Do alto de uma arvore, à beira do lago, onde fica a fonte dançante, do parque do Ibirapuera, o Sabiá observava por entre as folhas, um jovem rapaz, que soluçava sem parar e seu pranto sentido, tocava fundo o coração sensível do pequeno pássaro cantor. Em meio aos soluços, ele dizia ao vento, com voz engasgada, que a jovem por quem ele se apaixonou, não iria com ele ao baile de formatura da faculdade, se ele não desse a ela, um presente muito especial. Ela havia pedido a ele, uma rosa muito difícil, quase impossível de se encontrar. Ela queria uma rosa branca, com manchas vermelhas, dizendo que ou ele lhe traria este presente, ou então, ela iria ao baile tão sonhado pelo jovem, com outro rapaz. E lá, embaixo daquela arvore, ele continuava a chorar e dizer ao vento, que havia procurado desesperadamente em todos os cantos de São Paulo, até mesmo nas floriculturas em frente ao cemitério da Consolação, mas sua busca havia sido em vão. E agora, triste, cansado, sem saber mais o que fazer para encontrar a tão desejada flor, ali estava ele, sentado, olhando a fonte bailarina, dançando sua dança silenciosa e sem fim, com os olhos cheios de lágrimas e uma dor imensa em seu coração.
O Sabiá, ouvindo ele dizer aquilo, ficou extasiado, sim, porque ele e todos os seus ancestrais, noite após noite, dia após dia, ao longo dos tempos, viveram para cantar, com todo sentimento, para os verdadeiros amantes que nos dias de hoje, são tão difíceis de se encontrar, mas ali afinal estava um, bem diante de seus olhos. Emocionado com o sofrimento do rapaz, ele resolveu que iria, a qualquer custo, ajuda-lo a conseguir a tão desejada flor. E após algum tempo, o jovem, cansado de chorar, exausto de tanto andar pela cidade, ouvindo o som calmo e relaxante das águas dançantes, entregou-se aos braços de Morfeu e adormeceu à sombra da árvore. O pequeno Sabiá voou de seu galho e pousou ao lado do rapaz e aproximando-se de seu ouvido, penetrou em seus sonhos com sua voz melodiosa, dizendo a ele que não precisava mais chorar, porque quando acordasse, a rosa tão desejada, estaria em suas mãos e então, ele poderia ser feliz para todo o sempre, ao lado de seu grande amor.
E enquanto o jovem dormia, o pássaro cantor levantou vôo e começou sua jornada pelo parque, à procura da tão desejada flor. Sua sombra causada pelo sol da tarde, era vista por todos os animaizinhos do parque e ele voava, de lá para cá, por todos cantos, de galho em galho, de roseira em roseira, mas nada encontrou. Por um estranho mistério, nem mesmo uma rosa comum podia ser vista em todo o parque do Ibirapuera. Cansado de voar, ele pousou numa velha roseira, quase seca e cheia de espinhos enormes e pontudos e começou a cantar. Mas naquele momento, ele que sempre foi um cantor dos amantes apaixonados, cantava uma canção triste e sentida, porque ele não via solução para ajudar o jovem rapaz, o amante verdadeiro, que apareceu em sua frente, quase que por milagre, já que verdadeiros amantes, quase não existem mais. Ouvindo seu pranto em forma de canto, a velha roseira perguntou ao pequeno Sabiá, o porque dele estar tão triste e o pequenino contou a ela sobre o jovem rapaz, que estava adormecido sob a sombra de uma arvore, à beira do lago.
