0

Miguel Carqueija

Resenha do episódio 1, “Coeficiente criminal”, do seriado japonês de animação “Psycho Pass” (Senha psíquica)(“Saiko pasu” no original) – Production I.G., Japão, 2012-2013. Direção de Katsuyuki Motohiro.

“Eles devem ter percebido no instante em que se viram. Que muito antes de terem se encontrado, esse destino já os aguardava. Não foi um econtro passageiro. Eles se entendiam melhor do que ninguém, e um estava focado no outro.”
(Tsunemori Akane referindo-se ao longo duelo entre o justiceiro Kogami Shinya e o assassino psicopata Maxishima Shogo, que se desenrola ao longo do seriado)

Você atiraria em alguém que não cometeu crime algum?”
(Tsunemori Akane)

“Esta novata vai dar um trabalhão.”
(Masaoka Tonomi)



“Psycho Pass” é um dos melhores seriados televisivos de ficção científica que já assisti em toda a minha vida, sendo também uma animação perfeita em seu detalhismo, mostrando os arranha-céus da cidade grande, a chuva ou as expressões fisionômicas, com esmerado perfeccionismo. É uma distopia “cyberpunk” em seus 22 episódios que geraram um mangá e uma temporada posterior.
Tudo gira em torno da heroína Tsunemori Akane, inspetora de polícia, uma figura impressionante mas que só aos poucos vai se impondo na trama com sua integridade moral, sua coragem e seu extraordinário senso de justiça. Num mundo dominado pelo cruel sistema Sybila, ou Sybil, que condena à prisão ou à morte pessoas que não cometeram crime algum pela simples potencialidade, é ela, Akane, a “avis rara”, aquela que rema contra a corrente e não se conforma com o que é por natureza injusto.
Neste futuro distópico e indeterminado, uma espécie de ordem e segurança foi imposto pelo misterioso sistema Sybila, uma rede que controla as armas falantes “dominators”, que conforme o modo disparam energia capaz de paralisar ou de matar. E são elas que decidem, que julgam as pessoas medindo o seu coeficiente criminal; se sobe a 130 ou mais a pessoa é considerada assassina em potencial. Instrumentos de precisão que medem o “psycho pass” relacionam os indivíduos com cores, o verde escuro é sinal de alta tendência para o crime. Nos trabalhos de campo os detetives utilizam os serviços dos coatores ou justiceiros, indivíduos que possuem elevado CC mas, por um acordo com as autoridades, permanecem em liberdade mas servindo o sistema. Eles não têm problema em matar criminosos (efetivos ou potenciais), fazem o serviço sujo.
Num dia de muita chuva a jovem Tsunemori Akane, que acaba de ser nomeada inspetora de polícia após ter se destacado como a melhor aluna da academia, apresenta-se ao Inspetor Ginoza que, seco, informa que a divisão tem pouca gente e não há tempo de tratá-la como novata; terá de entrar imediatamente em ação, acompanhando-o e à equipe de coatores numa missão perigosa. Tímida, meio assustada, inexperiente, Akane vê-se de saída diante de uma situação cruel e que ela não previra. O frio e antipático Ginosa, com seus óculos, explica que um sujeito foi identificado na rua com um coeficiente criminal (CC) muito elevado e, recusando tratamento, fugiu e ainda levou uma refém, sumindo-se num quarteirão desabitado exceto por mendigos e desocupados. Chamando seus “cães de caça”, uma mulher (Kunizuka) e três homens (Kagari, Kogami e Masaoka, este um homem maduro), Ginoza comanda a expedição, levando Akane como inspetora auxiliar. No antro onde se desenrola o drama a mulher é despida e estuprada pelo psicopata (deve-se entender que esta série nada tem de infantil, é um filme adulto). Logo, porém, ele é cercado por Akane e pelos coatores Kogami Shinya e Masaoka Tonomi, que a acompanharam, pois o sexteto se dividiu. Kogami, sujeito tipo “durão tranquilo”, vindo do outro lado consegue matar o assassino com um projétil explosivo, já que o mesmo, ameaçando a refém, paralisara o avanço de Akane e Masaoka.
Mas algo complica a situação. As dominators identificam na apavorada vítima, traumatizada e suja de sangue, desejos assassinos. O CC ou PP (Psycho Pass) subiu assustadoramente. Masaoka vai atirar no modo paralisia, mas Akane o detém: atirar em alguém que não fez nada? Na vítima de sequestro e estupro? Mas o coeficiente da pobre mulher sobe mais ainda e a dominator de Kogami dita a instrução: modo letal liberado. Por demais condicionado a obedecer sua própria arma, Kogami vai disparar... mas antes que puxe o gatilho, Akane atira nele... com o modo paralisia.
Agindo como uma policial humana, Akane dirige-se à vítima. Esta, empunhando um isqueiro aceso (única “arma” que encontrou ao seu alcance) está numa atitude agressiva, levada pelo trauma e pelo desespero, mas Akane, sorrindo, consegue acalmá-la e levá-la a apagar o isqueiro. Então, a policial a seda para que possa ser levada e tratada.
Akane, assim, desde o início se rebela contra a impiedade do sistema. Baixa, de aparência pouco impressionante, nem sequer muito bonita, um tanto insegura no início, ela irá se agigantando ao longo da série. A Inspetora Akane é o elemento puro agindo dentro do sistema impuro; com sua nobreza, arrojo e senso de justiça, é ela quem fará a diferença. Entretanto, o Inspetor Ginoza, que comanda aquele setor, não gostou nem um pouco da sua atitude, e Akane terá de se explicar com ele.
O que ela fez: salvou uma vida inocente de ser eliminada por ordem de uma máquina.
Desafiar o sistema pode ser um ato de temeridade.
Veja-se que na distopia de “Psycho Pass” a vida humana é mercadoria por demais barata, podendo ser eliminada pelo julgamento de uma arma falante, mas que não possui consciência e não avalia motivações e atenuantes. Além disso, condena sem crimes concretos, mas pela simples possibilidade. O mundo atual já é um mundo que desvaloriza ao máximo a vida humana. “Psycho Pass” traz embutida uma mensagem contundente em favor do amor e da justiça, através da protagonista Tsunemori Akane.


Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2015.