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Quietude de Ungaretti

Rogel Samuel

Ungaretti está em quietude, fala em quietude, no lar, no poema traduzido por Menottti Del Picchia. Já comentei esta sua vidade mas sempre recorro ao poema quando em paz. É um poema rural, sossegado, campestre. Uva madura, campo arado, na paisagem há um monte, nos poentos espelho de cristal do verão. A luz do verão.


“A uva está madura e o campo arado, o monte se destaca das nuvens.
Nos poentos espelhos do verão caiu a sombra
Entre os dedos incertos sua luz é clara e longínqua
Foge com as andorinhas o último desespero”.


Várias maneiras há de ler esta pequena obra-prima.
Vamos dedicar-nos hoje ao tema da velhice.
Calma, paz, serenidade, silêncio interior se encontram nessa “quietude” do título.
Um equilíbrio tranqüilo consolida essa entrada, nesta cena, na horizontalidade do campo.
Nada pode perturbar, as andorinhas do verão estão partindo.
Só, ao longe, o monte.


“A uva está madura e o campo arado” significa que tudo está feito, tudo, para ser colhido, para ser plantado. É como se ele dissesse: enfim fiz, enfim produzi e realizei o que tinha para ser plantado e colhido, minha vida está aí, vem agora o Outono, vem agora a Noite, mas estou eu preparado para ela, antes do Inverno eu já terei colhido, antes do Inverno eu já terei plantado.


E tudo nesses UU de “uva”, de “madura”. E nesses AA de “campo, de “arado”.
“A uva está madura e o campo arado” é, pois, em si, um poema-síntese, um poema-preço, uma ponte-poema, um cartão-postal, janela em que eu me contemplo, me vejo, me sei, me testo, pois “a uva está madura e o campo arado” e fui eu quem assim o quis, assim o fiz, tudo está pronto, a mesa posta, o verso escrito, o rumo tido, a estrada andada.


Ungaretti sintetiza neste verso o que diz: cumpri o meu dever, cumpri o meu destino, tive o meu dia, produtivo, e agora posso estar em paz. Deixo ao tempo a conclusão, a solução, o desfecho.

“A uva está madura” e vou colher.“O campo arado” e vou plantar.

Ungaratti colhe para plantar, em vez de planta para colher. A colheita significa que agora tenho o que plantar, e na relação da uva com o campo se costura a união do maduro com o arado. Nas uvas o campo está arado, no campo as uvas estão prontas para serem colhidas. E sobre a terra desta maneira há serenidade, há paz, o sol se põe, os dedos espelham luz, as andorinhas, o ar, o sagrado monte entre as nuvens, muito longe, muito alto, muito sereno, para onde vai o olhar. E a luz declina, talvez também as forças, o esforço, o trabalho concluído.
A luz declina, no brilho dos espelhos do verão, na sua luz metálica.
Ungaretti está em quietude.
No lar.
Eu me repito nesta releitura. Mas a paisagem é amazônica.
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