Ele contou à velha roseira, que a sua amada havia pedido a ele uma rosa muito especial, quase impossível de ser encontrada e se ele não desse ela este presente, ela não iria com ele ao baile, mas sim com outro rapaz. Mas o pássaro cantor não se conteve e disse a ela, que daria até mesmo sua própria vida, para salvar um grande amor. A velha roseira, pensou muito, ponderou as conseqüências, mas ela como roseira, sabia da importância de uma flor, na dança do amor e resolveu ajudar o pequeno em sua missão quase impossível, de ajudar o rapaz. Foi então que ela disse ao Sabiá, que havia um jeito de conseguir a rosa branca, manchada de vermelho, mas para isto, teria que fazer o maior sacrifício do mundo, abrindo mão de sua própria vida. O Sabiá desesperado para ajudar o amante verdadeiro e salvar seu grande amor, disse a ela que faria o que fosse preciso, mesmo que tivesse que dar em troca sua própria vida, em nome do amor. A roseira viu que no coraçãozinho daquele Sabiá, havia na verdade, toda a essência e pureza do amor e emocionada com a atitude do pequeno cantor, disse a ele que para se conseguir uma rosa branca, manchada de vermelho, ela não precisaria ir muito longe, que bastava ficar em seus galhos e quando o sol começasse a se esconder, ele teria que escolher dentre seus galhos, o mais comprido e afiado espinho, e ficando com seu peito em frente a ele, teria que começar a cantar como nunca o fez em homenagem ao amor.
E cantando sem parar, teria que encostar seu peito no espinho, bem na direção de seu coração e ir forçando a entrada dele em seu corpo, até que por fim, o espinho comprido e afiado, rasgando sua carne, atingisse seu coração. Ela disse a ele que este era um velho encanto, uma magia antiga conhecida apenas por aqueles que são instrumentos do amor e que seu sacrifício era necessário, porque somente o sangue vermelho, do mais puro coração de um Sabiá, poderia ter a força e a magia de fazer brotar e desabrochar, nos galhos velhos e cansados dela, uma rosa branca, manchada de vermelho, em nome do amor. O Sabiá disse a ela, que amava muito a vida, ele amava o sol, a lua, as estrelas, o Parque do Ibirapuera inteiro com suas flores, lagos e arvores, amava as pessoas que vinham passear lá todos os dias e ficava fascinado nas noites em que a fonte era iluminada e dançava, tal qual uma bailarina, ao som das mais belas músicas, encantando a adultos e crianças, mas afinal, o que era um minúsculo coraçãozinho de um pássaro, comparado à grandeza, dos corações de duas pessoas que se amam? A roseira então disse a ele que tudo que deveria ser feito, tinha que ser com muita precisão.
Ele teria que fazer este sacrifício ao cair da noite, quando ele teria que começar a cantar e continuar sem parar, forçando a entrada do espinho em seu peito, em direção ao seu coração, e isto, sem muita demora, pois se pela manhã o sol surgisse no horizonte, iluminando o céu e a terra, o encanto seria quebrado e tudo teria sido em vão. Ele ouviu tudo com muita atenção e disse a ela que iria dar um ultimo vôo sobre o parque, para se despedir de tudo que ele amava e batendo suas pequeninas asas marrons, ele se foi. Mais uma vez, sua pequenina sombra passava por cima de todos os lugares que ele tanto amava e os pequeninos animais do parque, os lagartos, as borboletas, os cisnes e os gansos dos lagos, pareciam fazer uma reverencia com sua passagem, era como se todos eles soubessem o que iria acontecer e estivessem querendo dizer a ele, que neste mundo, não havia ninguém mais como ele, que tivesse a coragem de fazer tão grande sacrifício, em nome da felicidade de outra pessoa. Depois de algum tempo, o pequenino voltou à velha roseira e se colocou em frente ao maior e mais afiado espinho que encontrou. A noite foi chegando e com ela, ele começou a cantar como nunca, enquanto forçava seu peito lentamente, contra a ponta afiada do espinho, que seguia seu caminho, causando uma imensa dor, rumo ao seu coração.
A lua veio, as estrelas também, e naquela noite, elas foram testemunhas daquele ato de amor do pequeno pássaro cantor. E ele cantava e cantava incessantemente e seu canto, cada vez mais alto de tanta dor. Num certo momento, quando a dor atingiu o seu auge, seu canto que na verdade havia se tornado um pranto de dor, foi ouvido em todo lugar. Nos outros parques da cidade, nas casas e apartamentos, nas ruas e avenidas, até mesmo nos lugares mais tenebrosos, como os esgotos da cidade, onde vivem os ratos e outros bichos que nem serquer imaginamos que lá estão. Não houve uma só alma viva que não fosse tocada por aquele canto, tamanha sua emoção, afinal, ele cantava com todo seu coração em nome do amor, mas sofria ao mesmo tempo uma imensa dor, mas para ele, tanta dor, tanto sofrimento, era por uma boa causa, uma causa justa, pelo bem de duas pessoas que se amam, em nome do amor. O tempo foi passando, a dor foi ficando insuportável e o sol não iria demorar a aparecer. Foi então que ele se lembrou do que lhe disse a velha roseira sobre a questão de tempo e ele não poderia deixar que o encanto se quebrasse, quase tão perto de ser concretizado, e num gesto de desespero, usando as ultimas forças que tinha, fez o espinho atravessar, o seu coração.
