Cunha e Silva Filho

 

 

             As  três situações de desordem, indicadas no títlo do artigo exceção feita à  da Operação Lava-Jato, configuram  o quadro atípico da vida em nosso país. Elas estão inextricavelmente interpenetradas. Daí seu caráter assustador. O deslindamento de cada um  exige de minha parte deveres com a minha consciência e com a minha dignidade de cidadão brasileiro que, antes de tudo,  só  aspira a um desfecho  que venha servir ao bem-estar de nosso povo e, por povo  entendo os vários níveis sociais e culturais.

            O primeiro item, a renúncia, de Dilma  é uma saída honrosa tanto para ela quanto para a Nação. Sei que vai  ser espinhoso  o que virá depois disso, ou seja,  um mandato-tampão a ser ocupado em consonância com a legislação vigente. Será efetivado consoante com os princípios constitucionais do preenchimento da vaga deixada. Pode até não ser uma figura ideal o novo ocupante, mas ela terá,  sob sua responsabilidade, que   evitar  o tumulto social,  político e econômico. Tal mudança atenderá à maior parte  da sociedade   civil e evitará  um mal maior e indesejável para todos os compatriotas.Isso não configuraria nenhum atentado à Constituição e, por conseguinte,  não seria  um golpe conforme alegaria   a política da situação.

         A presidente Dilma não mais  atende à vontade da maioria que foi às urnas maciçamente  pedir o seu afastamento ou  o seu  impeachment, assim como a punição dos responsáveis pela rapinagem  praticada  por políticos do PT e de outros partidos. Todo o trabalho de dois anos da Polícia  Federal, nas várias etapas realizadas sob o amparo da Lei e tendo à frente  as gestões  corajosas  do juiz Sérgio Moro, foi o de revelar  culpado e conluiados em lavagem de dinheiro, formação de quadrilha envolvendo  o governo  federal , e grandes empreiteiras  que  financiaram  campanhas  políticas  milionárias para elegerem  o ex-presidente Lula e inúmeros  políticos  petistas e da base aliada.

          Ora,  esse desvio  surrupiado dos cofres  públicos  se estendeu até os  governos de Dilma  tendo como fonte  principal a menina  de  ovos de ouro, a principal e mais  poderosa estatal brasileira, a Petrobrás num esquema  sórdido montado por alguns de seus dirigentes em conchavo criminosos com os políticos do governo  durante toda essa era  dominada pelo petismo. Todo esse  período em que o petismo  tem mandado e desmandado  impunemente no  governo  só poderia desaguar  nas contínuas e profundas  investigações,  denúncias e delações premiadas  levadas a cabo   graças à competência  da Polícia Federal, do Ministério Público e de Procuradores  Federais  e, sobretudo, da coragem e patriotismo do jovem e destemido  juiz federal  Sérgio  Moro.

         O caos  econômico, ao contrário do que  apontam  economistas, alguns deles  professores de universidades federais, estaduais e até particulares (caso da PUC) com  implícitas   simpatia  pelo petismo,   não teve nenhuma  relação com a situação  externa do país. A desordem financeira atual se originou, máxime do dinheiro   desviado  da Petrobrás  para pagamento de milionárias propinas a políticos  do alto escalão  da República em decorrência de  contratos  celebrados entre os dirigentes da Petrobrás e as conhecidas  grandes empreiteiras, contratos  em licitações   com cartas marcadas  favorecendo grupos de empresários e políticos  da situação e de partidos da base aliada.

     O  imbróglio em que se meteu  o ex-presidente  Lula ao ser convidado por  Dilma para o relevante   cargo  de ministro da Casa Civil  complicou ainda mais a situação  constrangedora dele junto aos brasileiros, principalmente   quando foi grampeada uma conversa dele com   Dilma,  na qual a presidente  expressamente  lhe  concede, diante do desespero em face da iminência da prisão de Lula,   o cargo  de ministro  e até com  o termo de posse antecipado.  A atitude  no mínimo insólita da  presidente atesta,  por si  só,  o estado de  emparedamento diante da gravíssima   situação   da sua  malograda  administração.

        A posse atropelada  de Lula provocou  seguramente mais transtornos ao governo Dilma, mais desgastes, mais desmoralização da opinião público, ainda mais reforçada por um outro grampo  feito pela  investigação Lava-Jato  que flagrou  uma conversa  de dois  personagens  trocando  informações sobre o que poderia  acontecer com o Lula.

