Cunha e Silva Filho


        É com Você, leitor, do Rio, de outros estados e de outras partes do mundo que me dá vontade de falar. Nada sei da maioria e alguma coisa sei de um pequeno círculo de amigos ou conhecidos. Sei também que que, em alguma parte, alguém me lê ainda que seja por uma única vez. Vai procurar outro blog entre os milhares que existem para todos os gostos, opiniões, grupos e ideologias.
       O colunista não vai ficar zangado se não obtiver uma resposta qualquer visto que a palavra que lhe enviou nasceu de uma necessidade insopitável de me comunicar com Você através de um artigo, de uma crônica, de uma tradução, de uma resenha, de um pequeno ensaio ou parte de um ensaio maior ou até pelo recurso, hoje quase desnecessário, de lhe dirigir em inglês, tendo eu o cuidado de adicionar, logo após o texto em inglês, a minha tradução, não a eletrônica, mas a minha mesmo, com todas as limitações que possa haver, não  obstante sabendo que, como acontece no Face, há sempre, por debaixo do texto em língua estrangeira, a acessibilidade de lhe fornecerem a tradução em português.
      Como hoje, 2 de janeiro, escrevo-lhe esta  primeira coluna. A   Você dedico as minhas observações, os meus “resmungos” (estou pedindo aqui emprestado ao poeta Ferreira Gullar o termo que, se não me engano, empregou como título de sua primeira crônica para o jornal Folha de São Paulo, Caderno Ilustrada aos domingos.
      Leitor, se alguma vez lhe feri a sensibilidade, lhe fui um pouco rude, ou lhe contrariei a visão política, social, religiosa, filosófica ou de qualquer campo do conhecimento humano, não foi para prejudicá-lo. Isso jamais tive a intenção de fazer. Contudo, quem escreve, tem suas preferências, seu direito de externar uma dada cosmovisão, que lhe pertence como substrato do seu ser pensante, da sua maneira de ver um dado problema, quer nacional, quer internacional. O escritor tem que ser livre,  livre até para ser fiel a si mesmo, ou até mesmo para,  com o tempo, modificar sua visão do mundo, seus pontos de vista, posto que nem sempre correspondam aos do leitor, que, por sua a própria condição, tem igualmente sua maneira de ver o mundo, as pessoas, os fatos, enfim, as questões que interessam ao ser humano.
     Assim como o colunista tem o direito de expressão do seu pensamento, desde que saiba respeitar o leitor com uma linguagem adequada ao registro da mensagem a ser expressa, assim também tem o leitor de externar seus ângulos de visão do mundo, dos homens e de tudo que forma essa complexidade e diversidade que é o pensamento humano. Entretanto, seria muito entediante se o autor de um artigo pensasse sempre em consonância com pensamento do leitor, condição praticamente impossível e imprevisível.
     A meu ver, não é tão acertado assim ler somente quem partilhe de nossas opiniões. É preciso  que entre o leitor e o autor exista um mínimo de dialética em questões de discussão de um tema. As ideias divergentes, ao se chocarem entre si, impulsionam o intelecto a aprofundamentos saudáveis e estimulantes. 
    Nosso "horizonte de expectativa" só tem a lucrar com interlocutores que não professam os mesmos ideais nos múltiplos campos do saber universal. O que não pode ocorrer é que as divergências descambem para o terreno pessoal, para um nível de discussão, no qual só um julgue ser senhor das verdades. Neste altura do embate das ideias, o interlocutor passa ao terreno da polêmica meramente conduzida pelo personalismo, pela subjetividade, e assim ficará cego por não ser capaz de enxergar as qualidade do adversário.
     Escrevo sob a assunção de que o leitor há de ter em mente tanto as virtudes quanto as fraquezas ou mesmo erros (os “disparates de todos nós” de que falou o mordaz Agripino Grieco (1888-1973), do autor, do colunista, do escritor. Não existe maior exposição de quem escreve quando o seu texto torna-se matéria de análise ou comentário do leitor. Toda escrita tem lá seus riscos e percalços. O ato, contudo, de escrever implica correr riscos assim como experimentar deliciosas sensações e enternecimentos ou mesmo suposições de que alguém que Você não conhece nem talvez nunca conhecerá, por alguns momentos do tempo da leitura, vivenciou juízos convergentes e compreendeu que vale a pena o compartilhamento das ideias e dos sentimentos de alguém para alguém, mesmo se levarmos em conta o indeterminado background cultural entre os que escrevem e os que leem.
    Este é o pacto, leitor, que desejo muito estabelecer com Você. De um lado e de outro, somos livres, livres para acompanhar o pensamento do autor, ou para dele discordar. Naturalmente, que o nosso pacto seja o da liberdade de comigo permanecer, ou mesmo afastar-se ou finalmente - é o que aguardo com ansiedade - voltar a mim com o coração aberto e a alegria de saber que não escrevo só para mim, o que seria egoísmo, mas para externar as minhas ideias e as minhas posições sobre  temas e questões tendo sempre em conta a dignidade e a honestidade de exercer esse fabuloso meio de comunicação, que é a escrita, comentando, analisando, e interpretando o que os acontecimentos do mundo nos provocam e, na medida do possível, nos instigam a dar-lhes respostas dentro de nossas possibilidades de visão e compreensão.