[Miguel Carqueija]
Antologia organizada por Nelson de Oliveira
Capa: Teo Adorno   -   Revisão: Mirtes Leal  -  Diagramação: Raquel Ribeiro
Impressão: Lee Editora  2008


                                                     ROSAS BRANCAS

                                              (Roberto de Sousa Causo)


          Quando terminei de ler este conto, escrito em estilo “high tech”, fiquei com uma sensação de “enredo invertido” por assim dizer, pelo muito que faz lembrar argumentos de mangás e animes, mas pelo caminho oposto. Em outras palavras, a personagem Bella, aqui vista na traumatizante origem, no caso de um anime apareceria adolescente, com a memória apagada mas em contato com alguém ou algum ambiente que aos poucos a fizessem recuperar as lembranças. A herança do passado misterioso, paradigma de BLUE DROP, UTENA, COWBOY BEBOP ou SAILOR MOON – Causo poderia ter optado por narrar a história posterior de Bella. Assim como está, ficou uma narrativa algo apressada ou “malhação”, beneficiada com o estilo rico e escorreito do autor mas que de certa forma decepciona por oferecer menos do que o argumento sugere.     
                    

                                                  VALENTIM

                                                (Ataíde Tartari)


          Já publicado em outros lugares, esse conto me parece cada vez pior a cada leitura. O autor faz a narrativa através do ponto de vista da personagem principal, Gilmara, que o expõe num diário. Basicamente Gilmara é uma enfermeira que se envolve com um paciente misterioso e possuidor de poderes insólitos.
     Infelizmente o estilo banal da protagonista-narradora e o tom geral de “coitadinha de mim” que ela empresta ao texto acabam por tornar a narrativa meio irritante. Esclarecendo melhor, Gil é uma mulher mal-amada, deprimida e complexada por sua excessiva gordura e provável feiúra. Até parece que mulheres gordas não amam e não se casam. Quanto à tentativa de Tartari de produzir humor ela resultou, a meu ver, em fracasso total, pois a história não tem a mínima graça.  


                                    A NOVA ORDEM DAS COISAS


                                             (Mayrant Gallo)


     Não conhecia este autor. O trabalho em questão não é muito animador, com um argumento simplório e mal desenvolvido, apoiado numa “surpresa final” que não funciona.
     Que Capek era um robô, ou um andróide, é algo que o leitor iniciado em ficção científica pode deduzir só pelo nome do personagem, que remete a Karel Capek, autor da peça teatral “RUR – comédia utópica em três atos e um prólogo”, marco da literatura robótica.
     Capek serve a uma família na casa de praia. O Dr. Clarke (alusão a Arthur C. Clarke?), a Dona Nice, as duas filhas e Felipe. A filha mais velha, que assedia Capek sem saber que se trata de um andróide, é a Patrícia. A caçula não tem nome. Depois, “Felipe chegou com a namorada naquela tarde.” A namorada também não tem nome. O autor sofre de preguiça mental, sem dúvida. O que é que custa nomear os personagens?
     Lamento, mas esse é um conto desperdiçado.   


                                                        OS GIMS


                                          (Carlos Emílio C. Lima)


     Lara herdou da tia uma missão espinhosa: receber em sua casa, de tempos em tempos, um alienígena – de cada vez, um diferente – que chegava desmemoriado e iria repetir sempre as mesmas frases, que deveriam ser respondidas sempre da mesma forma. Assim os estranhos não saberiam, não se lembrariam quem eram e o que tinham vindo fazer na Terra; e depois morreriam, um a um.
     O autor tenta ser profundo, instigante, e redige bem; o problema é que o argumento é tão arbitrário, tão mal explicado, que não convence. Revelações por sonhos e por inscrições no lajedo que Maria desvendou e compartilhou com Lara – inconvincente. A idéia geral pedia uma história mais longa, uma novela; mas talvez poucos escritores entendam a dimensão própria do conto (Tchekov era um), dando a ele a conveniente independência em relação à novela e ao romance.


