ELMAR CARVALHO

 

 Didi, apoiado em sua Belina Cascavel, ao lado de Fátima Carvalho

Na visita à velha casa fiz contato com o Batista e o Didi. O Batista era um dos bons vizinhos de que já falei. O Didi era uma espécie de “faz-tudo” ou pau para toda obra, que, brincando, chamávamos de “Bombril”, porque, como essa lã de aço na propaganda, tinha mil e uma utilidades. Fazia pequenos serviços de eletricidade, de encanador, de pedreiro, de marcenaria e o que mais surgisse.

 

Por conseguinte, era um homem de sete instrumentos, como se diz. Não vou dizer que fosse exímio ou um mestre em todas essas atividades (e nem isso lhe poderia ser exigido), mas quebrava um galho muito bem. Portanto, jamais poderia ser considerado um “mela-mão”, uma vez que ele fazia corretamente os serviços que se metia a fazer. Era um valente e valoroso polivalente.

 

Quando fui morar no residencial Memorare, em meados dos anos 1980, o Didi ainda era um rapazote. Acompanhou o crescimento de nossos filhos. Tinha acesso a nossas casas. E nunca ninguém ouviu falar do menor ato que o desabonasse. Ao contrário, sempre mereceu o nosso respeito e consideração, porque a recíproca era verdadeira, na mesma intensidade ou até mais.

 

Nessa casa, talvez eu tenha logrado minhas mais importantes conquistas intelectuais e literárias, ao longo dos 25 anos em que nela morei, até me mudar para minha atual residência. Ali escrevi muitos dos poemas que me são mais caros. Concluí o meu curso de Direito na Universidade Federal do Piauí, e fui aprovado no exame da OAB-PI, embora nunca tenha exercido a advocacia, uma vez que o cargo de fiscal da SUNAB era incompatível com essa atividade. Obtive aprovação no concurso para juiz de Direito, tendo sido empossado no dia 19 de dezembro de 1997.

 

Durante os anos em que estive sob o seu teto, exerci os cargos de presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí (gestão 1988/1990), presidente do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, durante cerca de cinco anos, membro do Conselho Editorial da UFPI, até quando ingressei na magistratura.

 

Fui eleito para integrar diversas Academias de Letras, entre as quais cito a Parnaibana, a Piripiriense, a Campomaiorense, a do Vale do Longá, a da Magistratura, a Maçônica, a de Floriano e a Piauiense (APL). Deixei de citar a do Médio Parnaíba, porque já morava em minha casa atual quando nela fui admitido. Tornei-me sócio correspondente do Instituto Histórico de Oeiras e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro.

 

Ao adentrar a velha casa, senti forte comoção, ao recordar as alegrias e também tristezas que nela senti; a vida, como todos sabemos, é composta de vários sentimentos, alguns contraditórios. Nela recebi alguns amigos em reuniões festivas ou de simples congraçamento. Conosco, em períodos diversos, durante vários meses ou mesmo anos, moraram irmãos meus e parentes da Fátima. Em 1986 e em 1988 nasceram o João Miguel e a Elmara Cristina, o primeiro na Maternidade Evangelina Rosa e a segunda na Clínica e Maternidade Santa Fé.

 

Durante esse tempo, formei a minha biblioteca. Muitos livros que tive se perderam com mudanças, goteiras e também as implacáveis traças e cupins. Quando me mudei para o meu atual endereço, por absoluta falta de espaço, doei para particulares e para a Biblioteca Pública de Campo Maior cerca de mil exemplares. Conservei os mais raros, os reservados para consulta e os que me são mais preciosos, e que ainda pretendo reler ou ao menos folhear.

 

São amigos que desejo permaneçam comigo até eu me dar por velho, quando os doarei para outra biblioteca pública. Meu filho João Miguel me herdou o gosto pela leitura, mas só lê os livros que ele próprio adquire, de acordo com o seu interesse e gosto pessoal, de modo que não lhe legarei meus sábios e queridos alfarrábios.

 

Vi o quintal, o cajueiro, os acréscimos ou benfeitorias que fiz, inclusive a suíte sobre o térreo, em cujo compartimento contíguo instalei parte dos meus livros. Emocionei-me ao ver as estantes vazias, os cômodos desabitados, desguarnecidos de móveis e silenciosos. Recordei-me do soneto Visita à casa paterna, de Luís Guimarães Jr. E não pude deixar de me lembrar de meus próprios versos, evocativos de outra casa, entre as várias que habitei, mas que talvez só tenha existido efetivamente em minha saudade:

 

“Ai, casa dolorosa / de infinitas recordações / do não acontecido e /do não vivido. / Casa que não existiu / mas que permanece de pé / em minha lembrança (...) A casa sempre persistirá / nas músicas passionais de algum boteco / criando ressonâncias que repercutem / insistentemente como eco.”