0

 

[Flávio Bittencourt]

Roman Jakobson

Ele definiu as Funções da Linguagem.

(Com a colaboração de Luciana C. Bittencourt)

 

 

 

 

 

 

 

 

Haicai do dia: 

 

Guri Osipovic,

Professor Ramon Jakobson:

Funções da Linguagem.

 

 (Flávio Bittencourt,

hoje.)

 

 

 

IRENE MACHADO ESCREVEU:

"A juventude em Moscou

Nascido em Moscou a 11 de outubro de 1896, filho de engenheiro químico e proeminente industrial, Roman Osipovic Jakobson cresceu e conviveu com a intelectualidade russa anterior à Revolução. Desde cedo revelou interesse pelos estudos comparativos. Quando contava dez anos de idade seu professor de gramática exigia que seus alunos entendessem os significados das flexões da língua russa. Para Jakobson a exigência do mestre estava longe de ser imposição; era um exercício que ele fazia com entusiasmo. Elaborava longas listas anotando as várias significações como quem encontra os tesouros de sentido.

Em 1914, Jakobson inscreveu-se no Departamento de Eslavística da Universidade de Moscou onde lingüística era disciplina básica. Os estudos de literatura abrangiam não só as manifestações da escrita mas também a poesia oral e o folclore. Movido pela mesma paixão, tanto para o estudo da poesia oral como para o conhecimento da poesia experimental da nova geração da poesia simbolista, Jakobson amadureceu a idéia dos estudos interdisciplinares entre lingüística e poética. Os sons da língua eram um enigma a ser decifrado. É no caminho aberto pelos artistas de vanguarda que Jakobson começa a formar suas idéias teóricas. Data desse mesmo ano, o primeiro ensaio de Jakobson: uma carta aberta ao poeta V. Khliébnikov apreciando as ousadas experiências de jogos verbais e fonéticos de sua poesia. Dois anos mais tarde, Jakobson realiza uma experiência com a poesia zaum, explorando a relação som e sentido na linguagem. O conceito de fonema que seria formulado mais tarde nasce no bojo dessas investigações.

Em 1915, os estudantes fundam o Círculo Lingüístico de Moscou. O objetivo era dar continuidade às pesquisas e sistematizar as descobertas sobre os problemas lingüísticos da linguagem prática e poética. Um ano depois, os então estudantes Jakobson, Victor B. Chklóvski (1893-1984), Boris Eikhenbaum (1886-1959) entre outros, iniciam alguns encontros que definiriam os rumos da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética, a Opoiaz (Óbchchestvo po izutchéniu poetítcheskovo iaziká) na Universidade de Petersburgo. A atividade conjunta de críticos e criadores deu origem ao polêmico movimento chamado Formalismo Russo. Nele Jakobson participou ativamente, até os trabalhos formalistas caírem no descrédito dos adversários.

Num clima de desagravo e desafeto, em 1920, Jakobson aceita o convite para ensinar na Universidade de Praga onde encontra um ambiente mais propício para continuar suas pesquisas. Dez anos depois, no acirramento das mesmas contradições, o poeta Maiakóvski despede-se da vida. No texto que escreveu sobre o suicídio do poeta e amigo querido, Jakobson exercita sua capacidade de ver concretamente a vida na história e a história na vida.

O período das peregrinações e a consolidação da fonologia

Em Praga, Jakobson inicia estudos sobre a cultura tcheca, seu verso comparado ao verso russo. Tem início os trabalhos de sistematização dos elementos fônicos da língua através de um tratamento científico em que se considera a ligação recíproca entre o som e o sentido base de uma nova disciplina teórica: a fonologia. Seus estudos progridem em meio a uma pesquisa coletiva e suas investigações entram na fase da maturidade científica. Juntamente com Trubietzkói realiza as pesquisas que marcariam o nascimento da fonologia, cujas bases teóricas eram herança do que havia sido plantado no solo russo. Nele se define o fonema como unidade mínima da língua capaz de diferenciar as significações e as palavras. Mais tarde Jakobson completa o conceito e fonema é definido como feixe de traços distintivos para diferenciar significações.

