Renato Pires Castello Branco

BIOGRAFIA

Filho de Francisco Ferreira Castelo Branco e Orminda Pires Ferreira Castelo Branco, Renato Castelo Branco nasceu em 14 de setembro de 1914 na cidade de Parnaíba, Piauí. Migrou para o Rio de Janeiro em 1933, onde se graduou em Direito em 1937. Iniciou sua carreira profissional como assistente de redator do escritor e publicitário Orígenes Lessa na Agência de Publicidade N. W. Ayer em 1935. Em 1939 ingressou na J. Walter Thompson, Rio de Janeiro e, mais tarde, em 1961, transferiu-se para São Paulo. Na JWT Castelo permaneceu, em períodos alternados, por 30 anos, onde fez uma carreira brilhante, até chegar ao topo, como seu Presidente, cargo exercido até o seu desligamento em 1969. Em 1965, Castelo havia sido eleito Vice-Presidente da Thompson dos Estados Unidos, o único latino-americano a receber essa distinção até os dias de hoje. Em 1971, Castelo criou a sua própria agência de publicidade, a CBBA, juntamente com alguns companheiros da JWT. Renato Castelo Branco, ao lado de alguns outros profissionais eminentes, dedicou 50 anos de sua vida à construção das bases da Publicidade Brasileira Moderna. Ajudou a criar, em 1937, a APP - Associação Paulista de Propaganda; em 1949, ajudou também a criar a ABAP - Associação Brasileira de Agências de Publicidade. Em 1951, participou da criação da Escola de Propaganda, hoje ESPM, na qual foi Diretor, Professor e Conselheiro. Em 1964 criou o Conselho Nacional de Propaganda e foi seu primeiro Presidente. Além de Publicitário, Renato Castelo Branco foi também um talentoso Poeta e Escritor, principalmente de romances históricos. Ao todo, deixou uma rica bagagem literária de 22 livros. Se fosse possível definir Renato Castelo Branco, diríamos que a sua postura profissional foi sempre inspirada por um princípio muito claro: Ética e Eficácia tem que andar juntas. Roberto Duailibi, talvez o seu discípulo de maior projeção na Publicidade, deixou gravadas estas palavras: "Renato Castelo Branco foi um homem absolutamente íntegro, um modelo de tranqüilidade, de moderação, de paz mesmo, o que nos faz olhá-lo como aquilo que ele era e é: um ícone, uma pessoa que a gente deve não apenas lembrar, mas realmente venerar". Renato Castelo Branco faleceu em 19 de setembro de 1995 em São Paulo, tendo deixado a esposa Norma e os filhos Hiran, Renée e Renata.

AMOSTRAGEM

MEMÓRIAS

Eu trago comigo memórias longínquas
de crianças correndo sobre dunas.
Memórias de corrupiões e carnaubais.
Eu trago comigo memórias esquecidas
de que não tenho consciência.
E rasgos luminosos
que me falam de saudades estranhas.

Trago comigo
dores adormecidas,
instantes de euforia
e rubras cicatrizes.

Trago comigo
imprecações milenares,
pequenas glórias,
prantos sufocados.
Noites de pavor e angústias,
tumultos predatórios,
flores e esponsais.

Trago comigo
preces comovidas
visões de prados e oceanos,
o branco sereno do Fujiama
e as escarpas dos Andes.

Trago comigo
o olhar de minha mãe,
a humilhação da fome,
fugas e sonatas.

Trago comigo
canções e poemas,
dores e frustrações.

Deixai-me, Senhor, depositar em vossos pés
esta soma de vida
_ sargaços e espumas
que serenamente deponho em vossas praias...

SOBREVIVÊNCIA

Enquanto recordares de mim
estarei vivo
ao teu lado.

Estarei vivo
na lembrança
do teu amor.

Estarei vivo
na imagem
de nossos filhos.

Estarei vivo
em tua saudade.

A CULPA
para Alcenor Candeira Filho

De quem é a culpa
se os astros giram em suas órbitas celestes
e há crianças com frio nas noites de luar...

De quem é a culpa
se Camões escreveu seus sonetos
e Dante a Divina Comédia
e há sobre a Terra quem não os possa ler...
se existiram Beethoven e Villa-Lobos
e há quem não os possa ouvir...

De quem é a culpa
se Francisco de Assis falou aos pássaros
e ensinou os homens a orar
e há sobre a Terra ódio e pecado...

Se Deus fez as sementes germinarem
e as árvores darem frutos,
mas suas criaturas passam fome...

De quem é a culpa
se Cristo padeceu no Calvário
para redimir o Homem
e a Terra continua povoada de Abel e Caim?!

O BONZO
a Jan Palach, herói da Tchecoslováquia

Nas ruas de Saigon
ou na Praça Venceslau
és a flama da Liberdade.

No fogo sagrado
que eternizou Joana d’Arc
forjas o mito irresistível
que redime Pátrias
e glorifica o Homem!

PAIS E FILHOS

Agora que semeamos o ódio,
agora que pregamos a violência,
que aplaudimos nos palcos
o incesto e o estupro,
que endeusamos na telas
bandidos e lesbianas,
que cantamos em nossas canções
o ócio e a malversação,
que incensamos o crime
em nossos poemas...