                                                   O ILUMINADOR


                                                (Carlos Emílio C. Lima)


     O estilo surrealista tem sido abusivamente utilizado. Escrever uma história sem pés nem cabeça, ainda que com linguagem escorreita, é para mim um truque entediante.
     O que se pode esperar de um texto com trechos assim: “Gigantesca é a grande esfera, pois ela é muito mais do que uma tela conectada ao mar profundo, onde amontôo as mensagens desse recital do mergulhador, para que alguém possa, em um dia aceso ou em uma noite estrelada, captar sem hesitação, quando por ali transitar, olhos e ouvidos de passagem, as mensagens, todas as mensagens, tudo o que dele aprendi, os segredos fonéticos do mergulhador, suas estridências infrassônicas”? O conto inteiro é assim.
     Tudo o que dá para entender é que um sujeito foi para o fundo do mar e não sobe mais, o outro permaneceu na superfície e vai ficar sempre no mesmo lugar. Falta muito para ser uma história.


                                                      DOBRAS

                                                  (Geraldo Lima)


     Abusando no surrealismo, o texto espraia-se pela peregrinação de um personagem através do que parece ser um infinito caos dimensional. O sujeito guarda na memória algumas lembranças confusas de algum ambiente onde estivera, festa ou velório: “Se era uma festa, faltavam, no entanto, alguns ingredientes, como música e bebida. Havia, pelo esvoaçar de frases, o entrechocar de conversas, o tilintar de palavras debatendo-se na loca das bocas, algo de festivo, a autentica alegria das pessoas que se reencontram depois de longo tempo separadas. Mas era só isso, nada mais.”
     E a narrativa vai seguindo um ritmo que em outra época diriam psicodélico, mas o que ressalva em todo este exercício de surrealismo é a gratuidade ou a ausência de finalidade da história, vale dizer, a ausência de conteúdo.

     
                                                        LUX


                                                (Geraldo Lima)



     Outro conto “esotérico” que faz lembrar um pouco o “Bordado” de Ray Bradbury mas sem a força poética e a qualidade literária daquela curta história incluída em “Os frutos dourados do Sol”.
     O texto de Geraldo Lima também é curtíssimo. Um sujeito sem nome foi abandonado pela companheira (cujo nome curiosamente é declinado) e cai num estado de depressão, aquele em que a pessoa perde toda a iniciativa. Aí aparece uma luz que vai devorando todo o seu apartamento e termina por devorar a ele próprio.
     O autor deve achar que seu conto é de uma profunda transcendência mas não é tão simples assim criar um texto escatológico válido. No caso faltou um pouco de significado, de “molho” pelo qual o leitor sinta que a história diz alguma coisa. O que fica é a impressão de gratuidade, um defeito comum em textos que apelam para o “nonsense”.


                                      



                                                   O FUGITIVO DOS SONHOS


                                                             (Carlos Ribeiro)


     Esse é um conto de certa originalidade, entrando no universo dos sonhos, o mundo onírico. Um sujeito foi roubado e o ladrão sumiu do mundo real, fugindo para a dimensão onírica. Há uma certa especulação da parte de um pesquisador chamado Ricardo, sobre o que possa ocorrer neste plano:
     “Algumas pesquisas recentes têm sugerido a possibilidade de que os sonhos de cada pessoa não são, como comumente se pensa, ilhas isoladas. Eles se comunicam entre si e, o que é mais surpreendente, com os sonhos das outras pessoas. (...) tal como na Terra, também nos sonhos as fronteiras são artifícios, nada mais do que meras convenções.”
     Tudo isso poderia produzir uma história profunda e instigante. Faltou porém, da parte do autor, um esforço para adensar mais o texto, o que poderia ser feito com um protagonista-narrador mais fascinado pelo mistério em si e menos por uma simples cobrança material.             