Em 1939 Jakobson deixa a Tchecoslováquia fugindo da invasão nazista e da perseguição aos judeus. Refugiou-se na Escandinávia e participa do Círculo Lingüístico de Copenhague, onde continua insistindo na necessidade de tratar rigorosamente a substância fônica da língua como objeto privilegiado de estudo na teoria fonológica. A ocupação da Noruega pelos nazistas impediu a realização do projeto. Na Suécia aproveitou o contado com médicos para estudar os avanços que a fisiologia realizava para desenvolver um estudo iniciado na década de 30: uma análise lingüística da afasia.

Os estudos interdisciplinares e o encontro com a semiótica

Jakobson transferiu-se para Nova Iorque a convite da Escola Livre de Altos Estudos, fundada por um grupo de cientistas franceses e belgas ali refugiados. Em suas aulas surgiram figuras com futuro promissor como o antropólogo Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e o lingüista brasileiro J. Mattoso Câmara Jr. (1904-1970).

Em 1949, transfere-se para Cambridge, Massachusetts, onde foi nomeado professor de língua e literatura eslavas na Universidade de Harvard e, mais tarde, professor de lingüística geral. Tornou-se presidente da Sociedade Americana de Lingüistas em 1956 e, um ano depois, o primeiro cientista nomeado simultaneamente, junto com sua cátedra em Harvard, Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Lá organizou o Centro de Ciências da Comunicação, com um núcleo de pesquisadores atuando nas áreas de lingüística e matemática. No período de 1966 a 1969 ele esteve vinculado ao Salk Institute for Biological Studies e ao Center for Cognitive Studies at Harvard. O saldo positivo desses estudos foi a possibilidade de entender a linguagem na cadeia das outras atividades humanas.

Jakobson inicia uma revisão da doutrina saussuriana orientando-se pelas descobertas da teoria da informação e da comunicação de C. Shannon (1916) e W. Weaver (1894-1978). A linguagem é redefinida como meio de comunicação interpessoal e intersubjetiva que opera entre falantes e ouvintes. Seu aprendizado e sua sobrevivência dependem do diálogo. Entre a língua e a fala existe uma interdependência mútua, não dicotômica, como acreditava Saussure. A língua existe para a construção de instâncias da fala; o funcionamento da fala depende da língua. Conhece a a cibernética de Norbert Wiener (1894-1964) que lhe ajudou a estudar o mecanismo da finalidade na linguagem, arranque final para a classificação das funções da linguagem.

Nos anos 50, Jakobson descobre os trabalhos de Charles Sanders Peirce, para ele "o mais inventivo e universal pensador americano". As idéias de Peirce, sobretudo aquelas que se referem aos elementos icônicos da linguagem, põem em xeque a arbitrariedade do signo lingüístico. Sua noção de interpretante firma a semiótica como um processo dinâmico em que a essência do signo é a interpretação, quer dizer, sua tradução em outro signo. Desse contato, nasce a necessidade de uma teoria semiótica que firmasse a linguagem como instrumento de comunicação e sistema semiótico humano por excelência.

É com a mentalidade interdisciplinar que Jakobson se volta para sua antiga paixão: a fonologia. Sua pesquisa segue um outro caminho: o estudo dos traços distintivos do sistema fônico à luz de seu efeito acústico. Juntamente com Morris Halle, desenvolve uma pesquisa em que os meios acústicos são usados para a análise da percepção e diferenciação das palavras. Após descrever o sistema de percepção acústica em termos de variantes e invariantes, Jakobson afirma a multifuncionalidade do som da fala na língua.

