Que fim levou

[Chagas Botelho]

Que fim levou a quitanda do seu Flor? Vendinha da rua aonde o expresso F. Cardoso catava passageiros, na mesopotâmica cidade de Barras. Nela, eu comprava pirulito do zorro, farinha de puba, meia quarta de açúcar e meia quarta de café. Anzóis e chumbadas que mergulhariam nas águas do rio Marataoã. E também alguns pacotes de fumo Saci, quando meu pai era fumante inveterado.

Que fim levou a quitanda do seu Olímpio? De lá dava para ver uma ponta da igreja de Nossa Senhora da Conceição e um pedaço da praça da matriz. O seu Olímpio, eu sei que ele via, mas fazia vistas grossas, para os meus furtos de botões que logo seriam transformados em jogadores de futebol. Os maiores eram escondidos no bolso da bermuda cáqui, os menores eram ocultados na própria boca.

Que fim levou a quitanda do seu Conrado? Tinha portas altas e balcão de madeira maciça. Lá tomei minha primeira Coca-Cola enquanto observava os capiaus se servindo de doses cavalares de conhaque São João da Barra com rodelas de limão da terra. Outros desarrolhavam um litro de Velho Barreiro cujo primeiro entorno era dedicado a Sileno, que segunda a mitologia grega, foi mestre de Dionísio e de Baco.

Que fim levou a quitanda do seu Luís Sabino? A que ficava na esquina da Unidade Escolar Gervásio Costa e que dava acesso aos banhos, Poço dos Homens e Poço das Mulheres. Quando o sino da igreja repicava às seis da tarde, hora sagrada da Ave Maria, eu saia de casa em disparada para comprar pão, massa grossa e massa fina, pelas mãos do patriarca da família sabinada. Eu ainda lhe pedia a benção como se fosse seu parente.

Que fim levou a quitanda do seu Quincas? Era a última da rua do cemitério e contígua ao templo da Assembleia de Deus. Muitas compras domésticas e escolares foram feitas naquele ambiente que exalava suaves eflúvios de secos e molhados. Sabão de solda, óleo Singer, querosene, azeite de coco, cartolina, papel de seda, folha de papel almaço com e sem pauta. E para uso corporal comprava-se minâncora, leite de rosa e alfazema suíça.

Que fim levou a quitanda do seu Saturnino? Ponto central das famosas gritadas de leilões. No meio da barulheira, leiloava-se o inimaginável. Porco vivo e porco morto. Tripas, buchada, fato, fissura e chouriço. Couro de bode, couro de vaca, canários belgas e casal de anum. Cangalhas de macaxeira, latas de estrume, bolo de goma e de fubá, rapadura, doce de buriti e doce de batata. Sacos de oiti, sapoti, canapum e jatobá. Sacas de arroz, feijão e milho. Naquele pregão de eminentes roceiros entrava rede feita de corda de tucum, gibão de vaqueiro e até chifre de boi ruminante. Tudo ali se arrematava.

Caros leitores que estão na leitura, como diria Aristóteles. Ontem, à hora crepuscular, eu avistei uma quitandinha (essa da foto) semelhante às tantas que frequentei quando era frangote. Olhei bem para seu interior, para o seu estoque de mercadorias e, claro, para a sua balança destacável. Ao ver tudo aquilo, me fiz a mesma pergunta: “que fim levou a minha meninice traquina e feliz? Que fim levou meus bons verdes anos?” Eis que o agora me responde: “foi vendida e levada numa daquelas sacolas de gêneros alimentícios e miudezas de outrora.”