Cunha e Silva Filho


                             Às vezes, sinto cansaço deste mundo que nos cerca agora em sua dimensão globalizada, oscilando entre a alta tecnologia cada vez mais sofisticada e o individualismo atingindo níveis estratosféricos sob a bandeira perversa do egocentrismo. 
                            Tenho a impressão de que ninguém mais quer saber um do outro, do outro mesmo, sem a conotação antropológica ou sociológica do “outro” no sentido de minorias ou de diferente em vários níveis discriminatórios: nacionalidades, condição social, cor da pele, nível econômico, nível social, ideologia, religião, inteligência etc.
                            A sociedade global, sobretudo a que teve acesso à riqueza e tecnologia avançada, atravessa uma delicada fase de desencontros entre os indivíduos, todos procurando distanciar-se uns dos outros, todos se recolhendo em seus nichos de subjetividades, indiferentes aos reais interesses do bem-estar material e espiritual dos amigos à moda antiga ou que ainda talvez perdurem nos rincões mais ínvios do país. Não só amigos, mas conhecidos que se cruzam e dão seus “bons dias” no sentido humano da palavra mas não os “bons dias” que correm e que não passam de significantes, ou seja, não alcançam o signo verbal tão necessário à interatividade social. Este segundo tipo de cumprimento dispenso, já que não passa de formalidade vazia semanticamente. 
                           Quero os “bons dias” nascidos da sinceridade, da vontade de querer bem, de desejar a nossa felicidade, um “bom dia” pontuado de instantes de alegrias, um dia produtivo do ponto de vista de transmissão de energia, votos de bem-aventurança para quem é cumprimentado e para quem cumprimenta. Só vale o “bom dia” se o sentimento de reciprocidade prevalece como a vontade transitiva entre dois seres. Abaixo os “bons dias” formais, automáticos, mecânicos, reificados que mal abrem a boca, e mais parecem um sussurro de mau humor. 
                         Não, não é isso que almejo para os mortais, para esses “esqueletos ambulantes” de que nos fala Borges. Não, quero sim os “bons dias” de quem me trata bem, de quem me saúda com o coração, de quem me vê como um ser que tem carne e alma, sentimento e razão, fraqueza e carência, coragem e franqueza e principalmente de quem “ama o teu próximo com a ti mesmo” - este belo e tão raramente seguido mandamento cristão – uma das chaves sem dúvida para um mundo melhor. Não me queiram julgar como ingênuo. Então, a paz seria ingenuidade, a alegria, uma utopia, a amizade, um despropósito, a união,, um sonho absurdo?
                         Estou ciente de que a complexidade dos problemas de hoje em escala planetária pode até nos deixar mais distantes uns dos outros, as relações sociais menos afetivas, o convívio no trabalho menos pessoal e feito na base da competição ou de outros objetivos inconfessáveis. Também não estou alheio de que com tudo isso endurecemos ou perdemos na corrida contra os oportunistas cuja mais alta meta é a sua própria construção pessoal, o conforto e a prática do hedonismo mais rasteiro, mais ególatra, mais superficial.

                       Não se pode desconhecer que o mundo não anda nada bem no que respeita ao contato social pautado mais nos interesses de natureza financeira, na valorização do indivíduo pelos ganhos do capital no sentido mais neoliberal que possa ter. 
                       Se o marxismo está um tanto sumido, o capitalismo se desqualifica ante os grandes desacertos da economia global. Seja exemplo o que, desde 1998, tem ocorrido no sistema bancário mundial por conta de um recessão que tem abalado as economias de países ricos, criando uma tensão dilacerante entre o que seria mais conveniente aos países capitalistas, uma economia mais controlada pelo Estado ou uma Estado desregulador. Nem os ganhadores do Nobel têm conseguido equacionar novos e melhores caminhos para reequilibrar as economias de países europeus e da antes todo-poderosa economia norte-americana, agora em situação deficitária. 
                       Já sabemos que culpados existem e quem são eles. Nada menos do que financistas irresponsáveis que só pensam naquilo que se chama “privatizar os lucros e socializar os prejuízos”, i.e. a corda só quebra no lado mais fraco – os pobres, o povo. Quem faz o mal fica impune e o prejuízo financeiro fica por conta do Estado perdulário. Os bancos, por sua vez, para honrarem seus compromissos com os credores, ainda por cima são socorridos pelo FMI. Há muito tempo ninguém imaginaria que os EUA seriam palco de manifestações ou passeatas de gente desconte com a situação econômica e social do seu povo, do cidadão americano comum?
                      Não é difícil compreender por que as estruturas econômicas de tantos países aliadas a conquistas realizadas nos campos da ciência e da tecnologia podem provocar tantos descaminhos, seja na relação entre as nações e seus modos de governo – o caso das atuais justas revoltas de cidadãos árabes lutando pela liberdade e por melhoria de suas condições de vidas, e governos ditatoriais que os repelem pelos massacres covardes de compatriotas -, seja no relacionamento interpessoal de povos, como no Brasil de agora, que se afastam cada vez mais de um tão ansiado encontro de uma pessoa com outra, encontro de paz, de amizade sincera e de bem-estar tão aguardado por um mundo melhor.