O espírito inquieto do futurista Jakobson dos anos 10 continua vivo quando Jakobson se torna um octogenário. Mesmo de longe, acompanhou os trabalhos da Escola de Tártu-Moscou, recebendo homenagens em várias de suas publicações. A presença dos conceitos jakobsonianos na semiótica da cultura é inequívoca. Seu trabalho de palavra sobre as palavras, sua paixão pela língua entre as linguagens, pelo papel supremo da língua em sua múltipla relação criadora com outros signos, tornam-se o legado de Jakobson para as gerações posteriores. A morte de Jakobson em Cambridge, Massachusetts, em 18 de julho de 1982, com a idade de 85 anos, não apagou esse legado que continua em expansão. Seu trabalho interdisciplinar, interpessoal, intersemiótico deixou uma responsabilidade imensa para os seus interlocutores posteriores.

Jakobson no Brasil

Como imaginar que um teórico de um país, uma cultura, uma língua não acessível aos brasileiros, pudesse marcar uma presença tão forte em nosso país? Além de fornecer instrumental teórico de análise da poesia, Jakobson dialogou com nossos teóricos. Jakobson esteve no Brasil nos anos 70, era amigo do professor Boris Schnaiderman, tradutor e introdutor dos estudos sobre os poetas e teóricos russos no Brasil e durante muitos anos manteve um diálogo intenso com o professor, poeta e ensaísta Haroldo de Campos. Dificilmente é possível ignorar as contribuições de Jakobson quando se trata de refletir sobre: a estrutura e a fonologia da língua portuguesa realizada pelo lingüista e discípulo Joaquim Mattoso Câmara Jr.; a unidade na variedade lingüística do português brasileiro; a poética sincrônica e os rumos da história textual; as funções da linguagem nas práticas discursivas; a metalinguagem e a dialogia dos signos nas culturas. A grande contribuição de Jakobson para o ensino de língua portuguesa em seu funcionamento não está na gramática descritiva e sim no estudo das funções da linguagem.

Ainda que o nome de Jakobson não apareça em muitos dos livros e manuais didáticos diretamente relacionados com o ensino de língua e literatura, suas descobertas são o eixo a partir do qual se pretende capacitar o estudante de um conhecimento lingüístico mais amplo. Um dos primeiros capítulos dos manuais didáticos de língua portuguesa, seja no segundo grau como em cursos superiores, é dedicado à inserção da língua no processo comunicativo mais amplo. O objetivo é mostrar que nele [no ato comunicativo a linguagem pode ser usada nas mais variadas funções, tal como concebera Jakobson].

Não é apenas para o estudo da estrutura sincrônica da língua portuguesa, tal como levou adiante o professor Mattoso, que o princípio das invariantes nas variações de Jakobson prestam sua contribuição. Quando o professor e filólogo Celso Cunha se volta para refletir sobre a "unidade de nossa língua dentro de sua natural diversidade" é em tal princípio que ele busca sustentação teórica. A realidade lingüística do português brasileiro espelha, para o professor Celso Cunha, uma série de diversidades dentro unidade: a expansão da linguagem falada, desde o Brasil colônia, não foi acompanhada pelo desenvolvimento da escrita; a estratificação lingüística dos vários dialetos (regionais, sociais) em contraposição com a "língua dos doutores"; a dinâmica da linguagem das cidades costeiras em contraste com a dinâmica da língua interiorana. Nenhuma política eficiente do idioma pode ser proposta sem levar em conta tal diversidade.

Embora Jakobson nem tenha teorizado diretamente sobre os problemas da textualidade, para esse tema contribui sua concepção de poética sincrônica que, no Brasil, foi estudada por Haroldo de Campos.

Operando a noção de texto na fronteira entre oralidade e escritura, vocalidade e grafismo, similitudes e contigüidades numa intervenção radical sobre o código em suas produções poéticas, Haroldo de Campos reivindica a dimensão sincrônica para rever a história da literatura brasileira, em que os critérios de focalização fosse o diálogo dos procedimentos estéticos.

O que mais interessa destacar nesse momento é que a concepção de uma poética sincrônica define os rumos de uma "história textual": que toma o texto em seus elementos inventivos em que o procedimento é o grande herói da literatura. Na verdade, a história textual concebida no horizonte de uma poética sincrônica cumpre à risca aquilo que anunciara Jakobson em seus estudos de juventude, quando anunciava que o objeto privilegiado da literatura era a literariedade.

