Ferro dos Currais

 

se na Serra do Curral a casca do buraco 

– Espinhaço do Curral del Rey –

não é vista pelo lado de Belo Horizonte,

nos Currais Novos do Piauí o buraco

é ainda um grandioso projeto

a aportar no Porto do Suape, em Pernambuco.

 

 

insignificâncias à moda de Manoel de Barros 

 

quando tentava ser perfeito,

parecia ser petulante, arrogante, inacessível.

assim, pus-me a ser displicente, desconexo, descontraído.

muitos têm medo do incompreensível.

fiz-me, pois, como uma folha,

um grilo, uma porção de terra,

um bicho qualquer, um ser,

um grão de nada.

 

 

 

coreto poético-musical

 

  ao artista plástico Jeff Duprado

 

a matéria e a cor se definem

como texturas de palavras no ar

nos sobretons da magia estelar

refletida no aquarelado chão

 

segredos pincelados no branco

de chumbo, pigmentados,

nos solos de guitarras

reverberando versos,

no férrico azul prussiano:

paisagem lápis-lazúli

 

 

Esqueleto social em obra

 

No pó do cimento e na areia grossa

desfila a dureza do escalar do prédio.

Pedreiros e mestres de obra em ação, no esquadrio da perfeição.

 

O nhoc! nhac! da betoneira, no engolir da argamassa trivial.

O dzzzt! bzzzt! da solda elétrica trazendo clarão.

O blem! blem! do desempeno da chapa metálica.

O clunc! plunc! do tijolo caindo ao chão.

 

Sinfonia silenciada, tarde da noite, pula-se a derradeira poça

de esgoto a céu aberto, da rua próxima à casa,

para o rápido descanso até a madrugada fria do dia seguinte.

 

Poemas originalmente publicados na Revista da Academia de Letras do Brasil, número 8, jul.-dez., 2022, ISSN 2674-9495.