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A medida do espaço somos nós, homens, baterias de cozinha e jazz-band, estrelas, pássaros, satélites perdidos, aquele cabide no recinto do meu quarto, com toda a minha preguiça dependurada nele...
Mario Quintana
          Recentemente ouvi de um professor de Física a seguinte afirmação: “Quando os físicos não conseguem compreender muito bem algo, eles costumam dar nomes a este algo”. Essa técnica, segundo o professor, ajudaria o físico a entender melhor um fenômeno desconhecido ou incompreensível.
A essa altura você estará se perguntando: afinal, o que isso tem a ver com o assunto do texto: espaço? Talvez, pense que essa seja mais uma “maluquice” de um professor de Física.
Na verdade, quero demonstrar que as palavras nada mais são que construções da mente humana, podendo ter diferentes significados em contextos distintos. A palavra “cadeira”, por exemplo, tem uma significância bem clara para você; no entanto, para um habitante do interior de uma floresta, que sempre sentou no chão, ela não representa absolutamente nada.
Do mesmo modo, sabemos o quanto as ideias e, consequentemente, as palavras que as nomeiam, podem mudar com a passagem do tempo. Elas assumem significados diferentes dando origem a outros conceitos que, igualmente, mudam, em um ciclo que nunca se esgota. E um conceito que tem passado por várias dessas transformações é o assunto do texto: espaço.
Renè Descartes, filósofo francês do século XVII, definia “matéria” como sendo o formato, o tamanho e a localização de um objeto; qualquer outro atributo (cor ou cheiro) era irrelevante para o seu pensamento. Conclusão: para Descartes, matéria e espaço eram idênticos, onde existisse um existiria o outro, sendo inconcebível, portanto, a ideia de vazio.
Por outro lado, Isaac Newton, por acreditar em influências que poderiam ocorrer à distância (vide a força da gravidade), já não se sentia à vontade em estabelecer uma relação tão estreita entre espaço e matéria. No entanto, ele acreditava em um espaço absoluto, intocável e independente de qualquer observador. Logo, para Newton, não importava quem estava olhando ou como se olhava, o espaço percebido e sentido era o mesmo para todos.
E Einstein? Qual a sua concepção de espaço?  Para ele, o espaço não tinha um caráter absoluto e intocável; na verdade, a mera presença da matéria mudaria completamente as suas características. Essa nova visão do conceito de espaço colocou de ponta-cabeça concepções que, até aquele momento, eram inquestionáveis como, por exemplo, o fato de a menor distância entre dois pontos não ser necessariamente uma reta, mas uma curva. Além disso, a partir de Einstein, o espaço passou a estar ligado a outro conceito também definido por Newton de forma absoluta, o tempo. Com a Teoria da Relatividade, espaço e tempo constituiria uma única entidade, um continuum. Como disse antes, as ideias e, consequentemente, as palavras que as expressam, alteram-se, muitas vmezes de maneira radical.
E você? Se tivesse que escolher, com qual concepção de espaço ficaria? Será que ao olhar seu espaço de trabalho, por exemplo, você seria capaz de afirmar que todos o percebem da mesma maneira? Que sentimentos você crê que ele desperta nos outros? Você se vê nele ou fora dele?
Se a sua ideia de espaço segue uma linha cartesiana, talvez para você baste uma área ampla, despojada, onde as sensações não tenham importância e seu único desejo seja se mover sem dificuldades. No entanto, se você faz mais o tipo newtoniano, nada vai importar, pois seu espaço é absoluto e nele estará contido tudo o que realmente interessa para você ou para qualquer outro que venha ocupar esse mesmo lugar. Agora, se é a ideia einsteiniana a que mais lhe agrada, prepare-se, porque, nesse caso, o seu espaço estará em constante transformação, simultaneamente mutante e mutável. Contudo, esse novo espaço, em vez de desgostá-lo, vai lhe servir de reforço e apoio para outras mudanças que provavelmente irão ocorrer.
           De minha parte, acredito que o espaço é uma construção do nosso próprio desejo de existir e – por que não? –, de ser aceito. E quando digo “ser aceito” não é apenas no sentido de ser tolerado, mas de ser realmente percebido e compreendido. Cada objeto do espaço que construo representará, portanto, apenas uma parte de mim mesma. Afinal, sou muito mais que objetos, palavras ou ideias, sou única em meus desejos e sentimentos e o meu espaço é tão somente um reflexo do que realmente sou.
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