Se o grande empenho de Jakobson era a prioridade dos estudos interdisciplinares e a vinculação entre poética e lingüística, também nesse campo os estudiosos brasileiros jamais ignoraram tais preceitos. E foi no Brasil que Jakobson recebeu um epíteto que confere continência ao trabalho do homem que se aventurou pelo universo das relações entre o som e osentido. No ensaio que escreveu quando da vinda de Jakobson para o Brasil, Haroldo de Campos sabiamente o chamou 'o poeta da lingüística'." (IRENE MACHADO)

 

 

27.9.2012 Ele definiu as Funções da Linguagem - Roman Jakobson. (Colega de outros linguistas, ele foi amigo de cineastas e dos artistas surrealistas.)  F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

ROMAN JAKOBSON ESCREVEU:

 

"LINGUISTICA E POÉTICA

Felizmente, as conferências científicas e políticas nada têm em comum. O êxito 

de uma convenção política depende do acordo geral da maioria ou da totalidade de 

seus participantes. O uso de votos e vetos, todavia, é estranho à discussão científica, 

em que o desacordo se mostra, via de regra, mais produtivo que o acordo. O 

desacordo revela antinomias e tensões dentro do campo em discussão e exige novas 

explorações. As conferências científicas se parecem menos às conferências políticas 

que às expedições à Antártida: os especialistas internacionais nas diversas disciplinas 

tentam cartografar uma região desconhecida e descobrir onde se situam os maiores 

obstáculos para o explorador, os picos e precipícios infranqueáveis. Tal cartografação 

parece ter sido a principal tarefa de nossa conferência, e nesse particular seu trabalho 

alcançou pleno êxito. Pois não concluímos quais sejam os problemas mais cruciais e 

controversos? Pois não aprendemos também a cambiar nossos códigos, a explicitar 

ou mesmo evitar certos termos a fim de prevenir mal-entendidos com pessoas que 

usem jargão diferente? Creio que tais questões se apresentam hoje, para a maioria dos 

participantes desta conferência, se não para todos, um pouco mais claras do que há 

três dias atrás.

Foram-me solicitadas observações sumárias acerca da Poética em sua relação 

com a Lingüística. A Poética trata fundamentalmente do problema: Que é que faz de 

uma mensagem verbal uma obra de arte? Sendo o objeto principal da 

Poética as  differentia specifica entre a arte verbal e as outras artes e espécies de 

condutas verbais, cabe-lhe um lugar de preeminência nos estudos literários.

A Poética trata dos problemas da estrutura verbal, assim como a análise de 

pintura se ocupa da estrutura pictorial. Como a Lingüística é a ciência global da 

estrutura verbal, a Poética pode ser encarada como parte integrante da Lingüística.

Devem-se discutir pormenorizadamente os argumentos contrários a tal 

pretensão. É evidente que muitos dos procedimentos estudados pela Poética não se 

confinam à arte verbal. Podemos reportar-nos à possibilidade de converter O Morro 

dos Ventos Uivantes em filme, as lendas medievais em afrescos e miniaturas, ou 

L’aprés-midi d’un faune em música, balé, ou arte gráfica. Por mais irrisória que possa 

parecer a idéia da Ilíada e da Odisséia transformadas em histórias em quadrinhos, 

certos traços estruturais de seu enredo são preservados, malgrado o desaparecimento 

de sua configuração verbal. O fato de discutir-se se as ilustrações de Blake para a 

Divina Comedia são ou não adequadas, é prova de que as diferentes artes são 

comparáveis. Os problemas do barroco ou de qualquer outro estilo histórico 

desbordam do quadro de uma única arte. Ao haver-nos com a metáfora surrealista, 

dificilmente poderíamos deixar de parte os quadros de Max Ernst ou os filmes de 

Luís Buñuel,  O Cão Andaluz e  A Idade de Ouro. Em suma, numerosos traços 

poéticos pertencem não apenas à ciência da linguagem, mas a toda a teoria dos 

signos, vale dizer, à Semiótica geral. Esta afirmativa, contudo, é válida tanto para a 

arte verbal como para todas as variedades de linguagem, de vez que a linguagem 

compartilha muitas propriedades com alguns outros sistemas de signos ou mesmo 

com todos eles (traços pansemióticos).

