[Bráulio Tavares]

 



(foto: Yanik Chauvin)

Foi uma dessas semi-gafes em que sou especialista. A gafe é involuntária, é quando a gente paga um mico, mas agindo com a maior inocência. A semi-gafe é quando a gente pensa “se eu fizer isso vai ser uma saia-justa danada”, mas faz assim mesmo. Faz uns quinze anos, eu estava em São Paulo numa reunião cultural qualquer. Um cara colocou na minha mão uma revista enorme, em papel cuchê, a cores, com uma programação gráfica de cair o queixo, e disse: “É o número 1 da revista que estamos lançando, tem os melhores fotógrafos, os melhores ensaístas...” Folheei, fiquei de queixo caído; vi no índice os nomes de colaboradores dos mais ilustres, uma galera que abrangia desde catedráticos da USP até poetas independentes do Bexiga. Elogiei, o cara disse: “Pois é, nosso esforço foi para fazer uma revista literária de nível profissional, e acho que conseguimos. Você poderia nos mandar uma colaboração?” Perguntei quanto eles pagavam por um artigo. O rapaz pigarreou, ajeitou o nó da gravata: “Olha, como nós estamos ainda começando, essa questão da remuneração dos colaboradores ficou para mais adiante, quando a revista estiver mais estruturada”. Eu devolvi o exemplar para ele e disse: “Sei como é. Então quando passar essa fase amadora, e começar a fase profissional da revista, quem sabe eu mando uma colaboração”. O cara deu uma risada, um tapinha nas minhas costas e nunca mais falou comigo.

Eu vejo por aí as pessoas usarem os termos “profissional” e “amador” de um modo totalmente inadequado. Para elas, profissional é tudo que é super bem feito, super competente; amador é tudo que é tosco, desajeitado, imaturo. Eu discordo e proponho a seguinte fórmula: profissional é todo trabalho que é pago, e amador é todo trabalho que é feito de graça. Em ambos os casos existem gradações que vão do mais sofisticado ao mais tosco. E nenhum de nós é totalmente profissional ou totalmente amador. Eu mesmo todos os dias me alterno entre trabalhos profissionais (como esta coluna, pela qual recebo um salário) e trabalhos amadores, que não me rendem um tostão, mas que eu faço por amor à arte, ou por amizade, por desfastio, por curiosidade, por qualquer outro motivo que não seja um depósito bancário.

Tem muito trabalho profissional que é labrojeiro – a gente chama um encanador pra ajeitar um vazamento e uma semana depois tem que chamar outro, porque o conserto ficou igual à cara de quem fez. E muitos catedráticos escrevem artigos amadores de alto nível, porque a USP lhes paga um belo dum salário e lhes permite escrever de graça para revistas onde o único profissional é o cara que embolsa os lucros.