O sol foi nascendo no horizonte, por trás dos arranha céus da cidade, e com ele, no galho daquela roseira seca e quase sem vida, pendia o corpo sem vida do pequeno Sabiá, com seu peito perfurado por um dos espinhos, mas mesmo diante daquela imagem triste, no galho logo abaixo de onde ele estava, havia florescido a rosa mais bela já vista em toda a cidade de São Paulo. Ela era branca, com manchas vermelhas, exatamente como era desejada, como tinha que ser. No parque do Ibirapuera, a natureza acompanhada por todos os animais, chorava a perda do Sabiá, o pássaro cantor que alegrava suas vidas e trazia a paz e o romance que os namorados procuravam À sombra das arvores para namorar. Um velho cisne, um ancião do lugar, se lembrou de que há muito tempo atrás, o avô do Sabiá, que vivia do outro lado do Oceano, também havia morrido daquela forma e desde então, a roseira onde ele morreu, não mais floresceu e conhecedor da causa que levou o pequenino a se sacrificar, apanhou a rosa com seu bico forte e a carregou até onde o jovem estava, ainda adormecido, e a colocou em suas mãos, exatamente como o pequeno Sabiá havia dito no ouvido do rapaz, enquanto ele sonhava e o que ele disse, se tornou realidade.
Quando o jovem abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi a rosa, exatamente como havia sido pedida pela mulher que ele tanto queria na vida. Sem compreender as causas do que estava acontecendo, ele esqueceu de tudo, correu para casa, tomou um banho, vestiu-se com sua melhor roupa e foi direto para a casa de sua amada, com a mais profunda felicidade estampada em seu rosto. Afinal, ele havia conseguido a rosa e agora, sem dúvida nenhuma, ela iria ao baile com ele. Cheio de excitação, ele sonhava de olhos abertos, que quando estivessem dançando, ele poderia sentir o corpo dela em seus braços, poderia sentir o perfume de seus cabelos e dizer em seu ouvido, que ele a amava, mais do que tudo em sua vida. Mas o destino nos prega muitas peças, muitas vezes, o que achamos ser real é só utopia, pois quando chegou na casa dela, ela estava no jardim, nos braços de outro, eles se beijavam e ela sorria, chamando o rapaz, de meu amor. Nada neste mundo poderia tê-lo ferido tão profundamente, foi como uma punhalada certeira em seu coração. Ele ficou parado, olhando a cena e em certo momento, ela se levantou de onde estava com o seu namorado, e dirigiu-se a ele, com um sorriso cínico estampado no rosto, perguntando o que fazia lá. Quase sem palavras, ele respondeu com voz embargada, que tinha vindo lhe trazer o presente que ela lhe pediu. Ela não se conteve diante da simplicidade do rapaz, riu, dizendo que ele deveria ser um retardado, pois era evidente que ninguém neste mundo, iria acreditar que uma garota nos dias de hoje, iria a um baile, ou ficaria com um cara, por causa de uma flor.