De igual maneira, uma segunda objeção nada contém que seja específico da 

literatura: a questão das relações entre a palavra e o mundo diz respeito não apenas à 

arte verbal, mas realmente a todas as espécies de discurso. É de se esperar que a 

Lingüística explore todos os problemas possíveis de relação entre o 

discurso e o "universo do discurso": o que, deste universo, é verbalizado por um 

determinado discurso e de que maneira. Os valores de verdade, contudo, na medida 

em que sejam  — para falar com os lógicos  — "entidades extralingüísticas", 

ultrapassam obviamente os limites da Poética e da Lingüística em geral.

Ouvimos dizer, às vezes, que a Poética, em contraposição à Lingüística, se 

ocupa de julgamentos de valor. Esta separação dos dois campos entre si se baseia 

numa interpretação corrente, mas errônea, do contraste entre a estrutura da poesia e 

outros tipos de estrutura verbal: afirma-se que estas se opõem, mercê de sua natureza 

"casual", não intencional, à natureza "não casual", intencional, da linguagem poética. 

De fato, qualquer conduta verbal tem uma finalidade, mas os objetivos variam e a 

conformidade dos meios utilizados com o efeito visado é um problema que preocupa 

permanentemente os investigadores das diversas espécies de comunicação verbal. 

Existe íntima correspondência, muito mais íntima do que o supõem os críticos, entre 

o problema dos fenômenos lingüísticos a se expandirem no tempo e no espaço e a 

difusão espacial e temporal dos modelos literários. Mesmo uma expansão 

descontínua como a ressurreição de um poeta negligenciado ou esquecido  — por 

exemplo, a descoberta póstuma e a subseqüente canonização de Gerard Manley 

Hopkins (m. 1889), a fama tardia de Lautreamont (m. 1870) entre os poetas 

surrealistas, e a notável influência do até então ignorado poeta Cyprian Norwid (m. 

1883) sobre a poesia polonesa moderna  — encontra um paralelo na história das 

línguas correntes, que estão propensas a reviver modelos obsoletos, por vezes de há 

muito esquecidos, como foi o caso do tcheco literário, o qual, nos primórdios do 

século XIX, se voltou para os modelos do século XVI.

Infelizmente, a confusão terminológica de "estudos literários" com "crítica" 

induz o estudioso de literatura a substituir a descrição dos valores intrínsecos de uma 

obra literária por um veredito subjetivo, censório. A designação de "crítico literário" 

aplicada a um investigador de literatura é tão errônea quanto o seria a de "crítico 

gramatical (ou léxico)" aplicada a um lingüista. A pesquisa morfológica e 

sintática não pode ser suplantada por uma gramática normativa, e de igual maneira, 

nenhum manifesto, impingindo os gostos e opiniões próprios do crítico à literatura 

criativa, pode substituir uma análise científica e objetiva da arte verbal. Esta 

afirmativa não deve ser confundida com o princípio quietista do  laissez faire; toda cultura

verbal implica empenhos normativos de programação e planejamento. Então, 

por que se faz uma distinção rigorosa entre Lingüística pura e aplicada ou entre 

Fonética e Ortoépia, mas não entre estudos literários e crítica?

