ELMAR CARVALHO

No meu trabalho de reorganização do que restou de minha biblioteca, terminei encontrando um exemplar de LB – Revista da Literatura Brasileira. Trata-se do exemplar nº 6. A brochura, de apenas 45 páginas, consequentemente sem nome na lombada, encontrava-se perdida entre os meus livros, de maiores dimensão e volume. Não a via há vários anos. Pensava até que ela se extraviara, no meio de tantos papéis. Por uma circunstância que adiante será explicada, não lhe havia esquecido. O número que tenho em mãos contém crítica literária, resenha de publicações, contos, crônicas, uma novela e outras matérias.

 

Não há indicação sobre sua periodicidade. O exemplar em comento é referente ao ano de 1997. Seu conselho editorial é formado por Aluysio Mendonça Sampaio, poeta e contista, e Henrique L. Alves, crítico literário, secretário geral da Academia Paulistana de História. Gloria Rivers é o nome de sua secretária administrativa. Entre suas matérias constam Quatro Contistas do Brasil, em que figuram Aluysio Mendonça Sampaio, Caio Porfírio Carneiro, Dalton Trevisan e Moacir Sclyar, e Quatro Poetas do Piauí, cuja seleção recaiu sobre Da Costa e Silva, H. Dobal, Clóvis Moura e Elmar Carvalho. Considero o primeiro, o nosso poeta maior, o nosso poeta laureatus, o príncipe dos poetas piauienses. Dobal e Clóvis, estão entre os poetas piauienses de minha predileção, aos quais, entre os mortos, acrescentaria Mário Faustino, Celso Pinheiro, Martins Napoleão e Jonas Fontenele da Silva. A contracapa anunciava que a próxima edição traria os Quatro Poetas do Rio de Janeiro, sem lhes antecipar os nomes.

 

Meu primeiro contato com a poesia de Da Costa deu-se quando eu era garoto, quando ainda cursava o antigo ginásio, através de uma professora de Português e Literatura, não sei se dona Francisca Teresa Andrade ou se dona Eidene, filha do farmacêutico e comerciante Aquiles Brasil Rocha. O fato é que a mestra leu o soneto A Moenda, de nosso poeta maior, para mostrar a riqueza dessa composição, tanto pelo conteúdo como pelas figuras de estilo, sobretudo as aliterações começadas pela letra r. Eu já conhecia, na época, os grandes poetas nacionais, e fiquei orgulhoso de que o Piauí tivesse um poeta de tal magnitude, um bardo que se lhes podia ombrear.

 

Desse episódio, fiquei com a certeza de quão era importante o estudo de literatura em sala de aula. Por esse motivo, quando presidi a UBE-PI, gestão 1988/1990, lutei para que o ensino de Literatura Piauiense fosse posto no texto constitucional do estado como disciplina obrigatória, o que terminou acontecendo, graças ao esforço e obstinação do deputado Humberto Reis da Silveira, que homenageei com honrarias da entidade, cujos diplomas ele emoldurou e expunha em seu gabinete, porquanto sabia da sinceridade da outorga. Um pouco depois da declamação feita por Francisca Teresa ou Eidene, na Casa do Estudante do Piauí, em Teresina, vi o poema Saudade, estampado em um cartão postal, e mais uma vez constatei a grandeza do poema dacostiano. Desse soneto, meu pai extraiu o magnífico verso – Saudade ! Asa de dor do Pensamento! – e o depôs na lápide de minha irmã Josélia, falecida aos 15 ano de idade, vítima de desastre automobilístico, no esplendor de sua beleza e carisma. Estive presente a alguns dos eventos da comemoração de seu centenário de nascimento, ocorrido em 1985, inclusive a uma palestra proferida pelo poeta e embaixador Alberto da Costa e Silva, seu filho. Li o número da revista Presença, elaborado em sua homenagem, com matérias biográficas e críticas sobre ele. Não lhe pude adquirir o livro de suas Poesias Completas, editado na época. Comprei-as numa edição posterior, da Nova Fronteira, e as li todas, com prazer, enlevo e enternecimento.

 

Meu primeiro conhecimento dos versos de H. Dobal se deu quando eu tinha em torno de 19, 20 anos, quando conheci a avantajada biblioteca de João Nonon de Moura Fontes Ibiapina, quando fui visitá-lo, acompanhando uns parentes de meu pai, que eram seus amigos. O nobre magistrado e escritor morava em um sobrado, na rua Pedro II, em Parnaíba, e seu acervo ocupava um amplo salão do andar superior. Fontes Ibiapina era um homem simples, humilde, sem empáfia e sem afetação. Não era verborrágico e nem eloquente, de modo que não impressionava muito em sua conversa. Na verdade era muito contido, chegando quase, às vezes, a ser monossilábico. Entretanto, era um mestre na arte de escrever. Eu era leitor de sua coluna de resenhas literárias, publicada semanalmente no jornal Folha do Litoral, que ele manteve durante muitos anos. Magistrado íntegro, imparcial, foi um dos fundadores da Academia Parnaibana de Letras, e seu primeiro presidente.

