POEMITOS DA PARNAÍBA

POEMITOS DA PARNAÍBA

Texto: Elmar Carvalho

Charges: Gervásio Castro

21.           Bernardo Carranca

 

Bernardo Carranca

com sua carranca de artesanato

artefato – mas não

arte de fato – de cantor/ator/à toa

atropela uma música

com seus gemidos e grunhidos e ganidos.

E canta: “De noite eu rolo

na cama...” E sai rolando, se enrolando

se contorcendo e se retorcendo pelo salão

por entre mesas e pelo chão

– bailarino de mola

sem molejo de cintura –

criador e criatura

de sua própria loucura.

22.           Zé Bispo

 

O “milionário” Paulo Afonso

coiceou com um seco não

o boêmio e compositor Zé Bispo,

quando este lhe foi dar

um filho como afilhado.

Bispo, numa música em que dizia

que o Deus do “milionário” era

o mesmo seu e que o ouro

dele não o levaria ao céu,

sua branda mágoa de protesto

nas placas de bronze do tempo lavrou.

O ouro de Paulo Afonso

como o orgulho e a soberba

pelo ralo da vida se foi.

A música de Zé Bispo

cantando na boca do povo

é folha verde/viva que a voragem

do vento do tempo não levou.

23.           Conde Falido

 

AristorRatos

AristocraRia de

ba(r)rão falido

de (es)conde de (ex)conde

de (vil)conde de (vis)condes

de barrão/barrado/borrado

conde falido = falo k ido

conde falado = falo alado mas depenado

conde falecido = falo de morto

conde falingus = falo da língua

24.           Maria Onça

 

– Maria Onça!

– Onça é a tua mãe,

filho de uma égua.

A cara feia de Maria

transformava-se na

carranca de uma onça.

Não de uma onça pintada,

não de uma onça rajada,

mas de uma onça

pobre, feia e desbotada.

E Maria Onça seguia

como um bicho acuado

por entre os apupos

da molecada.

E Maria Onça chorava

no meio da molecada.

25.           Cego Bento

 

Não morrerás,

meu quimérico e homérico cego.

Um mito não morre:

um mito se encanta e permanece.

Teus dois percursionistas

são dois anjos da guarda

de asas dissimuladas.

Um te abriga com a sombra

de seus olhos também sem luz.

O outro é tua estrela guia,

que te conduz em tua noite sem dia,

pelas trevas espessas de teus olhos,

como um Virgílio da nova mitologia.

Não morrerás,

não por seres Bento,

mas por teu talento.

A música escorre de teus dedos,

saltita sobre os teclados,

palpita e resfolega no fole,

cabriola no molejo moleque

do leque da sanfona,

evola-se pelos ares,

remexe as ondas dos mares,

sacoleja as folhas dos palmares,

se quebra e se requebra pelos bares

e remelexe no chamego e aconchego dos pares.

Não morrerás, cego Bento.