Os estudos literários, com a Poética como sua parte focal, consistem, como a 

Lingüística, de dois grupos de problemas: sincronia e diacronia. A descrição 

sincrônica considera não apenas a produção literária de um período dado, mas 

também aquela parte da tradição literária que, para o período em questão, permaneceu 

viva ou foi revivida. Assim, por exemplo, Shakespeare, de um lado, e Donne, 

Marvell, Keats e Emily Dickinson, de outro, constituem presenças vivas no atual 

mundo poético da língua inglesa, ao passo que as obras de James Thomson e 

Longfellow não pertencem, no momento, ao número dos valores artísticos viáveis. A 

escolha de clássicos e sua reinterpretação à luz de uma nova tendência é um dos 

problemas essenciais dos estudos literários sincrônicos. A Poética sincrônica, assim 

como a Lingüística sincrônica, não deve ser confundida com a estática; toda época 

distingue entre formas mais conservadoras e mais inovadoras. Toda época 

contemporânea é vivida na sua dinâmica temporal, e, por outro lado, a abordagem 

histórica, na Poética como na Lingüística, não se ocupa apenas de mudanças, mas 

também de fatores contínuos, duradouros, estáticos. Uma Poética história ou uma 

história da linguagem verdadeiramente compreensiva é uma superestrutura a ser 

edificada sobre uma série de descrições sincrônicas sucessivas.

A insistência em manter a Poética separada da Lingüística se justifica somente 

quando o campo da Lingüística pareça estar abusivamente restringido, como, por 

exemplo, quando a sentença é considerada, por certos lingüistas, como a 

mais alta construção analisável, ou quando o escopo da Lingüística se confina à 

gramática ou unicamente a questões não-semânticas de forma externa ou ainda ao 

inventário dos recursos denotativos sem referência às variações livres. Voegelin 

assinalou claramente os dois problemas mais importantes, e correlacionados, com que 

se defronta a Lingüística estrutural, a saber, uma revisão da "hipótese monolítica da 

linguagem" e o reconhecimento da "interdependência das diversas estruturas no 

interior de uma mesma língua". Indubitavelmente, para toda comunidade lingüística 

para toda pessoa que fala, existe uma unidade de língua, mas esse código global 

representa um sistema de subcódigos relacionados entre si; toda língua encerra 

diversos tipos simultâneos, cada um dos quais é caracterizado por uma função 

diferente.

Devemos evidentemente concordar com Sapir em que, no conjunto, "a ideação 

reina, suprema, na linguagem. (...)"

todavia, essa supremacia não autoriza os lingüista 

a negligenciarem os "fatores secundários". Os elementos emotivos do discurso, que, 

como se inclina Joos a acreditar, não podem ser descritos "por meio de um número 

finito de categorias absolutas", são por ele classificados "como elementos não-lingüísticos

do mundo real". Dessarte, "para nós, eles permanecem fenômenos vagos, 

Joos é verdadeiramente um especialista brilhante em experimentos de redução, e sua 

exigência enfática de uma "expulsão" dos elementos emotivos "da ciência lingüística" 

constitui um experimento radical de redução — reductio ad absurdum.

A linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções. Antes de 

discutir a função poética, devemos definir-lhe  o lugar entre as outras funções da 

linguagem. Para se ter uma idéia geral dessas funções, é mister uma perspectiva 

sumária dos fatores constitutivos de todo processo  lingüístico, de todo ato 

de comunicação verbal, O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para 

ser eficaz, a mensagem requer um  CONTEXTO a que se refere (Ou "referente", em 

outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou 

suscetível de verbalização; um CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente e 

ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da 

mensagem); e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico e uma conexão psicológica 

entre o remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e 

permanecerem em comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente envolvidos na 

comunicação verbal podem ser esquematizados como segue:

 

CONTEXTO

     REMETENTE       MENSAGEM      DESTINATÁRIO

-------------------------------------------------------

CONTACTO

CÓDIGO

 

Cada um desses seis fatores determina uma diferente função da linguagem. 

Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, 

contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A 

diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa 

diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem 

depende bàsicamente da função predominante. Mas conquanto um pendor 

(Einstellung) para o referente, uma orientação para o  CONTEXTO — em suma, a 

chamada função REFERENCIAL, "denotativa", "cognitiva" — seja a tarefa dominante 

de numerosas mensagens, a participação adicional de outras funções em tais 

mensagens deve ser levada em conta pelo lingüista atento.

