ROGEL SAMUEL


Artigo publicou Nuria Amat, a consagrada autora de “Todos somos Kafka” (Madrid, Anaya & Mario Muchnik, 1993), em “El País”.

Antes, em outro lugar, disse ela que Kafka foi o primeiro que “pôs em crise a família, o casamento, o trabalho”. E tudo. “Ele foi o precursor, o profeta”.

Nuria Amat nasceu em Barcelona, em 1950.

Filho mais velho de abastado comerciante judeu, Kafka cresceu sob as influências de três culturas: a judaica, a checa e a alemã. Mas era um estranho a todas elas.

Ele aprendeu alemão como sua segunda língua, mas só falava tcheco em casa. Nunca foi reconhecido em vida e seus livros, na maioria, se editaram postumamente, pelo amigo Max Brod. E antes de morrer, deixou escrito o pedido de que seus livros fossem queimados. Não foram. Vinte anos depois de sua morte estava ele mundialmente famoso.

Mas Kafka não era escritor alemão. Era tcheco. Porém escrevia em alemão.

Outros dizem que era “judeu”. Mas parece que a tradição judaica não aparece em sua obra. Conforme se lê em Carpeaux.

Assim, nem alemão, nem tcheco, nem judeu, Kafka era um exilado. Em qualquer parte do mundo. E transformou-se num símbolo da literatura moderna. Literatura exilada.

Em vida suas obras não despertaram nenhum interesse. Otto Maria Carpeaux, em “Vinte e cinco anos de literatura” (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967), conta que conheceu Kafka durante uma reunião literária em Berlim em 1920. Lá, Carpeaux foi apresentado a um “rapaz magro, pálido e taciturno” que despertou o seu interesse por seu olhar misterioso e perscrutador. Ao indagar de quem se tratava, recebeu a seguinte resposta: “É de Praga. Publicou uns contos que ninguém entende. Não tem nenhuma importância!...”

Nuria Amat disse que: “el escritor vive en una constante contradicción. Por un lado, un escritor en este sentido, tiene que ser muy ambicioso, claro, porque cada vez que uno se pone a escribir seriamente, en realidad lo que está diciendo es: «Voy a competir con Cervantes»… por otro lado es necesario vivir esto con cierta ironía… ¿Para qué escribir? Para sobrevivir...”

Como Kafka, Nuria Amat escreve em castellano, sendo catalã.

Segundo Borges, “Kafka renovou o paradoxo de Zenão de Eléia: uma flecha não pode chegar a sua meta porque antes tem que passar por um ponto intermediário, antes por outro ponto intermediário, e assim sucessivamente temos um número infinito de pontos onde a flecha em cada momento está imóvel no ar, e somando imobilidades não se chega nunca ao movimento. No caso de Kafka, podemos pensar que um de seus temas é a infinita postergação”.

Tudo isso a propósito do artigo de Nuria Amat “Kafka en Francfort”, publicado em “El País” de 16 de outubro de 2006.

Ela mostrou como Kafka foi questionado, ignorado ou mesmo repudiado em seu país de origem.

Em Praga ele não era, até sete anos atrás, considerado tcheco (porque era judeu e escrevia em alemão), disse Marta Zelezna, da Sociedade Franz Kafka. Na edição tcheca do “Quem é quem” Kafka não aparece. E somente agora, em 2006, se publica pela primeira vez a obra completa do escritor em tcheco.

Escreve Amat que “Kafka não se sentia bem em Praga”.

Assim como Praga o rejeitou até bem pouco tempo.

E conclui Amat que Kafka era um escritor sem pátria nem língua própria.

Mas era Kafka o maior escritor de Praga.