Elmar Carvalho



 

Nos últimos dias, aqui em Regeneração, ou lá em Teresina, ao amanhecer, ou ao crepúsculo, tenho ouvido o cantar dolente de uma rolinha fogo-apagou. Muitos poetas têm cantado os passarinhos. Muitos têm se comparado a uma ave canora. Manuel Bandeira, em mais de um poema, falou nas andorinhas. O nosso H. Dobal fez versos às golondrinas e também ao sabiá. Este último foi cantado por Gonçalves Dias, que o colocou no alto de uma palmeira. Alguns fazem crítica, alegando que sabiá não pousa nessa árvore. Não sei se a crítica procede; o que sei é que daria uma bela imagem: a plasticidade do sabiá agregada a uma linda palma de coco da praia ou mesmo de coco babaçu, e melhor ainda se fosse um imponente buritizeiro, pejado de brônzeos frutos. O cronista Rubem Braga também teve por tema esse passarinho de tão belo e aflautado canto.

Voltemos à fogo-apagou. Seu nome é a onomatopeia de sua cantiga. Pode ser entendido positivamente, como regozijo por um incêndio que tenha terminado; ou negativamente, como o fogo vital que se tenha transformado em cinzas e tristeza, como o facho emborcado do simbolismo das catacumbas e cemitérios. Seu canto, quase cantochão monocórdio, de timbre grave, sonoro, severo, solene, mesmo ao amanhecer, que é sempre alegre, traz certa ponta de tristeza. Quando ouço esse canto ao por-do-sol, a melancolia me tomba na alma, me impregnando de suave tristeza, que aceito sem nenhum problema, pois todos temos os nossos momentos sombrios. Manuel Bandeira já advertia para que procurássemos amar a nossa tristeza, que um dia aprenderíamos a amá-la.

O canto dessa rolinha me fez recordar minha infância. Acostumado com o movimento e o burburinho da cidade, nas poucas vezes em que fui passar uns poucos dias de férias em Ameixas, zona rural de Barras, ao ouvir esse cantar tão dolente, tão melancólico, ficava saudoso de minha casa, sobretudo do aconchego de meus pais. Ao entardecer campestre de então, quando tudo parecia que se ia finando, esse canto tão sentido, tão magoado, me caía na alma como punhais, que me feriam de uma tristeza acachapante e de uma saudade avassaladora. Mas esse canto, para mim tão tristonho, tão desconsolado, tem uma beleza inefável, como a beleza que persiste nas ruínas dos monumentos, nos escombros do que já foi belo, nas rugas das deusas envelhecidas.

(*) Texto desentranhado do Diário Incontínuo, que venho publicando no meu blog http://poetaelmar.blogspot.com