Cunha e Silva Filho

 

                         Nesta coluna apresento ao leitor dois poemas, um em francês e outro, em inglês, escritos pelo grande poeta Manuel Bandeira.(1). Na obra poética do grande lírico, salvo engano, ele só escreveu cinco poemas, três em francês, dois em inglês. Em francês, estão “Chambre vide” (Libertinagem, p. 207), “Bonheur lyrique” (Libertinagem, p. 208) e “Chanson de petits esclaves” (Estrela da Manhã, p. 234); em inglês, contamos com “John Talbot” (Mafuá do Malungo, p. 370) e "...E.E.CUMMING", Mafuá do Malungo,"  p. 436).                  

       Sabemos que notáveis poetas brasileiros, uns mais outros menos, se devotaram a escrever em língua estrangeira, como são os exemplos de José Albano (inglês,, francês, italiano, alemão), Alphonsus Guimarães (francês), Murilo Mendes (italiano), entre outros. Creio que as razões que os levaram a escrever em língua estrangeira são múltiplas. Em Bandeira, entretanto, é mais simples entender. Bandeira era um virtuose da poesia, uma poeta impulsionado pelo experimentalismo e pela renovação de seu estro. Para ele, a poesia inegavelmente era um campo fértil de procurar diversificar os aspectos do que chamaria de uma “estético o lúdica do poético”.
                   Daí seu gosto pela paródia, pela ironia, pela imitação, pelo amplo recurso da intertextualidade e intratextualidade. Nos seus poemas à maneira de, formas que já tinham sido, guardadas as proporções do tempo da produção do poeta piauiense, testadas pelo “Poeta da Saudade”, o piauiense Da Costa e Silva 1885-1950)(2). O gosto bandeiriano pela imitação para fins de experiências formais é que o levava à variação dos recursos de estruturação de poemas e de uma espécie de inclinação a considerar a literatura como um espaço onde se interpenetram diacrônica e sincronicamente todos os possíveis caminhos da exploração do poético. 
                 Este é um dado universal de seu estro e de sua produção, que não foi grande, porém o foi nas suas singularidades e na sua variabilidade de linguagens. Poeta culto, com domínio dos principais idiomas modernos, ele mesmo tradutor da poesia universal, .ensaísta, antologista de grande sensibilidade na seleção de autores, e historiador de nossa literatura, professor universitário de literatura hispano-americana e autor de obras nessa área, por tudo isso Bandeira era aquele autor fartamente aparelhado para inúmeras incursões no domínio literário.
              Ensaístas houve que o acusaram de falta de originalidade, a ponto de o crítico Eugênio Gomes injustamente chamá-lo de “poeta xexéu,” em virtude dessa sua flexibilidade e gosto para a práxis poética ancorada em outros poemas usados por ele em diversos poemas onde a alusão literária, a paródia, a imitação, os jogos de linguagens, o ludismo, a inovação, a mudança, e sua extraordinária capacidade de renovação e de entender superiormente quando deveria atualizar-se e estar à altura de sua época.. Foi no seu prestigiado "Intinerário de Passárgada", verdadeira autobiografia de alguns passos fundamentais de sua carreira de escritor e sobretudo de suas valiosas explicações de seu processo criador, que ele, naturalmente respondendo a seus detratores,  justificou  que o fato de empregar tantas alusões poéticas não se devia à ausência de originalidade e de criatividade. Não  passava, segundo ele,  em grande parte, de homenagens tributadas  a grandes poetas de sua predileção.
            Vejam-se abaixo os dois poemas mencionados acima em tradução minha bilíngue: (3)

 

CHANSON DES PETIS ESCLAVES


CONSTELLATIONS
Maîtresses vraiment
Trop insouciantes
O petits esclaves

Lês cieux sont plus sombres
Que les beaux miroirs
Finis les tracas
Finis toute peine.

O petits esclaves
Black-boulez les reines

La folle journée
J’aurai vite fait
D’avoir mis d’emblée
Toutes les sirènes
Sous mes arrosoirs

Car voici demain

O petits esclaves
Secouez vos chaînes
Donnez-vous la main.


CANÇÃO DOS PEQUENOS ESCRAVOS


CONSTELAÇÕES
Senhoras verdadeiramente
Muito negligentes
Ó pequenos escravos
Sacudi vossas correntes

Mais sombrios estão os céus
Do que os belos espelhos
Acabai com todas as fadigas
Daí fim a toda pena.

Ó pequenos escravos
Repudiai as rainhas

O louco dia
Logo terei transformado
Por haver colocado de um só vez
Todas as sereias
Sob meus regadores.

Eis aqui, o amanhã

Ó pequenos escravos
Sacudi vossas correntes
Dai-vos a mão.

 

 

 

 


...E.E. CUMMINGS


THANK YOU for the exquisite Jam
TH
An
K you
too
) or also (
for the
71
Cumm
Ing’
Oo? E! ms!!
An
d now
get into this brazilian hammock and
let me sing for you
“Lullaby
“Sleep on and on…”

Xaire, Elisabeth

 

…E.E. CUMMINGS


LHE SOU- GRATA pela deliciosa geleia
O
bri
gado
a você
) e ainda (
pelos
71
po?e!mas!!
de
CUMM
ing
e
a gora –
entre nesta rede brasileira e
deixe-me cantar pra você:
“Canção de ninar
“Durma, durma, durma...”

Xaire, Elisabeth.

Notas:

 

[1] BANDEIRA, Manuel.  Poesia completa e prosa. Volume único..Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1986.

[2 A  respeito de técnicas  de espaço intertextual em Da Costa e Silva e outros  processos de recriação  de estilo clássicos ou medieval, veja-se o meu  livro  Da Costa e Silva: uma  leitura da saudade. Teresina, Piauí. Academia Piauiense de Letras/Universidade Federal do Piauí, 1966. Ver, em especial, o 2º capítulo, “Memória e intertextualidade”, p. 35-50. Ver também o meu estudo  Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo. In: SANTOS, Francisco  Venceslau dos . Geografias literárias. Prismas, 4,. Rio de Janeiro: Editora Caetés, 2003, p. 103-122. Nesse ensaio, discuto, entre outros  aspectos,   a faceta experimentalista  e tecnicamente elástica  do  poeta Da Costa e Silva, sua  propensão inata a mimetizar  poemas  clássicos e de  feição do  português medieval.  Ainda me proponho no estudo a aventar a possibilidade de uma influência do poeta  piauiense sobre Bandeira no que tange não só ao  vezo mimético  de poetar  formas  distantes no tempo e no espaço   de construção do verso, como também  semelhanças  de temas,  de ritmo e de semântica, como é  exemplo o paralelo feito entre o poema “Carnaval”, de Da Costa e Silva e “Carnaval,” de Manuel Bandeira. O mesmo  ocorre na minha comparação entre o  poema “Refrão do ter noturno”, de Da Costa e Silva e “Trem  de Ferro”,  de Bandeira.

[3] Não foi por ora meu  propósito   fornecer ao leitor algumas informações sobre   temas e mesmo alguns   comentários de natureza biográfico-cultural referentes ao segundo  poema traduzido. Deixarei para uma outra  occasião.