Recebemos - O morro da casa-grande
Em: 10/12/2012, às 22H02
Caro Dilson, segue abaixo o texto que escrevi logo após ler seu romance. São observações impressionistas e subjetivas. Não têm juízo de valor nem a intenção de desmerecer seu livro. Garanto-lhe apenas que têm total sinceridade.
No dia 21-12-09, na livraria Nova Aliança, da Rua Olavo Bilac, fui ao lançamento de “O morro da casa-grande”, primeiro romance de Dílson Lages Monteiro. Lá comprei um exemplar, que o autor autografou. Mas somente agora, no final de novembro, li o livro, quase três anos depois. Trata-se de um romance que mistura regionalismo, história e lirismo em torno de um tema muito difícil: a derrubada de uma igreja católica numa cidade do interior do Nordeste. É um imenso achado criativo esse tema; é uma novidade que não vi ainda em texto algum, algo que poderia tornar-se um monumento. Mas, em sua construção(do tema), o romance fica aquém. Falta à narrativa um impacto maior que a derrubada da igreja de Barras deve ter provocado na população da cidade. Se realmente o impacto foi pequeno, faltou ao romancista ampliá-lo vigorosamente, e não se prender ao fato histórico em si. Afinal, trata-se de criação literária, de ficção, de invenção. Se nessa possível criação haveria alguma coisa que os historiadores possam aproveitar, tudo bem. Se não, tudo bem também. O importante é que um romancista não se preocupe em ser tão explícito, mal que vem acometendo muitos poetas e ficcionistas de hoje. Está se tornando comum o fato de eles ficarem explicando o que estão escrevendo, fazendo notas de rodapé, notas explicativas no final do livro... Pelo amor de Deus! Isso é deprimente. Pode ser qualquer coisa, menos criação literária. Talvez seja influência da famosa entrevista que Guimarães Rosa deu a seu tradutor alemão. Dílson não fez exatamente isso em seu livro, mas se aproxima ao botar fotografias históricas nele e ao não ir mais fundo na invenção em torno de um fato histórico. Além disso, o tema é a destruição de um forte símbolo do Catolicismo, movimento religioso que tem formatado a visão de mundo da humanidade nos últimos dois mil anos. Exige uma reação mais forte do povo da cidade.
Pode-se apreciar a beleza estética de um romance pela presença marcante das personagens que entretecem sua ação. É o que podemos ver em Lucínio, em Afonsina, em Pedro, em Pau de Fumo e vários outros, para ficarmos apenas na Literatura Piauiense. No caso de O morro da casa-grande, apenas duas personagens me chamaram a atenção: Marciano, que parece ser o alter ego infantil do autor, e Deusimar, uma senhora muito católica, bisavó de Marciano e uma das poucas personagens a se posicionar contra a demolição da igreja. Apenas ensaiou aquilo que o romance poderia ter desenvolvido mais.
A partir do momento em que essas duas personagens começam a atuar o romance parece adquirir um fio narrativo mais consistente. Antes deles, a coisa é meio sem consistência. Não há, por exemplo, nenhuma plasticidade na suposta travessia da mata que os homens fazem quando vão procurar Clemílson. Não os senti atravessando uma mata realmente. Quando vi que os homens iam atravessar uma floresta, me preparei para uma bela descrição misturada com narração. Mas nada disso ocorreu. Talvez o autor tenha se deixado levar pala quase total ausência de descrições na literatura brasileira de hoje. É de bom tom não fazer descrições, embora se saiba que elas são o que mais aproxima o texto literário das artes plásticas.
Há, porém, um pouco de plasticidade na descrição do ambiente de farinhada(uma coisa muito nossa)nas páginas 41, 46 e 47. De uma delas, retirei esta pérola, que estaria melhor se o verbo silenciar não estivesse como pronominal, e o correr, isolado por vírgulas: “A casa de farinhada correndo se silenciou: suspendeu-se na atmosfera como imagem de fotografia a redesenhar a certeza do tempo.” Bela imagem!
Na página 92, há uma impropriedade neste trecho: “O cão, habituado às noites de caçada, matou, certa vez, uma cobra esticada no caminho, pronta para o bote.” Pelo pouco que conheço de interior, uma cobra, quando pronta para o bote, fica enrodilhada , e não esticada.
Deixaria de ser uma impropriedade se, a partir daí, o autor tivesse inventado algo. Na página 109, no parágrafo I há um contraste. No começo, entende-se que Deusimar se orgulha de Marciano como coroinha. Mas no final do mesmo parágrafo entende-se que ela ainda quer vê-lo coroinha, como se ele não o fosse. Não teria sido melhor dizer que ela quer que ele continue coroinha?
Em relação à linguagem, o autor parece temer usar a oralidade, embora tenhamos tantos autores que já o fizeram. Há uma verdadeira tradição oral repercutindo na literatura brasileira, inclusive na piauiense com Fontes Ibiapina. São poucos os trechos em que a fala coloquial se dá. O que predomina é a linguagem padrão e às vezes com alguns equívocos como, por exemplo, o verbo pisar usado com a preposição em, conforme se pode ver neste trecho no começo da página 29: “O homens sentiam a proximidade da terra em que pisavam...” É o famoso erro não por falta, mas por excesso.
Todavia, apesar de o romance parecer ter uma preocupação mais histórica do que fictícia, ele vale. Está mais para mais do que para menos. É um testemunho do autor sobre um tempo que não volta mais.
São estas as minhas impressões sobre seu romance, caro Dílson. Ainda tenho algumas coisas para acrescentar como algumas observações sobre Marciano, mas já me alonguei demais.
Com sinceridade, W. Ramos.