acervo do autor
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À janela, observo a sete-cascas agitar-se ao vento. As folhas, agora mais alegres, cantarolam junto comigo: pois a chuva voltando pra terra traz coisas do ar. Que venha abundante, e mansa! Meu rogo, no entanto, é sufocado pelas notificações no celular. 

Mensagens do Bacana, companheiro de escrevivências, vindas da serra gaúcha. Desbloqueio o telefone: em preto-e-branco, uma montanha-russa sob o céu quase coberto de entardecer. Ele, o Bacana, não sabe: andei apenas uma vez num troço desses. Uma vez pra nunca mais! Certas coisas - certos cagaços, como diz o amigo – a gente não é besta de repetir na vida.

Foi numa tarde quentíssima, como são até hoje as tardes ubaenses. O pai saiu da bilheteria, montão de ingressos cor-de-rosa na mão; metade pra mim, metade pra minha irmã; mandou escolher aonde iríamos primeiro. Trem-fantasma, gritei antes que a bubiça inventasse de desperdiçá-los no carrossel ou no minhocão: eu não tinha mais saco pra ficar rodando em brinquedo de criança. Mas, pra minha surpresa, ela apontou: quero ir naquilo ali. Minhas vistas subiram, subiram, subiram um bocadinho mais, fiquei tonto. Tá de brincadeira, deixei escapulir. Não, não brincava, embora estivéssemos num parque de diversões. Pra tentar afastá-la daquela ideia de jerico, sugeri o carrinho-de-batida. A marmota, porém, emburrou, não arredou pé.

“Você sabe, sua irmã não pode ir sozinha, e eu não entro nessas coisas”, disse o pai. Sim, sabia; como o Chapolin, suspeitei desde o princípio, isto é, desde que a metida apontou aquele carrinho que quase cuspia gente num looping medonho, eu já sabia. Mesmo assim, insisti no trem-fantasma. O pai crispou a testa, os olhos me fuzilaram perguntando se queria mesmo ficar naquela fila, debaixo do sol de rachar, o resto do dia. Neguei, olhando pra onde seu dedo apontava. A decisão, irrecorrível, foi proferida: “Se não quer perder tempo, acompanha ela e, depois, quando aquele monte de bocoió tiver desocupado o trecho, você vai caçar fantasma.” Fazia sentido, claro. Mesmo assim, acatei a decisão me sentindo um grandissíssimo injustiçado.

Um sujeitinho com cara de lagarto arrancou meus ingressos, abriu a portinhola; ajeitou a mana, me empurrou; mandou não mexer ali e segurar aqui. Àquela altura, não via o ali nem o aqui que a mão desmilinguida mostrava. A alavanca desceu; as rodas começaram a rilhar. A marmota ao meu lado ria, ria sem parar. Sem entender o porquê, virei pra trás. O sorriso do lagarto garantia: vai morrer sem conhecer um trem-fantasma.

A subida foi tranquila. Tranquila até demais. De repente, o carrinho disparou a descer, agarrei a barra de ferro (sei lá se podia), as pernas bambearam, os olhos fecharam com muita força, gritei: vai acabar, vai acabaaaaaaaaaar...

Outra notificação: Bacana quer opinião sobre a foto. “Escribe, y recordarás”, respondo, citando Borges, um de seus prediletos. Enquanto a mensagem atravessa criptográficos caminhos até se decodificar lá no sul, os primeiros pingos tombam no asfalto.

Olhando novamente a velha árvore, pergunto por que me quedo assim, nostálgico, quando chove.