Priorizar o gênero,sem descuidar da gramática
Em: 24/06/2010, às 11H57
O auditório da PUC de São Paulo estava lotado. Reunia pesquisadores e estudantes de várias universidades, além de técnicos de secretarias de educação e representantes de ONGs. Em uma nova visita ao Brasil, o professor Jean-Paul Bronckart proferiu a conferência "Gêneros de texto e desenvolvimento" e alertou sobre as posições extremistas no ensino da língua: "Antes era ensinar gramática sem se preocupar com o texto. Hoje há uma forte concentração no ensino da produção de texto e se minimizou o ensino da gramática. É improdutivo. Não se pode passar de um extremismo a outro. O sucesso do ensino depende da capacidade de articular o ensino da língua ao ensino do texto", explicou.
Professor da Universidade de Genebra, autor de mais de 300 publicações científicas, tendo lançado no Brasil, entre outros trabalhos, os livros Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano (Mercado de Letras, 2006) e O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores (Mercado de Letras, 2008), o pesquisador lembrou que toda a aprendizagem humana beneficia-se da existência e da capacidade de aprender regras: "A aprendizagem do texto beneficia-se disso também".
Apesar de ser um dos maiores especialistas e defensor do uso dos gêneros para a aprendizagem da língua, ele contou que ensina gramática a seus alunos na universidade, futuros professores em Genebra. "Há um déficit real dos conhecimentos gramaticais", conta sobre a experiência com os alunos. Disse que eles possuem noções básicas de sujeito, verbo e adjetivo, mas que se confundem com as preposições, conjunções e advérbios, por exemplo. "É preciso ter noção disso também", afirmou.
Falando da metodologia de ensino baseada em sequências didáticas, disse que é possível, por meio delas, utilizar os conhecimentos gramaticais que os alunos dispõem: "É colocar a gramática a serviço da produção de texto".
O trabalho com os gêneros e a capacidade comunicativa
Gramática à parte, Bronckart também alertou que os professores devem evitar o "aplicacionismo", ou seja, tentar seguir preceitos teóricos como receitas prontas a serem aplicadas em sala de aula, na hora de trabalhar com os gêneros. "Nenhuma teoria vai nos ajudar na escolha dos gêneros", disse. Segundo ele, devem ser procurados elementos teóricos úteis e aplicáveis às situações específicas de educação, valorizando a experiência prática do professor. "Essa escolha é difícil, não há uma teoria que diga qual escolher. É uma escolha prática baseada em tentativas, em acerto e erro. Há um problema tipicamente didático que é a necessária escolha dos gêneros na escola. E há muita diferença de gêneros que são utilizados na vida concreta dos alunos. De qualquer maneira é preciso escolher."
Ele sugere que o próprio professor construa um modelo didático, "uma versão simplificada do gênero".
Seguindo o mesmo princípio sobre a aplicação automática de teorias, Bronckart lembrou que a própria ideia de sequência didática, surgida em Genebra a partir de 1985, foi construída com professores que tinham prática em sala de aula. E, mesmo ela, deve ser ponderada: "Ela tem se revelado, como metodologia, eficaz em diferentes países, mas não há razão para pensar que as sequências didáticas sejam a única metodologia válida para o ensino da produção escrita. Não é o único método a utilizar. Ela deve ser combinada com outras atividades de linguagem, com leitura e criação livre".
E se o ensino dos gêneros é, fundamentalmente, trabalhar sobre a função social do texto, o que interessa para os alunos dominarem esses textos, é que sejam capazes de produzir algo adequado às diferentes situações. "Gêneros não são simplesmente modelos complexos e teóricos. Não ensinamos gêneros propriamente, ensinamos textos adptados a diferentes situações de comunicação. É um trabalho. É um trabalho com a capacidade comunicativa. O ensino do gênero irá estimular essa capacidade", concluiu o professor.
Publicado originalmente no Portal Escrevendo o Futuro - 10.06.2010