquerda do rio Parnaíba, onde hoje se situa a cidade de São Bernardo do Maranhão. Fora convocado pelo governador Cristóvão da Costa Freire (21.1.1707 – 18.6.1718), que o nomeou para o posto de mestre-de-campo da conquista do Piauí e Maranhão. Nessa mesma época, Francisco Xavier de Brito foi provido pelo mesmo governador para o posto de sargento-mor da referida conquista do Piauí e Maranhão. O ato de nomeação atendia ao seu honrado procedimento e ao serviço que tinha feito no sertão da dita capitania e na guerra que foi dar ao gentio de corso, em cuja jornada fez considerável despesa de sua fazenda, segundo o ato de nomeação. Portanto, atesta esse provimento que ele já vinha prestando serviços no Piauí e Maranhão desde muitos anos, razão pela qual foi confirmado no dito posto por Sua Majestade por carta patente de 16 de março de 1712[1].

Portanto, exercitando essa patente em 1714, por ocasião do Levante Geral dos Índios ou Revolta de Mandu Ladino, foi à Bahia e retornou ao território do Piauí liderando um troço de militares e indígenas aliados a fim de dar combate aos rebeldes, garantindo, assim, a segurança das fazendas e integridade do rebanho da Casa da Torre e de seus rendeiros. Em concerto com Miguel de Abreu Sepúlveda, velho morador do Piauí, fundou no baixo Gurgueia, o Arraial de Santo Antônio de Pádua, em 13 de junho daquele ano. Em face de sua atividade naqueles sertões, cedo entrou em choque com o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, sucessor de Souto Maior, que havia sido morto pelo indígenas rebelados.

Mas quem era esse personagem polêmico de nossa história? Qual sua procedência e raízes genealógicas? Uma pista importante aparece no desabafo do governador do Maranhão e capitão-general do Estado, João da Maia da Gama (19.7.1722 – 14.4.1728), assim se reportando:

“Sargento-mor da conquista e procurador da Casa da Torre, também facinoroso e criminoso com crime de morte. Ficaria o Piauí seguro para muitos anos se prendesse também o dito Francisco Xavier de Brito e a Miguel de Abreu Sepúlveda também facinoroso ... e este tal Francisco Xavier, assim criminoso, quer o governador-geral Alexandre de Sousa[2], fazer mestre de campo da conquista, como tratou comigo, querendo injustamente incapacitar o marechal de campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, para fazer ao tal mulato, por se chamar filho de seu sogro André de Brito, e se achar hoje com fazenda, e certamente o leva a mal e haverá uma revolução no Piauí, porque lhe não hão de querer obedecer, o que se deve evitar” (Diário de viagem do governador Maia da Gama – 1728).

Portanto, o governador Maia da Gama indica o nome de seu pai, de quem herdou o apelido familiar, deixando subentendido que não era filho do casal, mas mulato, ou seja, filho deste senhor com uma negra. Era, pois cunhado, do governador-geral Alexandre de Souza Freire, de quem recebia favores. Era, pois, reconhecido pelo genitor, que o encaminhou para a carreira militar e o aproximou dos abastados senhores de Casa da Torre.

