Quando Leminski traduz Bashô

"O haikai é uma composição poética japonesa que pretende sugerir um máximo de sensações através de um mínimo de palavras. Na sua forma clássica, apresenta apenas 17 sílabas, organizadas em terceto, com uma métrica de sete sílabas no segundo verso e de cinco sílabas no primeiro e terceiro versos" (http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/28941.html).

 

As traduções são inúmeras, mas o poema é um só:

 

Furu ike ya

Kawazu tobikomu

Mizu no oto

 

Matsuô Bashô (1644-1694)

 

Transcriações (conceito de Haroldo de Campos):

 

 

"Ah! o velho poço!

uma rã salta

som da água.

 

Tradução de Armando Martins Janeira (1914-1988)

   

 

Quebrando o silêncio

do charco antigo a rã salta

n'água - ressoar fundo.

 

Tradução de Jorge de Sena (1919-1978)

(...)".

 

   

 

[2 transcriações acima:

 

http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/28941.html]

 

"Matsuo Bashô (1644-1694)

 

Olha o velho lago –
Após o salto da rã
O barulho da água.

 

 

Trata-se do haicai mais famoso de todos os tempos, o que não quer dizer que seja o melhor haicai do mestre. Hoje, aceita-se que foi apenas o poema que inaugurou a escola de Bashô, denominada Shôfû. Conta-se que ele estava reunido com os discípulos, quando apresentou os versos “kawazu tobikomu/ mizu no oto” (barulho da água após o salto da rã), propondo que alguém os completasse. Como numa paródia, que distorce valores estabelecidos para gerar humor, a novidade de Bashô era que a rã não se fazia representar pelo seu canto, como na poesia tradicional, mas apenas indiretamente, pelo ruído de sua entrada na água. Kikaku propôs que o primeiro verso tivesse a palavra “yamabuki” (rosa japonesa, Kerria japonica), para formar uma combinação tradicional com a rã. Mas Bashô, para assombro dos presentes, replicou com “furu ike” (velho lago), originando, assim, um foco de tensão entre a tranqüila solidão do velho lago e o salto inesperado da rã que perturba o ambiente com seu barulho. O kigo (termo de estação) é kawazu, rã, correspondente à primavera" (http://www.nippo.com.br/zashi/2.haicai.mestres/092.shtml).

 

Transcriações em outros idiomas:

 

ESPANHOL

un viejo estanque;
se zambulle una rana,
ruido de agua

(http://raulpough.blogspot.com/2008/09/bash-espanhol.html)

 

FRANCÊS

un vieil étang
une grenouille plonge
le bruit de l’eau

(http://nekojita.free.fr/NIHON/BASHO.html,

Bibliographie : Cent onze haïku de Bashô, Verdier 2002. Traduction de Joan Titus-Carmel)

 

 

INGLÊS

"31 traduções e um comentário":

http://www.bopsecrets.org/gateway/passages/basho-frog.htm

 

ESPERANTO

L' olda lageto
Malgranda rano ensaltas

La plaŭdado de l'akvo

(http://eo.wikipedia.org/wiki/Matsuo_Basho)

  

COMPARAÇÃO ENTRE A TRADUÇÃO

DE PAULO LEMINSKI E "A MINHA" (F. Bittencourt)

(1) Paulo Leminski

"velha lagoa
o sapo salta
o som da água

(Tradução de Paulo Leminski. De Matsuo Bashô , do mesmo, 1983. Este haicai está escrito inteiramente em minúsculas, e não tem pontuação)"

(http://www.kakinet.com/caqui/brasil6.htm)

(2) Flávio Bittencourt (29.9.2009)

 

velha lagoa

uma rã pula

o som da água

 

Evidentemente, não se trata de "uma tradução minha (F. Bittencourt)", mas de uma verdadeira adesão à transcriação de Leminski, uma vez que o primeiro e o terceiro versos não foram tocados.

Resta explicar a preferência de 'uma rã pula' a 'o sapo salta', ou, por exemplo, a 'uma rã mergulha'. É o que farei, brevemente, a seguir.

O som '... saposal ...' do verso de Bashô/Leminski ('o sapo salta') é quase "ondulatório", ou seja, sugere um "vai-e-vem", digamos, pensando-se na noção semiótica de "contaminação do significante pelo significado" (como Décio Pignatari prefere falar em SIGNO/OBJETO/INTERPRETANTE a utilizar as expressões SIGNIFICANTE e SIGNIFICADO, em especial atenção a esse grande mestre de Jundiaí-SP, evoco as lições do Prof. Pignatari a respeito do conceito de ÍCONE, mas en passant, para não fugir daquilo que no momento ocupa o meu pensamento).

Em 'uma rã pula', a primeira sílaba da palavra 'pula' corresponde,  ao menos é assim que a percebo, ao choque do pequeno batráquio com a água: o 'pu' sendo uma espécie de "plaft!". E uma rã é mais delicada do que um sapão cururu, por exemplo.

Mas é claro que estas considerações são uma pequena homenagem à memória de Leminski, e não uma crítica a essa transcriação, soberba, dele, entre tantas outras excelentes traduções do "poema mais famoso de todos os tempos". E eu retiro a mudança do meio da leminskiana transcriação antes de ser vaiado. Apresentei apenas um ensaio de leitor, portanto.