                                  
                                                  MEMÓRIAS

                                                    (Luiz Brás)


     Uma mulher esquece quem é a sua filha e passa a acreditar numa outra realidade, com resultados trágicos. Tudo por causa de uma experiência desastrada feita por dois estudantes, aparentemente relacionada com os computadores. Não dá nem para ter idéia do que de fato aconteceu, num texto confuso e vulgar, cheio de palavrões e ausente de lógica. É mais uma história descartável nesse volume. Afinal de contas, como é que uma mulher de carne e osso pode ter a sua memória alterada por um programa de computador? De que maneira ocorreu a manipulação?
     Histórias podem deixar de explicar muita coisa, mas com inteligência; é muito fácil jogar acontecimentos confusos e deixar tudo no ar. Como diz um ditado irônico, “o papel aceita tudo”.


                                           O LIVRO AZUL-TURQUESA

                                                      (Homero Gomes)          


     Exercício irritante de surrealismo, parodiando o relato bíblico da Criação, utilizando jogos de palavras cansativos e afinal não contando coisa alguma.
     Expliquem o que pode significar um texto desses:
     “Noite abafada debaixo dos lençóis úmidos de urina. A incerteza dos passos. O último aviso tardio antes da maçaroca desandar. Diálogos mudos, olhares avermelhados e drogas pelo chão de madeira rústica.
     Porém, uma bela noite,
     Suores escorridos pelas costas. Rigidez de membros.”
     Etc. nessa base. Desculpem, nem vale a pena perder tempo nessa análise.



                             A ÚLTIMA REVOLTA DE JESUS CRISTO


                                                 (Rogers Silva)


     Confesso que não consegui entender a motivação desta antologia. Não é uma reunião de ficção científica e vários dos trabalhos aqui apresentados também não deveriam ter lugar num volume de textos fantásticos.
      O presente conto apenas imagina o pensamento de Cristo na cruz, mas sob um ângulo deformado e blasfemo, mostrando enfim um Cristo decepcionado e arrependido de seu sacrifício. No fundo um texto pobre e pernóstico, mais um a se acrescentar a tantos que não querem deixar em paz os temas religiosos. Para piorar parece que o autor confundiu Jesus com São Sebastião, pois se sai com esta: “A flechada, os cuspes, a coroa, os espinhos – tudo doía.”


                                O MUNDO DESENCANTADO DE DESSERS

                                                     ( Rogers Silva)


     O mesmo autor do texto anterior volta com um enorme jogo de palavras que também nada conta de lógico ou de coerente, mais uma vez esse irritante surrealismo faz a sua presença. É um único parágrafo que preenche perto de quatro páginas sem sentido, com personagens sem nome e designados como “a velha de olhar infantil”, “o homem que um dia foi menino”, “a garota que foi acusada injustamente”, “o mudo de gestos enfáticos”, “o cego que bradava luz” e o resto nessa base.
     Preocupa, sem a menor dúvida, ver o rumo que a literatura está tomando em certas mãos. Parece aquelas pinturas e esculturas abstracionistas que deformam a realidade, não a transcendem, e francamente esse tipo de texto, pelo caráter caótico que exibe, nenhuma utilidade apresenta.


                                                        DIA QUALQUER

                                                         (Ivan Hegenberg)


     A idéia é muito interessante e fala de um personagem – o “Senhor V” – que racionaliza tudo o que faz e observa, de tal maneira que desde o início os leitores percebem que ele não é um ser humano comum ou normal, mas alguma outra coisa.
     Infelizmente o autor parece ter sido limitado pelo espaço ou pelo tempo, pois dá à história um desfecho de todo insatisfatório, retirando o personagem do foco narrativo e introduzindo outra figura, mal explorada e mal desenvolvida.


                                                            MASTCH

                                                       (Ivan Hegenberg)


     Narrativa zombeteira e anti-clerical cuja presença nesta antologia não é compreensível. Tampouco a inversão de valores praticada pelo autor, onde um desordeiro de mente caótica invade uma missa e vai de provocação em provocação até ser posto para fora à força. É mais uma dessas histórias sem cabimento que giram em torno de personagens raivosos e amorais com suas diatribes demolidoras de valores, a troco de nada. Niilismo raivoso, literatura anarco-ensandecida. Será que o autor acredita que o seu trabalho tem algum significado útil?