A chamada função  EMOTIVA  ou "expressiva", centrada no  REMETENTE, visa a uma 

expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de que está

falando. Tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou simulada;

2 M. Joos, "Descrjptjon of Language Design",  Journal of the Acoustical Society of America, XXII 

(1950), 701-708.por isso, o termo "função emotiva", proposto c defendido por Marty

, demonstrou ser preferível a "emocional". O estrato puramente emotivo da linguagem é

apresentado pelas interjeições. Estas diferem dos procedimentos da linguagem referencial tanto

pela sua configuração sonora (seqüências sonoras peculiares ou mesmo sons alhures 

incomuns). "Tut! Tut! disse McGinty": a expressão completa da personagem de

Conan Doyle consistia de dois cliques de sucção. A função emotiva, evidenciada

pelas interjeições, colore, em certa medida, todas as nossas manifestações verbais, ao

nível fônico, gramatical e lexical Se analisarmos a linguagem do ponto de vista da

informação que veicula, não poderemos restringir a noção de informação ao aspecto

cognitivo da linguagem. Um homem que use elementos expressivos para indicar sua

ira ou sua atitude irônica transmite informação manifesta e evidentemente tal conduta

verbal não pode ser assimilada a atividades não-semióticas, nutritivas tais como a de

"comer toronja" (malgrado o arrojado símile de Chatman). A diferença entre [grande]

e o prolongamento enfático da vogal  [gra:nde] é um elemento lingüístico

convencional, codificado, assim como em tcheco a diferença entre a vogai breve e a

longa, em pares como [vi] "você" e [vi:] "sabe"; todavia, neste último par, a 

informação diferencial é fonológica e no primeiro emotiva. Na medida em que nos

interessem as invariantes fonológicas, o /a e /a: em português parecem ser meras

variantes de um só e mesmo fonema, mas se nos ocupamos de unidades emotivas, a

relação entre a invariante e as variantes se inverte: longura e brevidade são

invariantes realizadas por fonemas variáveis. Supor, com Saporta, que a diferença

emotiva seja uma característica não-lingüística, "atribuível à enunciação da

mensagem e não à própria mensagem" reduz arbitrariamente a capacidade

informacional das mensagens. 

Um antigo ator do Teatro Stanislavski de Moscou contou-me como, na sua

audição, o famoso diretor lhe pediu que tirasse quarenta diferentes mensagens da

frase Segodnja vecerom, "esta noite" com variar-lhe a nuança expressiva. Ele fez uma

lista de cerca de quarenta situações emocionais, e então pronunciou a frase dada de

acordo com cada uma dessas situações, que sua audiência linha de reconhecer

somente através das alterações na configuração sonora das duas mesmas palavras.

Para o nosso trabalho de pesquisa, de descrição e análise do russo contemporâneo

(pesquisa realizada sob os auspícios da Fundação Rockefeller), pediu-se a esse ator

que repetisse a prova de Stanislavski. Ele anotou por escrito cerca de cinqüenta

situações implicando a mesma sentença elíptica e desta extraiu cinqüenta mensagens

correspondentes, registradas num gravador de fita. Em sua maior parte, as mensagens

foram correta e circunstanciadamente decodificadas por ouvintes moscovitas. Sejame

permitido acrescentar que todas essas deixas emotivas são fáceis de submeter à

análise lingüística.

A orientação para o DESTINATÁRIO, a função CONATIVA, encontra sua expressão

gramatical mais pura no vocativo e no imperativo, que sintática, morfológica e 

amiúde até fonologicamente, se afastam das outras categorias nominais e verbais. As

sentenças imperativas diferem fundamentalmente das sentenças declarativas: estas

podem e aquelas não podem ser submetidas à prova de verdade. Quando, na peça de

O'Neill A Fonte (The Fountain), Nano "(numa voz violenta de comando)" diz

"Beba!" — o imperativo não pode ser contestado pela pergunta "é verdadeiro ou

não?", que se pode, contudo, fazer perfeitamente no caso de sentenças como "alguém

bebeu", "alguém beberá", "alguém beberia". Em contraposição às sentenças

imperativas, as sentenças declarativas podem ser convertidas em interrogativas:

"bebeu alguém?" "beberá alguém?", "beberia alguém?"