 

Nessa visita ou em outra, já não tenho certeza, mostrou-me sua grande biblioteca. Admirou-se quando eu lhe pedi emprestado uns livros de sua autoria, pelo fato de que, entre tantos clássicos da literatura universal, eu fosse escolher os de sua lavra. Acontece que eu já lhe lera Brocotós, anos atrás, por empréstimo de uma prima, e gostara muito de suas estórias e forma de narrar. Nessa ocasião, sabendo que eu era de Campo Maior, perguntou-me se conhecia os poemas de H. Dobal. Ao lhe responder negativamente, mostrou-me alguns versos do poeta. No início, estranhei aqueles versos personalíssimos, inusitados, sem preocupação com rimas, e somente em futuras e sucessivas leituras pude apreciar a sua beleza ímpar, sem derramamentos emocionais. Décadas após, sugeri seu nome ao vereador Luiz Carlos Martins Alves, para que ele recebesse o título de Cidadão Honorário de Campo Maior. O nobre edil conferiu-me a honra de proferir o discurso em sua homenagem, por ocasião da outorga da honraria. Quase três anos atrás tive a elevada honra de ocupar a cadeira nº 10 da Academia Piauiense de Letras, que fora ocupada por H. Dobal, sem a pretensão de que estaria a substituir esse aedo insubstituível.

 

Quanto a Clóvis Steiger de Assis Moura, tomei contato com sua arte poética através da revista Presença, então órgão da Secretaria de Cultura. Mais tarde me veio às mãos o valioso opúsculo Argila da Memória, em que as suas lembranças líricas e amarantinas ficam a pulsar e borbulhar por entre suas páginas, com gargarejos de gargalos, com golfadas de afogados, com rumorejos de redemoinhos, em que perpassam as elegias dos sinos e do cemitério, e as lembranças dos que se foram, tragados pelas águas traiçoeiras do Velho Monge. Quando ele veio lançar um pequeno livro de cordel, conheci-o pessoalmente. Soube depois, que ele, com o apoio de Cineas Santos, publicara o livro Duelos com o Infinito (2005), através da Secretaria da Educação. Tendo admirado Argila da Memória e Flauta de Argila, porfiei em conseguir esse livro. Procurei o poeta Cineas Santos, que só tinha um único exemplar. Disse-me ele que eu talvez conseguisse algum volume na Seduc.

 

Nesse órgão, procurei uma conhecida minha, que não conseguiu localizá-lo. Obstinado, dirigi-me ao gabinete do secretário, para ver se existia algum exemplar perdido em alguma gaveta ou prateleira. Não havia. Entretanto, uma servidora do gabinete, vendo o meu interesse e esforço, disse que iria tentar encontrar algum exemplar, em outros setores da Secretaria. Ficou de me ligar se a procura tivesse êxito. Ligou-me alguns dias depois, para me dizer que podia ir buscar o livro. Fui e o recebi de suas boas e abnegadas mãos. Mergulhei, então, na leitura desse grande poeta piauiense, que foi também notável sociólogo, com respeitáveis estudos sobre negritude, ele que era descendente de escravo e de barão do império prussiano. Pesquisador determinado e sério, ficou vários dias ou meses na comunidade dos Mimbós, estudando a história, a cultura e os costumes desses remanescentes de quilombolas. Tenho a honra de ser o primeiro ocupante de cadeira da Academia de Letras do Médio Parnaíba, sob seu patronato.

Voltando a falar da LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6, devo dizer que não sei quem me indicou para fazer parte da seção Quatro Poetas do Piauí. Quem o fez, nunca me alegou tal iniciativa, e nunca me apresentou fatura e nem cobrança. Na capa de meu exemplar, existe autógrafo da professora Clea Melo, chamando-me a atenção para a página 33, na qual começa minha participação. Foi ela quem me enviou a revista, o que demonstra ser ela uma verdadeira amiga, pois os falsos e dissimulados só gostam de se referir às notícias que não nos são favoráveis, ignorando, em ressentido silêncio, as que reconhecem as nossas vitórias e qualidades positivas. Cada poeta teve direito a três páginas. Foram publicados três poemas de cada autor, exceto de Clóvis Moura, que participou com quatro textos.