Que importa o areal, e a morte e a desventura
Em: 04/03/2010, às 14H11
A leitura do romance histórico de Aydano Roriz, «O Desejado», me fez reler a terceira parte da MENSAGEM de Fernando Pessoa. 'Sperai! Cai no areal e na hora adversa Que Deus concede aos seus O romance me surpreendeu. Em vários pontos. O autor diz que o jovem rei era hermafrodita, e por isso não se casou. Seu cadáver foi embalsamado em Marrocos, e anos mais tarde resgatado por Felipe de Espanha. Oh, tudo é mistério, e não «haverá rasgões no espaço / que dêem para outro lado»... Romance intrigante, momentos de rara beleza. Mas volto ao mito. Prefiro o mito. Sou, a meu modo, um sebastianista (mais seria se não fosse, para tanto viver tão curta a vida...). Por isso Camões entregou seu poema a D. Sebastião. O jovem rei, no livro, é rapaz extremamente religioso, pudico, puritano, se delicia a matar porcos na cozinha, a assistir às sessões de tortura, ao suplicio dos condenados. Havia condenados pelos mais extremos e hediondos crimes, como o crime da masturbação, por exemplo. A obsessão do rei em matar-mouros lembra certo presidente de nação distante, hoje. Conflito que vem de longe, entre nossa boníssima e caridosa civilização cristã e a dos cruéis árabes pagãos. Mas: Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Devemos a D. Sebastião o nome da nossa cidade do Rio de Janeiro. Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastião? Talvez seja Mito. Prefiro o Mito. «No imenso espaço seu de meditar, Constelado de forma e de visão, Surge, prenúncio claro do luar, El-Rei D. Sebastião».