Com base nessas informações podemos afirmar que o sargento-mor Francisco Xavier de Brito, nasceu na cidade da Bahia, filho do Provedor-mor da fazenda e da Alfândega[3] da Bahia, André de Brito de Castro[4], militar de projeção, abastado criador, senhor de engenho, fidalgo cavaleiro da casa real, cavaleiro da Ordem de Cristo e familiar do Santo Ofício; neto paterno de Antônio de Brito de Castro (2.º), natural de Braga[5], comendador da Ordem de Cristo, senhor da vila de Santo Antônio, proprietário do ofício de Provedor-mor da Fazenda e da Alfândega, que recebeu de dote por casar-se em 1640 com D. Leonor de Brito, esta natural da Bahia, filha do Dr. Sebastião Parvi de Brito, natural de Évora, antigo proprietário daquele ofício, ouvidor-geral da Bahia, e de D. Joana de Argolo, natural da Bahia; bisneto de Francisco de Brito de Sampaio, natural de Braga e de sua mulher Suzana Barbosa, natural de Barcelos; trineto de Antônio de Brito de Castro (1º) e de sua mulher D. Antônia de Sampaio, esta filha de Antônio Mendes de Vasconcelos e de sua mulher Isabel Pereira, dama do paço. Esse trisavô Antônio de Brito de Castro, lusitano, capitão de infantaria e cavaleiro professo da Ordem de Cristo, foi o pioneiro da família na Bahia, onde chegou no ano de 1625, em companhia de seu irmão Mateus Pereira de Sampaio, integrando a armada real que veio combater os holandeses, em cujos combates pereceu seu irmão.

Conforme se disse, desde muito moço Francisco Xavier de Brito assentou praça de soldado nas tropas regulares da Bahia, de onde foi sendo graduado até alcançar a patente de sargento-mor, hoje correspondente a major. Depois de chegar ao Gurgueia com aquela tropa formada na Bahia, com 340 membros, entre soldados e indígenas aliados, sua primeira diligência foi o combate aos índios jaicós e seu aldeamento[6]. Para isto se uniram à tropa do coronel Antônio Borges Marim, que naquele mesmo momento chegava de Itabaiana, em Sergipe, também com numerosa tropa e subiram pelo vale do rio Parnaíba acima até alcançar aquela nação indígena e retorná-la ao grêmio da Igreja, sendo aldeados em terras daquele coronel.

E prossegue o sargento-mor Francisco Xavier e Brito, associado a Miguel de Abreu Sepúlveda, no combate aos indígenas revoltados até o fim daquele levante, em 1718. Segundo Maia da Gama, em princípio daquele ano, o governador-geral Alexandre de Sousa queria fazê-lo por mestre-de-campo da conquista[7], em lugar de Bernardo de Carvalho.

Continuava o sargento-mor Francisco Xavier de Brito, no exercício de sua atividade militar e na chefia do Arraial do Gurgueia, recusando a submeter-se à liderança do mestre-de-campo, cuja patente lhe era superior, o que gerava constantes conflitos hierárquicos. Em janeiro de 1721, este informa ao rei sobre a situação dos índios e ações do sargento-mor Francisco Xavier de Brito. Em 24 de maio do mesmo ano, por instâncias do mestre-de-campo, o governador do Maranhão notifica Brito a cessar a guerra contra o elemento indígena, a tempo que este se encontrava com 300 homens e 500 bois para o seu sustento. Em resposta a esta notificação o coronel Garcia d’Ávila Pereira peticiona ao rei, relembrando os serviços prestados e defendendo o direito de seus procuradores.

É que além de combater os indígenas, Francisco Xavier também defendia os interesses da Casa da Torre, intimidando os rendeiros que se negassem a pagar a renda anual ou contestassem os títulos daqueles. Foi o período de esplendor da Casa da Torre no Piauí, depois entrando em declínio.

Francisco Xavier de Brito, morador no Arraial do Gurgueia, combateu indígenas e defendeu os interesses da Casa da Torre, de que era procurador, mas também situou fazendas para si, no fertilíssimo vale do rio Gurgueia e adjacências. Mai tarde, passa a morar numa dessas fazendas, denominada Brejo, onde constitui família natural.

Com a morte do antigo mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior e depois também de seu irmão o capitão-mor Pedro da Cunha Souto Maior, o sargento-mor Francisco Xavier de Brito, foi instituído como testamenteiro de ambos, juntamente com Francisco Correia de Brito, talvez seu parente. Esse fato é mais uma mostra de que no início daquele século Xavier combatia ao lado dos Souto Maior. No entanto, em 19 de agosto de 1726, Maria Ana Luísa da Cunha de Souto Maior, residente em Viana do Castelo e irmã de ambos, cobra o resultado do inventário e prestação de contas da testamentaria[8].