         O mais intrigante é que nessa conversa  pude  perceber nitidamente  o nível de irresponsabilidade e de   incertezas em que o diálogo  aconteceu. A forma de linguagem – um prato cheio para a análise do discurso de algum  professor  de linguística – possui  um certo ar  de tragicomédia  com que são discutidos   assuntos  algo sórdidos nos bastidores  do governo  petista. É tão medíocre  o que  Rui Falcão, presidente do PT, diz para  o ex-ministro da Defesa,  Jaques Wagner, que me deixa impressionado a falta do que  fazer, de como agir num diálogo, diria melhor,  quase monólogo afásico  entre os dois. A conclusão que tirei desse diálogo mal-ajambrado, claudicante,  sem-saída,  digno mais de uma  ópera-bufa, foi que ambos  pareciam  atônitos,  logo os dois  tão acostumados  às fanfarronices e ao baixo clero da politicagem  nacional.

     A polêmica  inflamada decorrente da impugnação da posse de Lula para o cargo de ministro da Casa Civil pelo ministro  Gilmar Mendes tem dividido  a opinião de magistrados  e juristas de todas as colorações  políticas. E  a alegação de se dizer que um ministro  do STJ sempre é movido pela imparcialidade é um ato  falho, porque não há como ser imparcial  avant la  lettre se levarmos  em conta  o elemento  da subjetividade. Mesmo a objetividade mais  despojada,  contém  algo  de subjetivo. Somos humanos, não máquinas, como diria  o  genial  Charles  Chaplin.

     Um juiz, um magistrado, tem o seu lado pessoal, suas preferências políticas. Porém, no caso, de Gilmar Mendes ele não poderia ser indigitado como parcial, de vez que é a sociedade brasileira que, para as ruas no país inteiro, tem afluído gigantescamente clamando por justiça e pela moralidade e fim da  impunidade no país.

       A gran de questão nacional no tocante a partidos  políticos  é que nela o diálogo  é quase  escasso.Contudo,  há certas  circunstâncias ou conjunturas históricas  que, ante dos fatos e as evidências comprovadas nas investigações  da Polícia federal desde o início do governo  Lula,  nos dão  o equilíbrio  e a consciência  necessários  ao discernimento para  verificarmos  o que realmente anda errado nas administrações  petistas.

        O que se  revelou das investigações   complicando    o comportamento e as ações supostamente  éticos do PT – lavagem de dinheiro,   falsidade ideológica,   desvios  astronômicos  do dinheiro público, desídias de toda a sorte  praticadas e consentidas pelos próceres do PT  e dos seus aliados nem precisaria de tantas  filigranas  e chicanas  jurídicas para  comprovação da realidade  político-social-econômica nacional.

       Tudo está claramente visto,  denunciado,  revelado,  avaliado, comprovado e a comprovar, pois as ações da Lava-Jato não terminaram ainda. Seria tapar o sol com uma peneira não ver que  o ciclo petista  se desviou  radicalmente dos   princípios de  formação  ideológica  voltados sobretudo para os desfavorecidos. Reconheço, sim, alguns pontos positivos,  melhorias  dos excluídos e outros benéficos sociais   fundamentais da vida de grande parcela  dos brasileiros  que historicamente viveram na   pobreza  absoluta,  como, de certa forma,  ainda vivem alguns patrícios nossos nesse país de dimensão continental.

       Por outro lado,  fazer algo de bom  para  uma minoria,não é o suficiente se   o partido  escolhe, a certa altura da era Lula,  o caminho  mais execrável possível: o da  falta de ética,  o da  roubalheira,   o  da compra de  aliados  para se sustentar, a todo o custo, no poder  o dos inúmeros escândalos  enlameando as raízes  éticas da formação do PT.

        Com isso,  o partido  dos trabalhadores   debandou-se para  a politicagem mais nauseabunda e cínica  de que se tem notícia,  na qual  tudo valia  para que   o petismo se perpetuasse no  poder.

        Por outro lado, quem, em sã consciência,  vai  negar o holocausto,   os crimes de Hitler,  de Mussolini, de Fidel Castro, de Franco, de Idi Amin,  de Mussolini, de Salazar,  de Bashar Al-Assad, de Pinochet, do stalinismo, do Estado Novo getulista,  dos excessos e da ditadura  militar no Brasil, da forma nefasta e criminosa do governo  Bush II e outros tantos  crimes de ditadores e tiranos pelo mundo afora, sem falar de novas formas    de extrema violência de grupos terroristas  que estão  assolando  a paz intera até de países  antes tranquilos?  E essa  selvageria  só abrange certa parte da contemporaneidade  de séculos mais  próximos de nós.

    Diante dessas  ponderações,   a minha pergunta  final é: quem pode, sem paixão nem  fanatismo  nem tampouco  oportunismo  criminoso afirmar que o governo do PT  seja hoje o que   foram  os seus fundamentos históricos, éticos,  ideológicos ?