_ voltemo-nos
e peçamos a nossos filhos
que sejam bons e puros

GAIOLA SEM PÁSSARO

Você já viu como é bela
uma gaiola sem pássaro?

O vazio do que foi prisão.
O silêncio do que foi mais pranto
do que canto.
A quietude que sucede ao vôo.
A glória da libertação.

MARIA DA ROSA

para José Salles Neto

Maria, tens uma rosa nos cabelos.

Mas és apenas uma das 19.817
mulheres de 15 a 18 anos que
usam rosas vermelhas nos cabelos.

Maria, és uma rosa tu mesma.

Mas és somente uma das 953.275
compradoras potenciais de flores,
perfumes e lingerie.

Que importam
teu sorriso de menina-moça,
teus sonhos de mulher,
a rosa dos teus cabelos?

És tão só uma unidade consumidora
da classe B1.

Ai de nós, Maria da Rosa.

NA MINHA TERRA EU SOU REI

Na minha terra
eu sou amigo do Presidente
e do guarda do Maracanã.
O padre sabe meu nome.
O padeiro me dá bom dia.
E o dr. Julinho Mesquita
sai do seu lugar
para vir apertar minha mão.

Na minha terra
eu sei quando vai chover
ou fazer sol.
Entendo o que diz
o sino da igreja
e sei qual é a praia
que faz melhor onda
para pegar jacaré.

Na minha terra
eu tenho crédito na quitanda
e os bancos aceitam meus cheques.

Sou amigo dos poetas,
dos banqueiros,
das crianças,
do guarda municipal.

Na minha terra
eu conheço o rumo das estradas,
os ventos do oceano,
as estrelas do céu.

Na minha terra
eu sou rei.

RETORNO

Um dia voltarei a ser terra
e de meu seio brotarão
flores agrestes.

Um dia voltarei a ser húmus
e nutrirei velhas árvores
de rubros frutos.

Um dia voltarei a ser pó
e água
e seiva.
e viverei em rochas,
raízes vegetais,
vagas do oceano.

Um dia eu serei
o que já fui.

A GRANDE PÁTRIA

Não, não quero que sejas
a grande Pátria,
de moços que morrem
em terras distantes.

Não quero que teus filhos
precisem tombar
por mãos que jamais viram,
em praias de outros oceanos,
sob estranhas constelações.

Nem que precisem esmagar as flores
de longínquos jardins.
nem destruir os Deuses
de outros templos.
nem os homens
de outros Deuses.

Não, não quero que sejas
a Grande Pátria!

A CAATINGA

É a caatinga, a desdobrar-se infinda,
tocando ao longe o horizonte incerto
e abrindo, nos sertões iluminados,
um vácuo de deserto!

São árvores sem folha, galhos estorcidos,
rijamente apontando para a altura,
entrecruzados, secos e revoltos,
num bracejar imenso de tortura.

No rescaldar desta fornalha intensa,
as leis vegetativas se transmudam.
cessa o anseio de luz, das florestas eternas
onde arbustos hieráticos se alteiam,
desatam-se em cipós elásticos, distensos
_ num delírio de sol, como se acaso,
nos seus raios de luz estivessem suspensos!
Aqui... a luz é a morte!
O sol é o inimigo rude, inflexível.
E a caatinga o combate, evitando-o, iludindo-o,
na luta secular, irreprimível.
E evitando-o, assim, numa batalha surda,
pressente-se, na fuga à insolação,
a inumação da flora moribunda,
enterrando os seus caules pelo chão!

E nesta reação comovedora,
quando aos sertões se ajusta o cautério das secas,
abdica o fastígio das montanhas
despe-se das florestas empolgantes
e entra-se no deserto bárbaro e exsicado!

OS SERTÕES

Principiam os Sertões.

Nas planuras extensas das chapadas,
como um tumor que brota das entranhas,
raros morros se aprumam desgarrados,
exumando a ossatura da montanhas.

A paragem é sinistra e desolada.
No horizonte monótono se esbate
o pardo da caatinga requeimada.
Arbúsculos raquíticos se erguem
_ no desmantelo dos cerros desnudos _
enredados de esgalhos, de onde irrompem,
solitários, cereus rígidos, mudos.

Nas depressões entre as colinas nuas,
como espectros de árvores sinistras,
crescem mandacarus tristes, despidos,
demarcando no chão poento e pardo,
leitos de ribeirões extintos, ressequidos.

E há em tudo o sinal das convulsões extremas,
do regime brutal dos climas excessivos:
o enterroado do chão, os ermos taboleiros,
a flora embaralhada em esgalhos convulsivos.

Resquícios de velhíssimas chapadas,
pelas abas dos cerros tumultuam
lastros de seixos, lajes fraturadas.

No incêndio brutal dos dias
causticantes.
ferida pelo sol, a terra esbraseada
absorve-lhe os raios ofuscantes.
e multiplica-os
e reflete-os,
e refrata-os,
pelo topo dos cerros incendidos,
pelo barranco em fogo das encostas,
pelos lajedos superaquecidos.

A atmosfera vibra junto ao chão
num ondular de bocas de fornalha.
E o dia, incomparável no fulgor,
fulmina a natureza entorpecida,
em cujo seio abate-se num espasmo
a galhada da flora sucumbida!


Publicado originalmente no site da Escola Superior de Propaganda e Marketing
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