Poema do Rio Negro, 5

Rogel Samuel


hoje, em 1984
ainda sofremos o sussuro assombrado
seres ocultos na floresta
no escarro noturno na folha
ruídos surdos da morte
silvos de cobra
grito que se atrofia
que somos? apenas homens
culpas cospem jogos
línguas secam vazias de falas
o futuro desaparece no passado
ondas de óleo negro como esperma
sob um bafejo roto
louca magreza fome desterro
derrama o rio partes expostas
e geográfico não mais corta
seu beijo frio horizonte amarelo
que nada nasceu ali depois nem nascerá
nem os pássaros cegos
o céu fantasma estéril
o amor misturado ao pasmo do passado
as paisagem irritadas
as aranhas e escorpiões afiados
para sempre este
sempre urubu, sempre interno
sempre negra flor, sempre inferno
que nós nos lembramos do dia
que nos surpreende afinal
as armas tocaram as peles
o rio o sangue negro detesta
o castelo a testa a proa
a fome as estrelas a morte os ares
e há pontos de luzes verdes e vinagres
na costa desta floresta
as coisas são diamantes
e só não ouve quem não quer o ranger de dentes
espinhos venenosos se postam
preparada armada a mata
e há urubus e no cornicho atenção
dos cadáveres históricos
de um grande cemitério
(mas tudo passará. No mesmo fio da espada
e sob o mesmo tom da corte negra)
ó tristes homens mãos de pedra
- um índio vinha e subia o rio de repente
a todos se oferece o rio de cinzas
sua divina partilha
ninguém mais sabe nada
perambula entre nós cachoeira
(mas o anjo e a estrela entram na mesma pupila
sua auréola bela e amiga
refaz a alegria antiga
e eu choro o festival que nunca passou
penetro o jardim e esquecidas
as flores sobre a balsa passam
amaldiçoadas passam
de Manaus a Itacoatiara
nem sabem os demônios das margens
o chumbo soberano.
Pois perto é a morte
com sua mão afiada
E a ponte o caminho
está entre o tudo e o nada
e somos raros agora
geração aziaga).