Depois de ter direcionado toda a sua atividade laborativa no comando de tropas do Real Serviço, pelo engrandecimento do Estado, na defesa do patrimônio privado da Casa da Torre, de que foi procurador, e na implantação de fazendas, teve o sargento-mor Francisco Xavier, morte trágica e covarde, sendo assassinado em sua fazenda do Brejo, por seus próprios escravos, tendo por autores intelectuais sua concubina Custódia de Almeida e o filho Estêvão. Segundo o ouvidor-geral José de Barros Coelho, em carta[9] ao rei datada de 4 de setembro de 1732, o sargento-mor da conquista, Francisco Xavier de Brito, foi alvejado com um tiro, à noite, em sua fazenda do Brejo, falecendo oito dias depois. Com o decorrer das investigações descobriu-se ser autor do disparo seu escravo por nome Ignácio e mandantes a concubina Custódia de Almeida, com quem a vítima tivera cinco filhos, inclusive o primogênito Estêvão, que em conluio com a mãe participou da autoria intelectual do delito, dando as balas ao agressor. Embora tenham tentado resistir à prisão, foram todos os acusados presos e recolhidos à cadeia da vila da Mocha.

Com essas notas resgatamos a memória desse aguerrido e polêmico militar que muito contribuiu na conquista do território piauiense, combatendo indígenas e situando fazendas. Também, foi elemento decisivo na fundação do Arraial do Gurgueia, hoje cidade de Jerumenha, para onde levou 340 indígenas a soldo da Casa da Torre e deu início à povoação.

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: [email protected]

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 


[1] PT/TT/RGM/C/0005/42537. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 5, f. 263v

 

[2] Alexandre de Sousa Freire (1670 – 10.11.1740), filho de Bernardim de Távora e Sousa, senhor de Mira e de d. Maria de Sousa.

[3] Mais tarde (1701) esse ofício de Provedor-mor da Fazenda e da Alfândega, foi dado em dote a Alexandre de Sousa Freire, por casar-se com d. Leonor Maria de Castro, única filha legítima do antigo proprietário do ofício, cujo cargo era comunicado por dote desde o início da colonização (Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo LII – Parte 1ª – Rio, 1889)

[4] Era irmão de Antônio de Brito de Castro (3º) e de Sebastião de Brito de Castro, familiares do Santo Ofício. Natural de Braga, mas radicado na Bahia, onde integrava uma família de ricos e influentes proprietários ali radicada desde o entorno de 1620. Fora casado com d. Francisca Maria Duarte (2º casamento desta, viúva de André da Costa de Barros, abastado negociante), filha do português capitão de infantaria, Sebastião Duarte, que embora de origem modesta ascendeu social e economicamente, sendo proprietário de um navio que fazia viagens comerciais para o Brasil, e de sua espoa Helena Leite (SANTOS, Fabiano Vilaça dos. Redes de poder e governo das conquistas: as estratégias de promoção social de Alexandre de Sousa Freire. Tempo – Niterói on line, vol. 22, n. 39, p. 31-50. Jan-Abril, 2016).

[5] PT/TT/TSO-CG/A/008-001/1142. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, António, mç. 26, doc. 716; PT/TT/TSO-CG/A/008-001/552. Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, André, mç. 4, doc. 81.

 

[6] AHU. ACL. CU 016. Cx. 1 – Doc. 27. AHU. ACL. CU 015. Cx. 37. D. 3312. AHU. ACL. CU 015. Cx. 18. D. 1764. COSTA, F. A. Pereira da. Cronologia histórica do Estado do Piauí. Vol. 1. 3ª Ed.. Coleção centenário 17. Teresina: APL, 2015.

 

[7] op. cit, pag. 47.

[8] AHU. ACL. CU 009. Cx. 15. D. 1534.  

 

[9] AHU. ACL. CU 016. Cx. 2. D. 100.