(Miguel Carqueija)

Focalizamos hoje um romance de surrealismo, como os de José J. Veiga


MATACÀO, UMA LENDA TROPICAL

                                     de Karen Tei Yamashita


                         (resenha de Miguel Carqueija)          


                        Editora Zipango (SP), 2003
                        Título original: Through the arc of the rain forest (c. 1990 da autora)
                        Tradução de Cristina Maria Teixeira Stevens e Carolina Berard
                         Capa e projeto gráfico: Pedro Penafiel


     Segundo a orelha do livro (cuja apresentação gráfica é de primeira) a autora, uma nissei americana nascida em 1951, mudou-se para o Brasil em meados da década de 70 para estudar a imigração japonesa, casou-se com um brasileiro e aqui morou por uns dez anos, retornando então aos Estados Unidos e iniciando uma carreira de romancista.
     Este livro é do tipo “realismo fantástico”. Nunca fui apreciador de histórias desse tipo, que exploram um “nonsense” à Juarez Machado. Com esta ressalva, devo dizer que a narrativa é um prato cheio para os fãs do gênero: mexendo em temas fascinantes como a ecologia, a situação dos “diferentes” e o poder do dinheiro e da propaganda, apresenta uma gama extraordinária de figurinhas difíceis, cada qual com características exorbitantes e capazes, de certa forma, a mover o mundo.... tudo neste romance é exagerado, a começar pelas conseqüências de algumas ações, como peregrinar descalço ou soltar pombos-correio, ou utilizar penas para operar curas. As idiossincrasias dos personagens vão se tornando moda e coqueluche na sociedade, e a nível inverossímil. O elemento de ficção científica também está presente, com o estranho solo plástico descoberto na Amazônia, o “matacão”, em torno do qual gira a trama.
     Os personagens principais são muito, mas muito estranhos mesmo. Kazumassa Ishimaru, por exemplo, é um japonês que possui uma bolinha que gravita em torno da sua cabeça, como se fosse um satélite pessoal. A vibração da bola identificava irregularidades na ferrovia onde Kazumassa trabalhava. Depois ele sai do Japão para o Brasil, onde acaba conhecendo outras figuras notáveis. Uma delas é Chico Paco, jovem cearense que cumpre uma promessa no lugar da avó do amigo cuja vida havia sido salva. Ele peregrina 2400 quilômetros até o Matacão, onde vem a conhecer o já lendário Mané da Costa Pena. Depois que as inundações levaram a sua propriedade e descobriram o solo impermeável do Matacão, ele começou a ser notado, inclusive na tv, pelo seu hábito de acariciar a orelha com uma “pena milagrosa” – e a partir daí mais coisas extraordinárias se acumulam nessa narrativa, onde se pode dizer que tudo acontece...
     Tem também o esquisito casal Batista e Tania, da criação de pombos. Forçado a se ausentar de casa por negócios intermináveis que envolviam o Matacão e o assunto dos pombos, Batista permanece longos meses sem conseguir retornar porque a sua esposa Tania, que ficara na retaguarda, sempre inventava mais coisas para fazer e lá ficava ele, separado da companheira e morrendo de saudades e ciúmes. E ainda o norte-americano de três braços (sic), J.B. Tweep, que domina secretamente uma mega-empresa e acaba também vindo parar no Matacão.
     Uma verdadeira salada exótica, onde no entanto tudo se conecta com maestria e onde a fábula, a mensagem ecológica e o humorismo se combinam com a sátira e até com a mensagem social e a ficção científica.
     Um livro extravagante, que não segue a lógica cartesiana (o que levará muitos leitores a estranhá-lo), mas que merece uma leitura.