Ele não disse nada, apenas baixou os olhos enquanto ela dizia que ele era um babaca, um duro que nem carro tinha e que o seu novo namorado tinha uma Ford Eco Sport e que era muita pretensão dele, achar que ela poderia ficar ao seu lado, por causa de uma flor ridícula, idiota e sem valor. O rapaz virou-se lentamente enquanto ela continuava a ofende-lo e seguiu seu caminho, sem olhar para trás e enquanto ele caminhava, pensava nos sofrimentos pelos quais passou, imaginando o que seria de sua vida, se ele não conseguisse aquela flor e agora, ela não tinha o menor valor, porque afinal, aquela mulher que lhe fez um pedido tão especial, não tinha coração, ela era fria e sem sentimentos, apenas fez o pedido como um pretexto para mantê-lo longe dela e depois humilhá-lo, rindo de sua pureza e ingenuidade. E enquanto ele andava, a rosa branca, manchada de vermelho, foi deixada cair na calçada fria de cimento, sendo chutada por alguém para o meio da rua, onde um ônibus lotado a esmagou, quando passava por lá.
Desta estória, nem sequer uma rosa sobrou, um pássaro cantor que alegrava a vida dos casais de namorados no parque do Ibirapuera, morreu para ajudar um verdadeiro amante a salvar seu amor, mas seu sacrifício foi em vão, porque na verdade, o amor não existia, era fruto da imaginação. O coração de um rapaz foi partido, ele sofreu muito e a dor dele foi quase insuportável, mas ele amadureceu. Ele compreendeu ao longo da vida, que existe uma enorme diferença, entre um amor e uma paixão, e que muitas vezes, levados pelo delírio do apelo sexual, pelos instintos e seus desejos desenfreados, que nos obcecam e nos entorpecem, como drogas poderosas das quais criamos dependência física e psicológica, somos levados a crer que amamos, mas o que ocorre na verdade, é que confundimos nossos sentimentos, com resultados imprevisíveis, muitas vezes desastrosos, mas que principalmente, ficamos cégos, não de uma cegueria de origem física, mas é uma incapacidade de se ver diferente, porque ela nos deixa enxergar o que se passa à nossa volta, mas não o que há na verdade, dentro de nossos corações. Neste tumulto de sentimentos e emoções, o cérebro, desprovido do conhecimento do que realmente há dentro de nossos corações, não consegue diferenciar o bem do mal. Ele se perde entre a realidade da fantasia, mas a coisa mais importante de todas, é que ele não consegue compreender, nem discernir, qual a diferença que há, entre o amor e a paixão.
A roseira, bem, ela ainda existe até hoje, em algum lugar escuro do parque do Ibirapuera, ela nunca mais floresceu e a fonte, ela ainda dança, tal qual uma bailarina, ao som das mais belas músicas, alegrando a todos que freqüentam o lugar. Ela é tão linda, que à noite, quando iluminada, é uma visão maravilhosa, difícil de se esquecer quando se vê. Tudo lá permanece igual, os mesmos lagos, as mesmas arvores, as mesmas flores, as mesmas aves e os mesmos animais, as pessoas vão até lá todos os dias para caminhar, para andar de bicicleta, para correr ou apenas relaxar, mas para a tristeza dos namorados, lá não mais existe, desde aquele dia fatídico, um pássaro muito especial, um pequeno cantor, um ser romântico e fiel aos verdadeiros amantes e que a vida inteira acreditou no amor. Por causa de um equivoco fatal, cometido por aqueles que não conseguiram reconhecer a diferença, entre o amor e a paixão, já não se ouve mais nas arvores do parque, o canto mágico e romantico, do pequeno Sabiá.
Autor: José Aráujo
Fotografia: O Sabia – Fotógrafo: José Araújo"
(http://imagens-e-reflexoes.blogspot.com.br/2008/07/o-pequeno-sabi.html)
(*) - "José Araújo é autor dos livros Por Um Mundo Melhor, Sentimentos e Emoções, Haras- Uma História de Amor, ganhador do prêmio melhor romance de 2011, Identidade – Biografia Poética do Meu Coração, Coração Apaixonado - Poemas de Amor e Paixão, Livre Para Voar - Poemas, Os Elfos de Paranapiacaba, Doce Maldição, Esmeralda - O Mistério de Lemuria, Avenida Paulista – O Mistério do Casarão, participou dezenas de antologias no Brasil e exterior e dentre elas, as antologias Casa do Poeta Rio-Grandense 46 anos -2010 e 47 anos -2011, Antologia Una Mirada al Sur - Buenos Aires- Argentina, antologia Expressões, Paris- França, do livro infantil Histórias Para Você Dormir 3- Paris- França.