Relendo O morro da casa grande

Dilson Lages Monteiro

(Postagem de R. Samuel)

 

1. Chão em ardores

- Aqui o Marataoã parece que saiu do lugar – repetia a balconista, com o leque em mãos. O leque dançando, dançando ao som seco e abafado do vento. O leque atritando o ar em coreografias.

 

 O rio já baixava o curso d’água. Dali nem se necessitava atravessar as figueiras, nem descer rua abaixo até a margem... Dali se via a bola de luzes queimar os olhos e deitar o fogo do céu sob a lâmina d’água. O mesmo fogo que ruborizava os corpos e confundia a visão da manhã.

 

Ao longe, a vidraça do balcão balançava-se aos raios de estio. A encomenda no colo da dona, a conversa no quadro do mercado, o passeio-montaria, em cadência, nos passos do Alazão. Ele chegava à Farmácia Alves, o ponto final, de onde a viagem renasceria até o deslizar do sol nos cabelos das carnaúbas. O sol sumindo nos babaçuais, se derretendo no chão em ardores.

 

- O que leva hoje para o patrão? – inquiriu Florisbela, alargando o sorriso que não cabia nos olhos. – Como vai a gente da Fazenda Aurora? – emendou a pergunta.

 

- Já despachei tudo que trouxe na casa do Major e hoje ele pede biotônico com aguardente.

 

- Biotônico com aguardente... Só um frasco?

 

- Dois. Os netos do coronel vão beber tudim. O mais branquelo tá de fazer pena. Acho que num vinga. Defeituoso de nascença... Sei não, sei se vinga.

 

- E a fazenda? Não me falou da fazenda. Ainda tem muita água nos buracos? Aqui, o Marataoã parece que saiu do lugar... Nem a fresca da noite dá o ar da graça.

 

- Dona Flor, a secura tá grande. Pananã fala pro mundo escutar: a onça bebe na Vertente inda em setembro. A dona Alzira, pegada lá na farinhada. A casa em festa com a parentada e a gente chegada da cidade. Não me demoro hoje, que carrego remédio e bilhete urgente pro patrão. É carta da fia mais velha.

 

- Pois vá em paz, seu Genésio. Lembrança para dona Alzira.

 

- Até mais ver... Boquinha da noite assunto o morro da casa grande.