Poema O bicho, de Manuel Bandeira
Não era um pássaro, um avião, nem um super-homem, era um ser humano comendo no lixo.
(http://bodaestilo.com/blog/un-punto-clave-para-la-boda-perfecta-no-arriesgar-en-el-banquete/25-01-2007/)
(http://globoesporte.globo.com/platb/files/157/2009/10/urubus-na-grade.jpg)
Homenageando a memória de Manuel Bandeira e
agradecendo a Alcir de Vasconcelos A. Rodrigues
pela competente análise do poema que divulgou
26.8.2010 - Num pátio imundo, alguém se alimentava no lixo, meu Deus - Manuel Bandeira foi um dos maiores poetas da história da humanidade. F. A. L. Bittencourt ([email protected])
"O Bicho
Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem."
(http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/bicho.htm)
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Poema "O bicho"
por Alcir de Vasconcelos A. Rodrigues
"O poema 'O bicho', de Manuel Bandeira, integra o livro de poesia Belo belo, publicado em 1948. É tipicamente modernista: é o que se pode observar e afirmar, de chofre, em todos os aspectos: sonoro, lexical, sintático e semântico.
O texto se apresenta sob uma forma não-fixa e não-tradicional (não é soneto, ode, écloga ou haicai, por exemplo), dividido em três tercetos e um monóstico, com versos livres (isto é, polimétricos) com apenas rimas ocasionais. Observe:
“Vi / on / tem / um/ bi / cho
1 2 3 4 5 6
Na _ i / mun / dí / cie / do / pá / tio
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Ca / tan / do / co / mi / da_ en / tre _ os / de / tri / tos.”
O 1º verso é um pentassílabo (redondilha menor); já o 2º, um hexassílabo; e o 3º, um eneassílabo, o que comprova a polimetria ou versilibrismo.
Abaixo, perceba as rimas ocasionais:
“Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.”
A rima achava/examinava/cheirava não tem classificação na poética tradicional. Já a rima gato/rato poderia ser chamada de paralela ou emparelhada.
O ritmo poético, propriamente dito, surge apenas no 3º terceto. Nas demais estrofes, predomina o procedimento da prosa, como, aliás, é bastante comum a um texto narrativo, como é o caso do texto em questão.
No que diz respeito ao léxico, o poema apresenta apenas dois vocábulos da língua culta: detritos e voracidade. Nada que um dicionário não resolva. De resto, como é de praxe em um texto modernista, o nível de linguagem é o coloquial (o do cotidiano). Ou seja, uma linguagem próxima, bem próxima do povo.
Manuel Bandeira organiza “O bicho” como um filme hitchcockiano: vai em conta-gotas revelando-nos a trama, o enredo, para só no final, num clímax de emoção, de suspense, mostrar quem é o bicho − um bicho-homem. Ou será um homem-bicho? Vejamos, por meio da estrutura da narrativa, a trilha especial por onde nos conduz Bandeira:
“Vi (ele, o eu-lírico, testemunhou o fato) ontem (quando? – no dia anterior ao qual foi escrito o poema) um bicho (quem? – o bicho-homem/homem-bicho) / Na imundície do pátio (onde? – o lugar, o ambiente onde se dá o fato) / Catando comida entre os detritos (o quê? ─ a ação, o fato central). //Quando (quando? – o tempo, o momento em que ocorre o fato) achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava: / Engolia com voracidade (como? – o modo como age o ser/personagem – o enredo). // O bicho não era um cão. / Não era um gato. / Não era um rato (quem? – aqui, para manter o suspense e elevar apenas no final a um máximo grau a emoção, o poeta diz quem não era o bicho). // O bicho, meu Deus, era um homem (eis aqui o ápice da emoção, do sentimento, da revelação).”
Só um elemento nos falta agora: o porquê: a semântica de tudo que está no texto, suas significações explícitas ou mesmo implícitas, conduzindo-nos a uma fulcral indagação a ser feita: por que “O bicho”, por que tal título? Seria ele condizente com o texto e com o contexto? Lógico que sim, já que o homem (o ser humano enfocado no poema, assim como milhões de outros como ele no mundo) , em face dos descasos dos governos, dos órgãos competentes, da própria sociedade e, muito provavelmente, por ser esquecido por sua família também, encontra-se abandonado à própria sorte, sem ter com que e com quem contar. Não era um tema fictício ou inatual naquela época a denúncia social, nem o seria agora, mais atual ainda do que nunca. É o ser marginalizado, animalizado pela degradação que o atinge física, psicológica e socialmente ─ e não por sua escolha, lembremo-nos ─, assumindo, aos olhos dos desinformados, ‘atitudes de bicho’.
Bandeira, por isso tudo, é testemunha de seu tempo e das mazelas sociais de então. Com aparente singeleza, constrói um poema que emociona e desperta para a reflexão, para perguntas imperiosas e que requereriam respostas mais que imediatas: Por que se abandonou o homem? Quem ganhou e ainda ganha com isso? Por que não revolucionamos essa sociedade falha? Podemos ─ a curto, médio ou longo prazo (quem dera fosse a curto!) ─ solucionar as questões sociais?... Ora, quem diria... É um pequeno-grande poema de um poeta gigante. Viva Bandeira!
E para quem o desconhece, aí vai “O bicho”:
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio,
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato.
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Alcir de Vasconcelos Alvarez Rodrigues
Nasceu em 1968. Currículo Lattes:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4218321A0. Tem graduação em Letras, Língua Portuguesa, Especialização em Língua Portuguesa e Análise Literária e Mestrado em Estudos Literários, pela UFPA. Mora numa ilha chamada Mosqueiro, repleta de muitas praias banhadas por um rio-mar com ondas, ondas de águas doces. Uma singularidade no mundo!".