Rebobinando

[Chagas Botelho] 

Quase na idade média, fiz o ensino médio no colégio Cidade. Aquele que ficava próximo à praça João Luís Ferreira, no centro de Teresina. A escola que trilhou minhas tantas descobertas. Como também o começo de uma fase muito crítica. 

Acabara de sair da rede pública. E sem dinheiro, sem lenço e sem documento levava uma vida regrada. A grana de um trabalho de meio expediente dava mal para pagar as mensalidades. Não podia sequer me dar ao luxo de degustar um simples picolé diário.

Naquele tempo, no colégio Cidade, tudo para mim era minguado. As amizades, os amores, os prazeres carnais e materiais, ou seja, toda a juventude. Era apenas um peixe sobrevivendo na maré caudalosa das dificuldades. Nada me caía do céu, somente as folhas secas das árvores frondosas da praça secular. 

No entanto, a literatura me apresentada naquela unidade escolar, fora riquíssima. Meu maior lenitivo. Deu-me pensamentos edificantes. Os árcades, os simbolistas, os românticos e os modernistas, todos eles, de certo modo preenchiam a minha mente, e às vezes, o estômago. Como podem notar, até hoje eles me oxigenam contra as intempéries, só não me deram, pelo menos até agora, o oásis da fortuna.

E o que a imagem da máquina de moer cana tem a ver com a crônica? Bem, é o seguinte: do primeiro ao terceiro ano no colégio Cidade, a minha alimentação salvadora era caldo de cana com “bomba”. Composição perfeita para encarar o turno da tarde de estudos. No recreio, outra rodada da alimentação de subsistência. Alguns colegas de necessidade parecida me acompanhavam no cardápio repetitivo. 

Passados anos e anos da conclusão do ensino médio, eis que me deparo com um homem girando a roda da máquina e dela extraindo o sumo da cana. Não deu outra: enquanto ele girava e girava, as lembranças do tempo do colégio Cidade eram rebobinadas. Chegavam com a forte intenção de me magoar, mas, felizmente, não conseguiram. Para obter conhecimento, sobretudo literário, tomaria caldo de cana e comeria bomba quantas vezes fosse necessário.