O modelo tradicional da linguagem, tal como o elucidou Bühler

particularmente, confinava-se a essas três funções  — emotiva, conativa e

referencial — e aos três ápices desse modelo — a primeira pessoa, o remetente; a

segunda pessoa, o destinatário; e a "terceira pessoa" propriamente dita, alguém ou

algo de que se fala. Certas funções verbais adicionais podem ser facilmente inferidas

desse modelo triádico. Assim, a função mágica, encantatória, é sobretudo a conversão

de uma "terceir'"a pessoa" ausente ou inanimada em destinatário de uma mensagem

conativa. "Que este terçol seque, tfu, tfu, tfu" (fórmula mágica lituana). "Água rainha

do rio, aurora! Manda a dor para além do mar azul, para o fundo do mar; que como

um seixo pardo que jamais sobe do fundo do mar, a dor nunca venha oprimir o

coração ligeiro do servo de Deus; que a dor se vá e seja sepultada longe daqui."

(Encantamento do Norte da Rússia) "Sol, detém-te em Gibeon, e tu, Lua, no vale de

Ajalon. O sol se deteve, e a lua parou (...)" (Josué, 10:12) Observamos, contudo, três

outros fatores constitutivos da comunicação verbal e três funções correspondentes da

linguagem. (...)" (R. JAKOBSON)

 

 

 

===

 

 

 

"Roman Jakobson

Roman Osipovich Jakobson (em russo: Роман Осипович Якобсон; 11 de outubro de 1896 - 18 de julho de 1982) foi um pensador russo que se tornou num dos maiores lingüistas do século XX e pioneiro da análise estrutural da linguagem, poesia e arte.

Foi chamado de "o poeta da lingüística" por Haroldo de Campos, sendo o criador das famosas funções de linguagem, entre elas figurando a função poética, e tendo feito, por exemplo, estudos sobre as obras de Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e Bertolt Brecht].

Sua vida foi baseada no conhecimento, e principalmente em espalhar o conhecimento pelo mundo, sempre comparando culturas para que elas pudessem ter um sentido que foi o início de suas teorias. Conseguiu transformar conceitos que até hoje são seguidos. Acima de tudo se manteve firme diante de regimes cruéis, o que o levou a se refugiar em diferentes países.

Jakobson encontrou "O Corvo", de Edgar Allan Poe, como um dentre os terrenos privilegiados para expor suas investigações. Dentre as inúmeras engenhosas figurações de som-sentido (consecução do sentido no desenho material do som) que Jakobson evidencia no tecido do poema, cumpre por em evidência aquela que se tornou célebre por seu caráter exemplar dos procedimentos poéticos utilizados por Poe. O Corvo (Raven) repete, ao longo do poema, no lamento monótono do refrão, a expressão Nunca mais(Never more). Ora, raven (RVN), demonstra Jakobson, é a inversão fonológica perfeita de Never (NVR). Nessa medida, a palavra Never, desolado refrão que o pássaro imutavelmente repete, constitui numa imagem invertida da própria palavra Raven (Corvo). O corvo não podia dizer outra coisa, senão virar seu próprio nome pelo avesso.

 - Referências:

↑ Machado, Irene. Roman Jakobson. Biografia. Semiótica da Cultura/Semiótica russa. 09/1999. PUC-SP.

↑ Jakobson, Roman. Linguística. Poética. Cinema. Tradução Haroldo de Campos et alii. Editora Perspectiva. São Paulo. 1970.

↑ Campos, Haroldo de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1972."

 

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Roman_Jakobson)